Alex Flemming pinta a circularidade da vida e da morte

Com suas malas coloridas entre versos de Manoel Bandeira, Carlos Drummond e Vinicius de Moraes, o artista está de partida para o futuro na exposição Retroperspectiva, no MAC, que reflete 40 anos de sua trajetória

 16/08/2016 - Publicado há 8 anos
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Flemming: "A mostra é uma ode à vida" - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Alex Flemming: “A mostra é uma ode à vida” – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Quatro décadas de arte em busca do futuro - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Quatro décadas de arte em busca do futuro – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na mala laranja, Alex Flemming escreveu, com letras coloridas, o poema De tudo ficou um pouco, de Carlos Drummond de Andrade. É exatamente esse “pouco do medo, do asco, dos gritos gagos, da rosa, do silêncio e de tudo que fica um pouco” que a mostra Retroperspectiva sugere. Os paulistanos que vão ao Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP logo reconhecem o artista. Ao pintar, em 1998, os anônimos que vivem e trabalham em São Paulo nos painéis de vidro da Estação Sumaré do Metrô, ele passou a se integrar ao cotidiano. E ganhou uma intimidade visual com a gente da cidade.

Duas imagens dos personagens da estação estão expostas nos cavaletes de vidro (os mesmos desenhados por Lina Bo Bardi) e ficam logo na entrada do segundo andar. O artista escolheu os retratos de um homem e de uma mulher para recepcionar o público. “Fiquei muito feliz com essa obra porque as pessoas se identificaram nessas fotos”, conta. “Lembro que recebi uma carta de um sujeito me dizendo que estava satisfeito por tê-lo retratado. Só que a foto que ele assinalou era exatamente um autorretrato.”

Obras são autorreferenciais - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Obras são autorreferenciais, segundo Flemming – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Flemming ficou orgulhoso pela identificação. Mas a sua história tem um caminho singular na arte, embora transite pelas emoções de todos – sexo, medo, solidão, religiosidade, violência, tortura, paixões. O artista caminha na circularidade do espaço, do tempo, da vida e da morte. Mas há sempre um novo Flemming indo e voltando. “Esta exposição reúne 110 obras de várias séries. Mas, como bem diz o seu título, Retroperspectiva, apresento 40 anos de produção, mas na busca do novo e do futuro”, observa. “É uma ode ao corpo, ao sexo, ao suor e, da mesma maneira que a vida é vigor, tudo acaba no cemitério.”

Essa circularidade está clara sob a curadoria de Mayra Laudanna, professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. “Conheçi a Mayra há 20 anos em Berlim. A exposição nasceu da convivência e da pesquisa que ela foi desenvolvendo sobre o meu trabalho”, diz o artista.

Combinações diversas

A Faxineira
A Faxineira

Retroperspectiva traz uma narrativa do percurso e do processo de criação do artista. “A circularidade de conceitos também é de sua produção”, aponta Mayra Laudanna. “Natureza-Morta, série de fotogravuras do final do decênio de 1970, denuncia a tortura, a qual, metaforicamente, reaparece décadas depois no objeto intitulado Autorretrato em Auschwitz, agora como tormento do espírito. Tanto a série de gravuras feita a partir de fotografias como o objeto, este feito de sapatos unidos por um único cabo de aço, são autorretratos, pois, em Flemming, sendo arte vida, a arte é lugar que também pode encenar estados da alma.”

Como o próprio artista define, toda a sua obra é autorreferencial e autobiográfica. “Tudo o que você faz é autorretrato. A arte não tem piedade”, reflete. “Você ou faz bem ou não faz. Ou você faz pensando em deixar resíduos ou não faz. Eu quero ser um artista que represente o século 21.”

São os autorretratos que abrem a mostra e conduzem o visitante.

Auto-retrato dentário - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Autorretrato Dentário

Na série O Eu Só, o artista conta a sua história criando várias pinturas sobre superfícies não tradicionais. “Eu tinha acabado de me mudar para a Alemanha, pela segunda vez. Eram os anos 1990 e estava tudo muito difícil. Aí pintei todas as roupas que usei e suei no decorrer de dez anos. Pintei também o prato, a carteira que estava sem dinheiro. Acho importante o artista refletir sobre a sua própria trajetória. Faço questão de incorporar materiais e objetos que fazem parte da minha vida e ressignificá-los através da arte.”

O pensamento crítico do artista contra o capitalismo e os rumos da sociedade contemporânea está representado por um cemitério, onde as lápides são 60 computadores pintados de várias cores e com os nomes de seus donos. “É a morte da tecnologia e da civilização”, diz Flemming.

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Retroperspectiva, de Alex Flemming, pode ser vista até 11 de dezembro, de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Parque do Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254.


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