Vida pode ter deixado “autógrafos” em Marte – e essa física quer encontrá-los

Pesquisadora pretende descobrir em missões espaciais moléculas que forneçam indícios da presença de vida no planeta

 04/07/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 25/07/2018 as 12:12

 

Imagem de gelo polar no planeta Marte – Foto: Divulgação / IFSC

Detectar evidências da existência de vida – passada ou presente – no planeta Marte por meio de futuras missões espaciais é o objetivo do projeto apresentado pela pesquisadora Maria Fernanda Cerini no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. A ideia é aproveitar as missões para tentar encontrar bioassinaturas moleculares, que são rastros ou vestígios da presença de vida que se apresentam na forma de moléculas. As moléculas encontradas na exploração de Marte serão analisadas com a técnica de caracterização espectroscópica, ou seja, por meio da interação com a luz serão obtidas informações sobre sua composição, as quais ajudarão a identificar as bioassinaturas.

O projeto Simulações ambientais e caracterização espectroscópica in situ de potenciais bioassinaturas moleculares para aplicação em missões espaciais utiliza princípios de astrobiologia. “Os astrobiólogos estudam a origem dos elementos e a formação das moléculas, e investigam os mecanismos e condições que levaram ao surgimento da vida no nosso planeta, considerando diversos fenômenos do Universo, como, por exemplo, raios cósmicos e radiação estelar, bem como cometas e asteroides colidindo com a Terra e enriquecendo-a com novas matérias-primas”, aponta Maria Fernanda. “Este projeto está mais focado na distribuição da vida no Universo, questionando se houve (ou se ainda há) vida fora de nosso planeta.”

Imagem do Cube Sat, que será utilizado em missões de exploração da superfície lunar – Foto: Divulgação / IFSC

O primeiro desafio que Maria Fernanda aponta é como procurar essa vida que, se existiu, deixou rastros – as designadas “bioassinaturas”. “Bioassinaturas são marcas ou evidências da presença de vida, passada ou presente, e elas podem se apresentar de diversas formas, como, por exemplo, através de fósseis, isótopos, moléculas ou até fenômenos”, afirma a pesquisadora.

O projeto de pesquisa tem como meta a descoberta de evidências moleculares, ou bioassinaturas moleculares, utilizando caracterização espectroscópica das mesmas – na qual a interação da luz com a matéria fornece informações sobre sua natureza. O limite espacial para desencadear as buscas denominadas in situ (= no lugar) – em oposição a buscas remotas (feitas com telescópios e satélites) – se resume aos planetas, cometas e outros corpos celestes que se encontram no nosso sistema solar, pois requerem o envio de sondas até a superfície desses corpos. E a escolha recaiu sobre o planeta Marte.

Marte

“Optei por Marte porque, além de ser um dos planetas vizinhos da Terra, ele tem o potencial de ter abrigado vida e de preservar seus resquícios”, explica Maria Fernanda. “A intenção de minha pesquisa é definir quais biomoléculas poderiam ser sinais de vida, auxiliar na escolha dos equipamentos de uma sonda e do seu local de pouso em Marte, onde será feita uma série de leituras espectroscópicas buscando as bioassinaturas.”

Já ocorreram diversas missões espaciais para exploração da superfície marciana, tanto remotas quanto através de sondas, como, por exemplo, a Viking, a Pathfinder e hoje a Curiosity. Tais missões já apontaram a presença de água congelada em sua superfície e evidências de que Marte já foi mais quente e coberto de oceanos de água líquida, pela presença de marcas de erosão, como canais e cânions, e de argilas (formadas por interação de rochas com água).
Tudo isso se conjuga para que, possivelmente, tenha existido vida em Marte, pois acredita-se que essas condições facilitam o surgimento e evolução da vida e a preservação de bioassinaturas.

Câmara de simulação espacial e planetária utilizada em pesquisas de astrobiologia – Foto: Divulgação / IFSC

Contudo, a discussão entre pesquisadores sobre a vida extraterrestre não é pacífica, já que alguns deles pensam no assunto fora do entendimento e dos conceitos da vida terrestre, que, como sabemos, é baseada em química orgânica (moléculas compostas principalmente por carbono, hidrogênio e oxigênio). “Pode haver vida baseada em silício?” – questiona Maria Fernanda, que imediatamente argumenta, respondendo à própria questão: “Pode ser que sim, mas hoje em dia já temos evidências da existência de moléculas orgânicas espalhadas por todo o lado, inclusive pelo espaço sideral, como comprovam inúmeras observações astronômicas. Temos meteoritos que caíram no nosso planeta e eles continham, por exemplo, aminoácidos”, sublinha a pesquisadora.

Pesquisadora Maria Fernanda Cerini, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, que elaborou o projeto – Foto: Divulgação / IFSC

Além de pensar em missões espaciais para pouso em Marte, o projeto de Maria Fernanda Cerini compreende ainda outras formas de dar suporte à prospecção de vida extraterrestre, como, por exemplo, realizando experimentos na estratosfera, um ambiente acessível e análogo a Marte por ter baixas temperaturas, pressões e umidade, e alta taxa de radiação. Em uma parceria com o Grupo Zenith, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP), seu grupo de pesquisa envia sondas a bordo de balões de alta altitude que permitem testar a resistência da vida e de suas bioassinaturas em ambientes extremos (expondo microrganismos terrestres e biomoléculas a essas condições). Ela participou dos projetos Garatéa I e Garatéa II, semelhantes ao projeto mais recente, Garatéa III, lançado em abril último.

Além disso, uma grande perspectiva da pesquisadora é lançar seus experimentos no espaço profundo, a bordo dos chamados “CubeSats” – pequenos satélites com forma de cubos de 10 centímetros –, para a mesma finalidade.

Maria Fernanda Cerini tem 26 anos, fez graduação em Química na Universidade de Campinas (Unicamp), realizou um intercâmbio acadêmico no Reino Unido e fez seu mestrado em Física Biomolecular no IFSC, no âmbito do projeto de pesquisa em Astrobiologia no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

Rui Sintra / Assessoria de Comunicação do IFSC


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