A economia das privatizações e parcerias público-privadas

Pedro Forquesato é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP

 Publicado: 04/07/2024
Pedro Forquesato – Foto: Acervo pessoal

 

 

 

Está atualmente em andamento a privatização da Sabesp, que foi aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo em dezembro do ano passado, e permite a venda do controle acionário da empresa de economia mista pelo governo estadual para a iniciativa privada. Essa privatização se soma à da Eletrobras, em 2022, em um movimento recente de remoção do Estado da gerência sobre a atividade econômica em setores estratégicos, e que reacende um debate antigo no Brasil sobre os limites e papéis do governo na economia.

Por que internacionalmente alguns setores têm relevante presença estatal enquanto outros não? Em geral, a viabilidade da concessão ao setor privado de atividades econômicas tem relação com as características do mercado específico em análise. Mercados em que o governo intervém de forma relevante são aqueles em que os custos fixos são significativos, limitando que apenas algumas empresas atuem neles e restringindo, assim, o poder da concorrência de controlar os preços cobrados pelas firmas privadas sem alguma regulação explícita do Estado.

Já se esta regulação é eficaz, ou se é mais eficiente a provisão pública direta, depende de uma série de fatores. Primeiro, depende de quão contratáveis são a qualidade da provisão do serviço e o valor dos ativos aplicados. Nesse sentido, mercados em que a qualidade do serviço é fácil de contratar, como rodovias, em que todos observamos se têm buracos, são muito mais propensos à provisão privada que serviços em que é difícil observar a qualidade, como a educação, ou que não conseguimos verificar a infraestrutura, como o setor de água e esgoto (por estar debaixo da terra).

Por outro lado, um dos principais argumentos para a provisão privada de serviços públicos é o potencial inovativo do setor privado, que juntamente com a concorrência de mercado pode melhorar a qualidade dos serviços e reduzir os seus preços. Aqui igualmente a aplicabilidade desses efeitos varia por setor. Na telefonia celular, por exemplo, tanto o potencial inovativo quanto a concorrência de mercado são elevados, fazendo com que em quase todo o mundo a provisão desses serviços seja privada. No setor de saneamento, entretanto, a capacidade de inovação é limitada (embora existente) e a concorrência de mercado é muito baixa, restringindo os ganhos potenciais da privatização nesse mercado.

Outro argumento frequentemente levantado em defesa da privatização e parcerias público-privadas (PPP) é de que estes mecanismos liberariam fundos para o governo, aliviando a sua restrição fiscal. Mas ao trocar um fluxo futuro de rendimentos (ou, o que é equivalente, taxas de uso sobre os consumidores) por um montante presente, a construção, por exemplo, de um aeroporto por PPP não altera a restrição orçamentária do governo frente à provisão pública, representando apenas uma troca intertemporal de comprometimentos, exatamente da mesma forma que um aumento na dívida pública para financiar a construção do aeroporto. Desconsiderando a divisão de riscos futuros, o mesmo argumento vale para privatizações como a da Sabesp, que ao alienar o capital do Estado tem exatamente o mesmo impacto na sua solvência fiscal que um aumento no passivo estatal.

A princípio, se poderia crer que países em desenvolvimento, por terem pior qualidade institucional, se beneficiariam mais de privatizações e PPP que países desenvolvidos. Essa relação, entretanto, não é clara na literatura. Se por um lado realmente a baixa qualidade institucional pode comprometer a provisão estatal direta de bens e serviços, a concessão e parcerias com o setor privado envolvem contratos extremamente complexos e de longo prazo, demandando igualmente um arcabouço institucional bem estabelecido para serem bem-sucedidas. Em relação à privatização, estas dependem de um arcabouço regulatório que funcione bem para garantir que os potenciais ganhos de produtividade das firmas privadas sejam de fato absorvidos pela população, e não apenas levem a aumentos dos lucros e remunerações dos executivos dessas firmas.

O mesmo argumento vale para a corrupção. É senso comum que países com maior incidência de corrupção, como o Brasil, se beneficiariam especialmente por este motivo da privatização de suas empresas e da provisão privada de bens públicos, limitando assim o escopo para a corrupção no governo. Esse argumento infelizmente esquece que, em setores regulados, a privatização das empresas públicas simplesmente transfere a vulnerabilidade à corrupção da gestão estatal direta para a relação entre a firma e a agência reguladora. Igualmente, em concessões se transfere tal suscetibilidade para o processo licitatório e o contrato de provisão entre o setor público e a concessionária privada.

Analisando o caso da Odebrecht, por exemplo, Nicolás Campos e coautores reportam que não foi encontrada incidência diferente de corrupção entre processos diretos de compras públicas e parcerias público-privadas. Em países mais corruptos, os contratos entre o governo e a iniciativa privada tendem a ser mais incompletos, abrindo espaço para o uso abusivo de renegociações posteriores de preços.

É importante também considerar o efeito das privatizações na desigualdade de renda e de riqueza, especialmente em um dos países mais desiguais do mundo como o Brasil. Mesmo que representem ganhos de eficiência, a redução de salários ou demissões que frequentemente são associadas às privatizações têm efeitos negativos sobre a parcela mais pobre da população, enquanto a eventual redução de tarifas ou aumento dos lucros favorece igualmente os mais ricos.

Estudos sobre o efeito das privatizações na América Latina acham efeitos negativos sobre os trabalhadores, o que pode aumentar a desigualdade de renda. Em outros continentes, as reduções significativas no capital estatal russo e chinês durante a década de 1990 são associadas a aumentos drásticos na proporção da riqueza nacional na mão dos 10% mais ricos, quase duplicando na China em vinte anos, ao mesmo passo em que a proporção da riqueza com os 40% mais pobres caiu significativamente nos dois países.

No Brasil, o debate sobre privatizações e PPP frequentemente se reduz a posições de que o setor privado seria sempre superior (ou inferior) ao setor público. Pensar de forma mais cuidadosa o tema é importante para entendermos melhor em que mercados e para quais objetivos cada modo de organização da atividade econômica é mais benéfico, além de desenhar políticas públicas que mitiguem os potenciais efeitos adversos do modo escolhido.
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