No Brasil, direito ao aborto “é relativizado na prática”

Esse tipo de pressão não é feito sobre os homens. Ele pode, e é comum, não exercer a paternidade de forma alguma, e a sociedade não vai cobrar dele

 07/07/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 09/12/2024 às 15:27
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Luanna Tomaz de Souza diz :“Vivemos numa sociedade que trata a maternidade de forma compulsória, como se a mulher fosse obrigada a ser mãe” – Arte sobre ilustração Gerd Altmann/Pixabay
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Esta semana a Rádio USP dá início à série Mulheres e Justiça, que pretende trazer os problemas, as desigualdades e as múltiplas discriminações que têm marcado, historicamente, o acesso à justiça para as mulheres no País e nasceu do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas, coordenado pela professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. 

Fabiana Severi – Foto: Flickr

No primeiro episódio da série, o assunto é aborto legal. Fabiana esclarece que o aborto legal, termo usado pela medicina, é o procedimento de interrupção de gestação autorizado pela legislação brasileira e que deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “O Código Penal não exige para a realização do procedimento nenhum processo judicial ou boletim de ocorrência, sendo necessário apenas o comparecimento até o sistema de saúde e o serviço de aborto legal.”

A convidada para comentar o tema deste episódio é a professora Luanna Tomaz de Souza, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, que cita em que casos o aborto legal pode acontecer. “Nos casos de gravidez de risco à vida da gestante; de gravidez resultante de violência sexual e de anencefalia fetal. Mas, mesmo com essas previsões legais, o direito ao aborto legal parece ser relativizado na prática.” 

Luanna Tomaz de Souza – Foto: UFPA

Para Luanna, infelizmente muitas mulheres têm dificuldade de acessar esse direito porque no sistema de saúde muitos profissionais se ressentem de garantir esse direito, por temerem represálias ou por questões religiosas. Os hospitais também exigem a documentação judicial e quando buscam a justiça, acontecem outras dinâmicas de abuso, que podem configurar violência institucional. “Vivemos numa sociedade que trata a maternidade de forma compulsória, como se a mulher fosse obrigada a ser mãe, a seguir com a gestação e ter desejo de ser mãe e de exercer a maternagem. Se uma mulher decide não ter filhos, ela é questionada socialmente, assim como uma mulher que decide interromper uma gravidez. Esse tipo de pressão não é feito sobre os homens. Ele pode, e é comum, se divorciar e simplesmente nem visitar os filhos, não exercer a paternidade de forma alguma, e a sociedade não vai cobrar dele, porque entende que a responsabilidade em primeiro lugar é da mulher.” 

Iniciativa global

A série faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do Brasil, que tem como uma das coordenadoras a professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP.

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Iniciativa com participação da USP propõe reescrever decisões judiciais sob perspectiva feminista

O projeto reúne acadêmicas e juristas de diversos países do mundo que estão atuando em uma rede colaborativa e reescrevendo decisões judiciais a partir do olhar feminista. No Brasil, participam da iniciativa global Projetos de Julgamentos Feministas, a USP e outras 60 instituições brasileiras. A ideia, adianta a professora da USP, não é romper com as decisões originais, nem avaliar os julgamentos e questionar as condições que geraram a decisão original, mas refletir se diferentes resultados e argumentos são possíveis, dentro dos limites legais, e se as resoluções de casos podem ser diferentes conforme as interpretações dos juízes. “A ideia é considerar as decisões históricas, verificando se alguma coisa naquela decisão poderia ser diferente ao aplicarmos uma lente de gênero ou as abordagens metodológicas feministas”, esclarece. 

Para Mônica de Melo, defensora pública do Estado de São Paulo e professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), o projeto tem potencial de demonstrar a importância de se pensar criticamente o direito na ótica da igualdade de gênero.

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira - Apoio: Acadêmica Sabrina Sabrina Galvonas Leon - Faculdade de Direito (FD) da USP Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br

 


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