Técnica computacional usa rede social para monitorar enchentes

Objetivo é que, no futuro, sistema criado por pesquisadores da USP possa prever alagamentos e alertar moradores

 27/06/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 28/06/2018 as 19:54
Palavras relacionadas (à esquerda) e não relacionadas (à direita) encontradas com frequência na análise dos “tuítes”. Na comparação com o uso de sensores físicos, monitoramento humano ganha por ser feito de forma distribuída e com um custo baixíssimo – Foto: Divulgação/ICMC-USP

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O potencial das redes sociais vai muito além dos relacionamentos interpessoais. Entre outros usos, elas podem ajudar a monitorar e até mesmo prever catástrofes ambientais. Foi com esse propósito que uma equipe de cinco pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, criou uma técnica computacional capaz de entender como publicações no Twitter conseguem representar fenômenos naturais, no caso, chuvas e enchentes. Liderada pelo professor João Porto de Albuquerque, a equipe tem como principal objetivo amplificar as áreas de monitoramento, para, no futuro, conseguir prever acidentes.

Durante as pesquisas, foram analisados quase 16 milhões de “tuítes” – o que permitiu descobrir que esse tipo de análise de dados pode ser usado como método de prevenção e melhorar os sistemas de alertas já existentes, como é o caso das notificações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Climatempo.

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Monitorar dados de publicações do Twitter é vantajoso se comparado à utilização dos dados de sensores físicos – Foto: Divulgação


As análises de dados foram feitas em dois momentos, em relação à cidade de São Paulo. Inicialmente, houve a publicação de um artigo científico que analisava tuítes referentes ao mês de janeiro de 2016. Em um segundo artigo, foi analisado o mesmo período acrescido de informações de novembro do mesmo ano até fevereiro de 2017.

De acordo com Sidgley Camargo de Andrade, doutorando do ICMC e um dos pesquisadores do projeto, o monitoramento das chuvas é feito por pluviômetros, radares meteorológicos e satélites. Por serem de alto custo, esses instrumentos possuem limitações em sua cobertura espacial. Além disso, a manutenção desses sensores físicos tem de ser regular. “Hoje existem cerca de cinco mil desses sensores no Brasil. Em São Carlos, existem três, mas só um funciona. Se chover forte em alguns desses pontos onde os sensores estão quebrados, não há informação a ser registrada. Então, é vantajoso monitorar dados de publicações do Twitter”, esclarece Andrade. Ele também explica que as pessoas publicam de vários lugares, portanto, o monitoramento humano é feito de forma distribuída – e tudo isso com um custo baixíssimo.

Um dos desafios do projeto é encontrar uma correlação de dados entre os sensores físicos e os sensores humanos, já que eles são estimulados de formas diferentes. Ou seja, a principal dificuldade é conseguir transformar os dados qualitativos de um tuíte em dados quantitativos – para isso, os pesquisadores tiveram que criar critérios de avaliação. Um dos critérios utilizados é a frequência de palavras-chaves como chuva e tempestade. Um outro critério são as ponderações de regiões. Ou seja, notou-se que regiões centrais “tuitavam” mais do que regiões periféricas, o que aumentava o volume de dados.

Cidade de São Paulo durante o período analisado. Tweets relacionados às chuvas identificados com pontos pretos, pluviômetros com triângulos azuis e a bacia de Aricanduva sombreada em cinza – Foto: Divulgação/ ICMC-USP

Com os estudos dessa relação entres os dados dos sensores, foi possível descobrir também que existe um tempo de reação de ambos em relação ao fenômeno, que pode variar de 10 minutos antes do acontecimento até 10 minutos depois. “As pessoas costumam publicar suas expectativas em relação ao clima, então, elas podem postar que o tempo está fechando, por exemplo, e esse mecanismo ajuda a identificar possíveis indícios de que algo vai acontecer”, explica Andrade.

Por que o Twitter?

De acordo com os autores, o Twitter é a melhor rede social para esse tipo de análise. Segundo eles, a coleta de dados da rede é mais simples do que a do Facebook, por exemplo. A principal função do Twitter é publicar mensagens curtas, o que facilita esse recolhimento de informações. Além disso, a rede possibilita que as contas de outras redes sociais sejam sincronizadas e essa ferramenta não é possível no Facebook.

Reconhecimento

O estudo é fruto da colaboração multidisciplinar de cinco pesquisadores. Além do professor João Porto e Sidgley Andrade, a pesquisa foi realizada por Camilo Restrepo Estrada, doutorando da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), Alexandre Delbem, professor do ICMC, e por Eduardo Mario Mendiondo, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Saneamento da EESC.

O estudo começou a ser desenvolvido há cinco anos dentro de um projeto maior, chamado Ágora, que também é coordenado pelo professor João Porto, com foco em pesquisas e soluções tecnológicas para o suporte às comunidades vulneráveis na construção de propostas contra desastres naturais e eventos extremos. O primeiro artigo resultante do estudo foi publicado no início de 2017, pela Conferência Internacional Anual de Ciência da Informação Geográfica, e teve como tema a análise temporal das mensagens. Este ano, um segundo artigo foi publicado na renomada revista científica Computers and Geosciences, explorando o uso das mensagens para alimentar modelos de monitoramento e previsão de inundações.

Atualmente, João Porto é professor visitante no grupo de Geoinformática do Instituto de Geografia da Universität Heidelberg, na Alemanha, e está afastado do ICMC – Foto: Divulgação/ICMC-USP

O sucesso das pesquisas foi tanto que já se solidificou em um projeto de larga escala. Os resultados desses dois artigos serão utilizados em um novo projeto de pesquisa internacional chamado Waterproofing Data, que tem como objetivo desenvolver métodos práticos para o engajamento de comunidades ameaçadas por enchentes em São Paulo e também no Acre, em parceria com o Cemaden. Isso quer dizer que as atividades de monitoramento e alertas de desastres naturais, que são realizadas em regime contínuo no Cemaden, serão integradas às informações disponíveis de tempo e clima para as áreas de risco de ocorrência de desastres, no caso, São Paulo e Acre. A partir da análise desses dados, será feita uma avaliação para emissão de alertas.

O novo projeto, também sob coordenação do professor João Porto, recebeu um financiamento de cerca de um milhão de euros do Belmont Forum, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Economics and Social Science Research Council (ESRC) do Reino Unido, que envolve a University of Warwick (Reino Unido).

A pesquisa será realizada em parceria pelo ICMC, Heidelberg University (Alemanha), Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) além das seguintes organizações: Cemaden, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), British Geological Survey (BGS), Prefeitura de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Acre e cidade de Eberbach, na Alemanha.

Mais informações: no site do projeto Agora

Talissa Fávero / Assessoria de Comunicação do ICMC


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