Jovens artistas desafiam a crise com a cultura underground

O recém-inaugurado Espaço Breu recupera o movimento e surpreende com reflexões sobre a contemporaneidade

 30/06/2017 - Publicado há 7 anos
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A artista Rafaela Foz e o curador Leandro Muniz – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O Espaço Breu não tem nada a ver com o nome. É um galpão iluminado, bem dividido e com muito espaço para habitar por novas ideias, reflexões e movimentos artísticos. Inaugurado há pouco mais de um mês, é integrado por jovens artistas que decidiram enfrentar a crise econômica, política e ética com a certeza de que a arte segue caminhos próprios.

O movimento está sendo compartilhado por um grupo de estudantes do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Com a mostra I’ll Be Your Mirror, resgata a cultura underground dos anos 1960 com o existencialismo sartriano e a arte pop de Andy Warhol.

O trabalho de André Arçari, Lucas Naganuma, Renan Marcondes, Rivane Neuenschwander e Vitor Cesar é embalado pela canção de Lou Reed, conhecida na versão da Banda Velvet Underground e Nico. “Essa música reúne simultaneamente um dado afetivo e um dado reflexivo através da figura do espelho”, explica o curador Leandro Muniz. “A expressão I’ll be your mirror (Eu serei seu espelho) sintetiza interesses dispersos que aparecem nas obras dos artistas reunidos nesta exposição, junto ao clima pop de onde ela veio, propondo uma reflexão sobre a situação atual.”

Espaço Expositivo Breu – André Arçari na exposição I’ll be your mirror. Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A mostra começa logo na entrada do prédio de dois andares. Na fachada, o artista Vitor Cesar escreve: “Uma pessoa negocia com a outra para mudar sua percepção”. E, dentro do salão, outra frase informando: “Alguém projeta novos espaços no centro da cidade”. Para o curador, ambas têm uma ambivalência. “Na primeira, há a dimensão de negociação, de troca, a experiência afetiva e seus conflitos. Na segunda, uma reflexão, um tanto autocrítica sobre o nosso papel como artistas, na medida em que o centro da cidade tem sido um lugar procurado por espaços alternativos, independentes, ateliês, com suas complexas consequências num processo de gentrificação, ou transformação urbana, provocando a mudança dos grupos sociais que lá habitam. De todo modo, o trânsito entre o afetivo e o político, ambos com a mesma importância, está posto neste trabalho.”

“O passado que ecoa no presente e o presente que ecoa no passado, e vice-versa”

O ovo no copo de água é intitulado Mal Entendido: obra de Rivane Neuenschwander – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Um ovo mergulhado num copo de água ocupa uma cantoneira no galpão. Está ali presente, mas quase invisível. O que Rivane Neuenschwander está questionando? O título da obra é Mal Entendido. “A artista, por um lado, mantém em suspenso o encantamento de como aquele ovo flutua tão perfeitamente no copo d’água, associando os efeitos de refração óptica às distorções de linguagem”, observa Muniz. “Esse era um dos poucos trabalhos que desde o começo estavam elencados para este projeto. Os outros foram todos negociados com os artistas.”

Enfim, tudo começou com um ovo. As obras têm um distanciamento diante da amplitude do galpão. Há um vazio proposital entre uma e outra. Um recurso do curador para evitar comparações entre elas. “A expectativa é potencializar uma relação de concentração e leveza com o público, que é conduzido por demarcações pontuais no espaço.”

Gravura de Lucas Naganuma: espaços do ser. Foto: Cecília Bastos/ USP Imagens

André Arçari traz uma série de fotos com cenas de um filme chamado Um olhar a cada dia. ”Ele intercala imagens de caráter subjetivo com outras incisivamente político”, aponta o curador. As gravuras em metal de Lucas Naganuma intrigam por adentrar os espaços do ser. Uma mão que abre uma fechadura. A pessoa que se esconde sob os lençóis no chão do quarto. “As imagens captadas por ele mesmo são reunidas a partir de trechos de quadrinhos, frames de filme, fotos achadas na internet e rearranjadas em analogias formais em que essas imagens se espelham. Paradoxalmente, o uso da técnica de gravura em metal, que permite uma reprodução de imagens, é usado no trabalho do Lucas para reproduzir imagens virtuais, que já são elas mesmas reproduzidas, mas num tempo acelerado, ou seja, há um tempo dilatado na produção dos trabalhos do Lucas, o que não deixa de ser um procedimento crítico.”

A proposta de envolver o trabalho dos artistas sob o som e a letra da música I’ll Be Your Mirror traz, segundo Leandro Muniz, o passado que ecoa no presente e o presente que ecoa no passado, e vice-versa.

“Um lugar para exposições, cursos e conversas ”

Espaço nasceu do idealista de jovens artista – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O Espaço Breu está sendo organizado por seis jovens artistas: Gabriel Pitan Garcia, Julio Lapagesse, Pedro Ivo Verçosa, Rafaela Foz, Renata Casagrande e Virgilio Neto. “Nós tínhamos um projeto de criar algo novo, na contramão das demais instituições culturais”, conta Rafaela. “Um lugar que pudesse reunir ateliês, expor obras, ser um ponto de encontro de arte e cultura, que sediasse cursos de fotografia, pintura, artes em geral.”

A ideia encontrou o seu endereço na Rua Barra Funda, 444, próximo à estação Marechal Deodoro do Metrô. “Fizemos as nossas contas e decidimos alugar.” Sem verbas, patrocínio e com recursos próprios, o Espaço Breu é um lugar de trabalho, de criatividade, de divulgação da arte. “Temos recebido currículos de artistas de todo o País que querem expor, fazer residência e já temos uma programação de cursos.”

O espaço foi inaugurado no dia 27 de maio com o lançamento da exposição Sobre Todos Meus Vazios, de Pedro Ivo Verçosa, que se formou em Artes na Universidade de Brasília (UnB). “Esta mostra conta uma das seis histórias pregressas que resultaram na formação desse espaço e grupo e que, de certa forma, se apresenta como um embrião do que começa a se formar aqui no espaço”, diz o artista. “Minha pesquisa se baseia no retrato das pessoas ao meu redor e na percepção do tempo através da fotografia, desenho e pintura.”

Ao longo das exposições acontecerão três eventos como forma de ativação e de discussão. No próximo dia 8 de julho, será promovida uma palestra sobre a obra de Leonilson, com o crítico Carlos Eduardo Riccioppo. Também estão previstos para o início do segundo semestre um encontro com o artista Vitor Cesar e uma apresentação musical de Aryani Marciano, entre outros eventos.

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O Espaço Breu fica localizado na Rua Barra Funda, 444, Barra Funda, em São Paulo, próximo à estação Marechal Deodoro do Metrô. Fica aberto de quarta a sábado, das 15 às 20 horas. A entrada é franca. Informações:contato@espacobreu.com


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