O que pode ser discutido em sala de aula? Podcast conversa com especialistas sobre liberdade de cátedra

Produção da Faculdade de Direito da USP aborda o tema da liberdade de cátedra em episódios disponíveis na plataforma Spotify

 19/10/2023 - Publicado há 9 meses
Professores da Faculdade de Direito da USP e convidados conversam sobre liberdade de cátedra em podcast – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Aulas sobre temas sensíveis ou que abordam pesquisas polêmicas, censura imposta por governos ou convidados boicotados por alunos ou professores: essas são algumas questões relacionadas ao que é falado nas salas de aulas em todo o mundo. A chamada liberdade de cátedra, garantida pela Constituição Brasileira, assegura que ninguém será privado de direitos por motivo de convicção filosófica ou política e que é livre a expressão da atividade intelectual e científica. Mas quais são os parâmetros e limites dessa liberdade?

Para abordar esse tema, a Faculdade de Direito (FD) da USP lançou o podcast Liberdade de Cátedra, disponível na plataforma Spotify neste link, com dois episódios já publicados. “O desenho básico de cada episódio é ter um convidado externo e um docente da FD discutindo o tema”, explica Daniel Murata, pesquisador de pós-doutorado na Faculdade e pesquisador associado do Surrey Centre for Law and Philosophy, no Reino Unido, que organiza e produz o podcast, com apoio do diretor da FD, professor Celso Campilongo, e o seu supervisor de pós-doutorado, professor Ronaldo Macedo.

Daniel Murata, pós-doutorando da Faculdade de Direito da USP e produtor do podcast Liberdade de Cátedra – Foto: Arquivo pessoal

Murata, que também é apresentador do podcast, explica que a ideia da produção em áudio é trazer discussões mais aprofundadas sobre o tema. “A liberdade acadêmica é mal compreendida no Brasil, mas não só aqui. Em geral, ela é bastante atacada por políticos, usualmente mais conservadores, mas não apenas por eles. A busca por conhecimento tende a conflitar com agendas políticas ou econômicas e isso certamente incomoda”, diz.

O produtor também explica que a questão da liberdade de cátedra não é algo novo. “A depender do quão a sério levamos a narrativa platônica, é a mesma coisa desde a condenação de Sócrates. Baruch Spinoza foi banido da sinagoga por suas visões filosóficas sobre Deus no século XVII e Kant, um século depois, passou maus bocados por questões semelhantes.”

Para ele, falta muita teorização consistente sobre a liberdade acadêmica no Brasil, sobre suas relações com outros direitos e  sobre sua importância para a produção acadêmica de excelência. “Por exemplo, é um equívoco tratar a liberdade acadêmica como sinônimo de liberdade de expressão, em toda a sua extensão. Isso é algo que discutimos nos dois episódios da série. Tomando como ponto de partida o trabalho de Robert Post, um importante pensador americano sobre o tema, as duas liberdades – acadêmica e de expressão – possuem escopo bastante distinto. Em primeiro lugar, liberdade de expressão, por definição, implica que o Estado não pode determinar o conteúdo do discurso de alguém. Em segundo lugar, quando falamos de liberdade de expressão, ou melhor dizendo, do direito à tal liberdade, o Estado não pode discriminar entre as diversas opiniões na arena pública. Eu não tenho menos direito do que você em me expressar só porque você é mais esperto do que eu, por exemplo.”

História da liberdade acadêmica

O primeiro episódio do podcast reuniu o professor José Eduardo Faria, da FD, e a pesquisadora do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) Adriane Sanctis. Eles debateram o tema central tendo como eixo a história da liberdade acadêmica no Brasil e no mundo, sobre a relação entre academia e atividade política e as conexões entre liberdade acadêmica e liberdade de expressão.

Faria destacou que é preciso levar em consideração que a ideia de liberdade de cátedra está ligada a diferentes cursos e diferentes faculdades criadas depois que o Brasil se tornou independente. Começa com os cursos de Direito em 1827, somados à Escola Militar, no Rio de Janeiro, e à Escola de Medicina. “Mas a ideia de um ensino sistematizado, associado à pesquisa, vem na primeira metade do século 20, notadamente após a derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista, no golpe de Estado de Vargas e na tentativa de a elite paulista ascender ao poder, não mais militarmente ou politicamente, mas pelo conhecimento”, disse.

Para Adriane, é fundamental se aprofundar sobre a questão da liberdade acadêmica. De acordo com ela, há ainda bastante espaço para se discutir a questão e escrever sobre doutrina de liberdade acadêmica. “É bastante importante que a doutrina cresça. Precisamos olhar para modelos diversos e ver como eles se desenvolveram no Brasil, mas também é importante olhar para universidades em outros países que sofreram ataques à liberdade acadêmica em processo de declínio democrático”, assinala.

Confira o primeiro episódio no player abaixo:

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Liberdade acadêmica e liberdade de expressão

O segundo episódio do podcast trata dos fundamentos jurídicos e morais, da relação entre liberdade acadêmica e liberdade de expressão e de ameaças à liberdade acadêmica no Brasil e no mundo. Falaram sobre o tema os professores Ronaldo Porto Macedo Júnior, da área de Filosofia e Teoria Geral do Direito, e Claudio Fortunato Michelon Júnior, da Universidade de Edimburgo.

Sobre como o direito brasileiro atua e qual o papel do Superior Tribunal Federal (STF) nessa questão da liberdade de cátedra, Macedo Jr. ressaltou que é preciso abordar o direito básico. De acordo com ele, as funções mais importantes e mais recorrentes são aquelas de que o livre debate de ideias produza o resultado positivo, de que o livre mercado de ideias seja capaz de garantir o direito que cada qual tem de se expressar e o papel e importância que se tem na legitimação da autoridade política. “Ou seja, a possibilidade de cada um de participar diretamente da formação da opinião pública, que é o elemento central relacionado à maneira como as pessoas se autogovernam”, diz.

“Por que protegemos a liberdade de expressão na esfera política? Justamente porque é o momento em que cada um é livre para colocar a sua opinião no mundo das ideias”, acrescenta. O professor assinalou ainda a igualdade e neutralidade de conteúdo, abordando conceitos artísticos, religiosos e demais dentro da liberdade de expressão. “Esse é um direito fundamental, central, fundante da moralidade das comunidades político-democráticas contemporâneas”, afirma, para emendar que a liberdade acadêmica tem outra natureza, outra origem e outra função. Sendo instituições dedicadas à educação, notadamente de ensino superior, e que se voltam ao reconhecimento de que, para desempenhar suas funções, há necessidade que exista liberdade e pluralismo de ideias.

Por sua vez, Michelon Jr. destacou que a distinção entre a liberdade disciplinar e a liberdade de expressão é bem estabelecida também no mundo anglo-saxão. “Apesar de não haver uma previsão constitucional, há muita soft law sobre isso.” Citou como exemplo diferencial o direito de fala de acordo com a profissão estabelecida, como o fato de um acadêmico de Medicina negar o Holocausto, recorrendo à liberdade de expressão, o que não caberia a um professor de História. E acrescentou: “A liberdade acadêmica não é a liberdade de dizer qualquer coisa na academia”.

Daniel Murata, que conduziu o debate, trouxe à conversa o fato de o mundo assistir a diversos ataques contra a liberdade acadêmica. “Como exemplo, na Flórida (EUA), existe a discussão sobre o que pode ser discutido ou não em sala de aula; e o próprio governador do Estado já assinou legislação restritiva nesse sentido”, afirmou. Ele citou ainda incertezas na carreira acadêmica em outros estados americanos. E quanto ao Brasil, destacou que o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo identificou aproximadamente 35% de pessoas entrevistadas em uma pesquisa que declararam ter limitado certos aspectos de suas pesquisas com medo de alguma retaliação.

Clique no player abaixo para ouvir o segundo episódio:

Para acompanhar todos os episódios do podcast Liberdade de Cátedra acesse este link.

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Com informações da Assessoria de Imprensa da Faculdade de Direito da USP


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