Novas políticas públicas precisam de um olhar abrangente para solucionar a pobreza menstrual

Das 60 milhões de pessoas que menstruam no país, 15 milhões não têm acesso a produtos adequados de higiene menstrual, segundo relatório da UNICEF

 10/07/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 14/07/2023 as 13:49
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Foto: Agência Brasil
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Neste ano, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou um decreto que prevê a distribuição gratuita de absorventes para pessoas que menstruam por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto faz parte do Programa de Dignidade Menstrual e pretende atingir cerca de 8 milhões de pessoas, contemplando também a população transexual. Contando com um orçamento de 418 milhões de reais, a proposta tem como objetivo, além da garantia do acesso à produtos higiênicos, a promoção da equidade de gênero e o fim da pobreza menstrual. 

Mônica Maria de Jesus Silva, professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP e coordenadora do projeto “MenstruAção: educação em saúde para o enfrentamento da pobreza menstrual”, explica que a pobreza menstrual envolve barreiras sociais, culturais e políticas para o acesso das pessoas que menstruam aos produtos adequados para a higiene. 

Cenário atual 

É também interessante notar que a questão envolve o acesso à infraestrutura para os cuidados higiênicos básicos, como água encanada, rede de esgoto e banheiros com privacidade. “Por fim, a pobreza menstrual abrange ainda a falta de informações e de conhecimento a respeito do ciclo menstrual”, explica a especialista. Considerando esse cenário, desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) trata a temática como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. 

Mônica Maria de Jesus Silva. Arquivo pessoal

“No Brasil, o debate a respeito da pobreza menstrual é recente e historicamente negligenciado, assim, apesar da dignidade menstrual fazer parte da vida das pessoas com útero, esse debate ainda é silenciado assim como a própria menstruação ainda é na nossa sociedade”, declara Mônica. Assim, a professora explica que o apagamento da questão fez com a tramitação de políticas públicas se iniciasse no Brasil apenas em 2021 — com a organização de um Projeto de Lei, apesar da questão ser um problema historicamente observado no país.

Mônica adiciona ainda que é apenas em 2023 que acontece a criação de um programa ativo para a questão que tem como objetivo assegurar a oferta de absorventes pelo SUS com foco na população que vive abaixo da linha da pobreza.

Felizmente, com o crescimento do compromisso internacional para a promoção da dignidade menstrual, o tema vem ganhando maior visibilidade no debate público, contando ainda com atuação de atores importantes, como: os pesquisadores, a sociedade civil e o terceiro setor. Contudo, a professora reflete que o cenário da pobreza menstrual ainda é desolador no mundo, dessa forma, cerca de 12,8% das pessoas que menstruam vivem nessa situação. Além disso,  mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo não possuem acesso a um banheiro seguro. 

Brasil

Segundo relatório feito pelo Fundo de População das Nações Unidas junto ao UNICEF,  cerca de 321 mil meninas não possuem banheiros em condições de uso em suas escolas. Além disso, das 60 milhões de pessoas que menstruam no país, 15 milhões não têm acesso a produtos adequados de higiene menstrual, ou seja, uma em cada quatro pessoas não apresenta condições de obter absorventes higiênicos. 

“Quando falamos de infraestrutura, 17% das meninas de até 19 anos não apresentam acesso à rede geral de distribuição de água e 4 milhões de meninas frequentam escolas com privação de pelo menos um fator básico para a higiene”, adiciona Mônica.  Entre os diferentes fatores podemos encontrar a presença de água encanada, sabão para a higiene das mãos e do corpo, saneamento básico e um local para o descarte do produto menstrual utilizado.

A partir desses, dados, a especialista explica que a pobreza menstrual é um problema de ordem socioeconômica, de infraestrutura e de saúde pública que afeta meninas e mulheres cisgênero, meninos e homens transgênero e pessoas não binárias, apresentando maiores efeitos em pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, — tanto na área rural como na urbana — abrangendo também as pessoas em situação de rua, a população em privação de liberdade e pessoas refugiadas. 

“Na impossibilidade de adquirir os produtos adequados para a higiene menstrual estas pessoas buscam alternativas baratas, como por exemplo: a utilização de panos, jornais, papel higiênico ou miolo de pão para conter o sangue menstrual”.  Apesar das alternativas apresentadas serem baratas, Mônica reflete que elas podem trazer sérios danos tanto à saúde física como à saúde mental dos indivíduos.

Políticas públicas

É possível notar que, hoje, o Brasil apresenta algumas políticas públicas que demonstram que o país deu um pontapé inicial na busca por uma solução para a questão, mas é notório que ainda há um longo caminho a ser percorrido. A professora revela que “os atuais programas de enfrentamento da pobreza menstrual ainda encontram entraves para sua implementação e também para o seu amplo financiamento tanto na esfera estadual como na esfera federal”. 

Considerando que a falta de dignidade menstrual é um fenômeno multifatorial, é possível compreender que a melhora do cenário atual envolve medidas que devem tocar em diferentes aspectos da questão. “Nesse sentido, as novas políticas públicas necessitam de um olhar abrangente, que promova o acesso a itens de higiene menstrual, contudo, é necessário entender que essa é apenas a ponta do problema”, adiciona a especialista. 

Dessa forma, as políticas públicas devem atingir também na busca da educação menstrual, do acesso à informação, da garantia de um sistema de saúde de qualidade, da ampliação das redes de saneamento, do investimento nas escolas e na sua infraestrutura e da implementação de programas sociais que toquem na problemática. 

Para saber mais sobre a temática, acesse o instagram @projetomestruaçao_eerp_usp da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP.


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