Jovens homicidas e suicidas: ética e moral contemporâneas

Para autor, a moral é um “sistema de valores que se traduzem por princípios e regras cuja aplicação prática é considerada um dever”

 06/03/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 21/08/2018 as 17:05

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Ilustração: qimono via Pixabay
Imagem: qimono via Pixabay

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Uma proposta de discussão sobre o que é moral e o que é ética, introduzindo, para isso, fatos do mundo contemporâneo, tais como as cada vez mais frequentes chacinas, “triste marca dos tempos atuais”, é o que encontramos no artigo recém-publicado de Yves de La Taille, na Revista USP, em que esse autor parte da constatação de que jovens homicidas, quase todos, matam-se após cometerem uma chacina. O que motiva essa atitude extrema? O autor, ao longo de seu texto, fornece razões prováveis para isso, discutindo moral e ética, como mutuamente dependentes do ponto de vista psicológico, pois “um indivíduo somente agirá conforme princípios e regras morais (seja quais forem) se essas fizerem, para ele, sentido no plano ético”.

Para Yves de La Taille, a moral é um “sistema de valores que se traduzem por princípios e regras cuja aplicação prática é considerada um dever”. Nesse contexto, o autor formula uma importante questão ética: qual tipo de vida eu quero para mim?, como viver?, e uma importante questão moral: como devemos agir? Partindo de algumas características éticas e morais do mundo contemporâneo, o autor discute a “cultura da vaidade” e a “cultura do tédio”. Hoje, vivemos uma época de violência e desconfiança, “numa sociedade do medo, medo de outrem, mas também medo do desemprego […], medo da doença, medo dos acidentes, etc., e até mesmo o medo de não ter o medo certo…”, e ninguém confia mais nas instituições, com exceção da família e, até certo ponto, da escola.

Ilustração: Domínio público via Pixabay
Imagem: Domínio público via Pixabay

A população jovem, por sua vez, não confia nos adultos. Segundo as pesquisas do autor, o medo está em cada detalhe de nossa vida hoje, é um obstáculo para nos aproximar das pessoas, e o senso moral, por sua vez, é considerado como “valor decadente”, fato bem observado, hoje, nas relações de trabalho. Aqui o autor discute o viver dentro de uma “cultura da vaidade”, amparada por uma “sociedade do espetáculo”, em que a timidez, por exemplo, já é conhecida como “fobia social”, e os indivíduos se rendem às celebridades e ao consumo.
Na sociedade contemporânea, cultua-se o tédio, o vazio cultural, o sentimento existencial de perda de sentido. Sendo assim, quais seriam as consequências para a moralidade? E quem sente esse tédio existencial, será que acredita na moral e vivencia a mesma? Dessa maneira, o autor questiona: “Não será a moral, em uma ‘cultura do tédio’, um luxo?”.

20170216_02_eticaNa sociedade competitiva, que menospreza a moral e valoriza a vaidade, alguns indivíduos que se sentem perdedores, a sofrerem a dor da invisibilidade, do anonimato, acabam por negar o outro, o próximo, cometem crimes e, em seguida, suicidam-se. O autor alerta para o fato de, antes do crime, alguns jovens assassinos e suicidas postarem suas imagens na internet, “carregando as armas que usariam contra os outros e contra si próprios. Sabiam que seriam, finalmente, olhados…”. Em vista disso, Yves de La Taille conclui que uma educação moral abrange, sem dúvida, as discussões éticas, já que “falar em justiça, solidariedade, generosidade e outras virtudes (morais) sem ancorá-las na vida (ética) poderá ter parcos efeitos”.

Yves de La Taille é professor aposentado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e autor, dentre outras obras, de Moral e ética: Dimensões intelectuais e afetivas  e Formação ética: Do tédio ao respeito de si, ambas publicadas pela editora Artmed.
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LA TAILLE, Yves de. Moral e ética no mundo contemporâneo. Revista USP, São Paulo, n. 110, p. 29-42, jul./ago./set., 2016. Dossiê Ética e Sociedade. ISSN: 2316-9036. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i110p29-42. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/125319. Acesso em: 23 jan. 2017.
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Margareth Artur / Portal de Revistas da USP


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