Questões como aborto, depressão pós-parto e abandono são dramas vividos também pela maternidade, e agora esses dramas são aprofundados na mostra Maldito Seja o Fruto, que o Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp) exibe até 29 de setembro, em sessões gratuitas de segunda a sexta-feira, na Cidade Universitária, e aos sábados e domingos, no Centro Universitário Maria Antonia, na Vila Buarque, região central da capital. São filmes e seriados que analisam os conflitos das mães através de narrativas que usam desde o extremo realismo à fantasia sobrenatural, incluindo dois debates. Segundo os curadores Davi Morales e Isabel Francesca de Almeida Blitler, a mostra traz diferentes problemáticas da maternidade. “É um novo olhar sobre a maternidade, sempre do ponto de vista da mãe, mas sem pré-julgamentos”, explica Morales.
A mostra traz a pré-estreia do paraibano Rebento (2018), primeiro filme do diretor André Morais, premiado no Diorama International Film Festival, em Nova Delhi, na Índia, e no Festival Internacional de Cinema Independente, em São Paulo, e integra a seleção oficial do 6º Festival de Cinema Latino-Americano de Caruaru (PE). Rodado no sertão da Paraíba, o filme conta a história de uma mulher que comete um crime contra seu filho recém-nascido e depois disso abandona casa e família, mostrando sua jornada e como ela lida com o luto pelo filho.
Entre os destaques da mostra está Sonata de Outono (França/Alemanha Ocidental/Suécia, 1978), única parceria do cineasta sueco Ingmar Bergman e da atriz, também sueca, Ingrid Bergman, que não tinham nenhum parentesco, apesar do mesmo sobrenome. O filme aborda o embate entre os desejos por uma vida profissional e o papel de mãe. O tema será objeto de um debate, que acontecerá no dia 16, às 19 horas, com a professora Marina Ribeiro, do Instituto de Psicologia da USP, discutindo a transmissão da feminilidade entre mãe e filha, ou, no caso, o que acontece nessa transmissão quando há ausência da mãe.
O segundo debate da mostra acontece à luz do filme Tully (Estados Unidos, 2018), de Jason Reitman, longa que aborda o estresse de uma mãe, mesmo em uma família considerada “normal” – com mãe, pai e filhos. A responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos fica exclusiva para a mulher (Charlize Theron), que está em sua terceira gravidez, e recebe a ajuda de uma babá (Mackenzie Davis) para cuidar das crianças durante a noite. A análise do filme acontece logo após a sessão, no dia 25, às 19 horas, com Rachele Ferrari, psicanalista e doutoranda em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, onde desenvolve a tese Sofrimento psíquico na experiência da maternidade.
A seleção inclui, em sua maioria, filmes dirigidos por mulheres. Exibidos em sequência, o curta Wasp (2003) e o longa Rua Arbor (2010) são dirigidos por duas inglesas, respectivamente Andrea Arnold e Clio Barnard. O primeiro é um drama que mostra as dificuldades de uma jovem mãe que vê sua juventude perdida bater na porta ao reencontrar um ex-namorado. Já o segundo é um documentário ensaístico sobre a trágica história da dramaturga inglesa Andrea Dunbar e sua família.
De Lynne Ramsay, a mostra apresenta Precisamos Falar sobre Kevin (Estados Unidos/Inglaterra, 2011). O filme mostra uma mãe, Eva, que coloca de lado sua carreira para dar à luz Kevin. “O relacionamento entre mãe e filho é difícil desde seus primeiros anos. Porém, após Kevin cometer um crime hediondo, Eva precisa lidar com um sentimento profundo de tristeza e responsabilidade, refletindo sobre a própria criação do filho e sua relação com o crime”, segundo a sinopse da produção.
Os direitos de escolha da mulher sobre sua gestação e de interrompê-la são o assunto do filme romeno 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), de Cristian Mungiu, uma odisseia situada nos anos 80, quando o aborto era passível de pena de morte. Ainda sobre a recusa da maternidade, o russo Ayka (2018), de Sergey Dvortsvoy, retrata o drama de uma imigrante ilegal que abandona o filho no hospital, mas mafiosos, a quem deve dinheiro, exigem que ela recupere o recém-nascido e o entregue a eles.
Os curadores ainda destacam a exibição de Prevenge (Reino Unido, 2016), de Alice Lowe, que também atua e roteiriza o filme, durante sua própria gravidez. O filme aborda, com o típico humor ácido britânico, a inferiorização sofrida pela gestante e o sentimento de ser mãe solteira. Tratada como incapaz por todos, a protagonista surpreende ao trilhar uma jornada de assassinatos, guiada pela suposta voz do filho em sua barriga.
Na mesma linha do sobrenatural, Hereditário (Brasil, 2018), de Ari Aaster, trata da criação abusiva e o transtorno causado aos filhos. A trama começa com a revelação de segredos logo após a morte da matriarca da família Graham, que durante a vida inteira foi reclusa. O filme cria um ambiente com trilha sonora e elementos narrativos que trazem o terror. “Através do sobrenatural, é possível criar diálogos sobre questões que preferimos ignorar na vida real”, afirma o curador Davi Morales, citando outros dois filmes presentes na mostra, O Bebê de Rosemary (Estados Unidos, 1969), de Roman Polanski, e Babadook (2014), primeiro filme escrito e dirigido pela australiana Jennifer Kent.
O público ainda pode conferir uma maratona da primeira temporada de The Handmaid’s tale (O Conto da Aia), dividida em dois dias. Baseada na obra de Margareth Atwood, a série acaba de encerrar a sua terceira temporada. O Cinusp exibe os dez episódios iniciais, oito deles dirigidos por mulheres. Alguns filmes, mesmo com imagens fortes, apresentam argumentos contundentes para criar indagações sobre a devoção, decisão e propósito da maternidade, buscando diferentes perspectivas sobre os objetivos individuais de vida dessas pessoas. Também será exibido o documentário da HBO Mamãe Morta e Querida, um caso de violência psicológica que fez a filha matar a mãe, chocando os Estados Unidos.
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A mostra Maldito Seja o Fruto, do Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp), começou no dia 31 de agosto e vai até 29 de setembro, com sessões de segunda a sexta-feira, às 16 e às 19 horas, no Cinusp (Rua do Anfiteatro, 181, Colmeias, favo 4, Cidade Universitária, em São Paulo), e aos sábados e domingos, às 18 e às 20 horas, no Centro Universitário Maria Antonia da USP (Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, em São Paulo). Entrada grátis. A programação completa da mostra está disponível neste link.