Tanque de guerra é linguagem

“Se a palavra não tem valor, posso dizer qualquer coisa. Tudo é narrativa”

 13/08/2021 - Publicado há 3 anos

Por Janice Theodoro da Silva

A fotografia símbolo do final da Segunda Guerra Mundial – Foto: Alfred Eisenstaedt/Reprodução/Wikimedia Commons

 

A tecnologia mudou o paradigma, ou seja, a janela para ler o mundo em que vivemos. Hoje, o celular é indispensável, companheiro certo das horas incertas.

A linguagem mudou de lugar: da escrita foi para a imagem.

É por meio da imagem que falamos com o Outro, nos comunicamos com pessoas, restaurantes, instituições, entre outras possibilidades geradas pelo mundo virtual. Há pouco tempo era necessário se deslocar para ir ao trabalho, à escola, ao supermercado… Agora o caminho é o celular, repleto de ícones visuais para facilitar a comunicação.

Ficou para trás o tempo de beijos e abraços reais, da escrita de mensagens e, mesmo, o tempo de escrever bilhetes em papel. Existia um lugar para o tato, para a escrita, para leituras. Imaginem, prazer na leitura do jornal de papel.

Atualmente, a oralidade e a escrita deixaram de ter espaço, foram substituídas por outro tipo de linguagem: as imagens digitais, memes, com suporte (às vezes) em cenas teatrais de curta duração. As cenas de impacto como fogos de artifício, vidros quebrados pelo barulho de aviões ou tropas na rua. Imagens necessárias para a realidade virtual parecer real. Essas imagens são os principais veículos de comunicação porque sugerem, para aqueles que olham no celular, ser verdadeiras e, ao mesmo tempo, prazerosas, similares aos jogos virtuais.

A política desgastou a palavra. Infelizmente a democracia sustentada pela palavra vem sofrendo muitos embates. Infelizmente, é fato que: palavras, discursos e promessas raramente se materializam em resultados visíveis e reais. Ocorreu um longo processo de separação entre a palavra e a coisa, doença da democracia.

Charge soviética (autor desconhecido) ironiza a ação de Hitler de enviar seus soldados para a morte certa – Foto: Reprodução

 

Existe, na atualidade, uma descrença na palavra. A descrença autorizou, de forma imperceptível, o uso “tranquilo” das fake news. Se a palavra não tem valor, posso dizer qualquer coisa. Tudo é narrativa.

Mas, na contrapartida, as imagens produzidas e visualizadas no mundo digital crescem em importância, e não precisam de muitas conexões cerebrais para serem decodificadas. Cito exemplos:

Força = tanque de guerra.

Ordem = farda, uniforme.

Poder = avião, navio, tanque (domínio do ar, da água e do mar).

Amo, à moda antiga, Machado de Assis, especialmente no O Alienista. Antigos e agradáveis hábitos de leitura. Faz tanto tempo. Gosto também de fotos antigas, da época em que ninguém perguntava se, de fato, era verdadeiro aquele beijo ou se era fake.

As fotografias tiradas no final da Segunda Guerra falavam muito. Especialmente quando o tema era a alegria de poder viver em paz, sem as ameaças dos tanques, das bombas e das mortes. A melhor imagem, o melhor símbolo, do final da guerra foi o beijo.

Creiam.

Resumo da ópera: imagens, imagens, imagens.

Janice Theodoro da Silva é professora titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP)


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.