No último mês de junho, Marcos Rogério Martins Costa — doutorando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, apresentou seu trabalho em uma conferência da Unesco na Association Française de Sémiotique, em Paris. O objeto de seus estudos é a abordagem midiática das manifestações nacionais ocorridas nos anos de 2013 e 2015, respectivamente contra o aumento das tarifas e a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Segundo o pesquisador, partindo-se de um ponto de vista semiótico, tais fenômenos possibilitam explicar muito sobre a situação política atual. E, no entanto, ainda não foram suficientemente analisados.
“Estudos sobre a Jornada de Junho [manifestações de 2013] e os protestos de 2015 são construídos de maneira muito concreta em áreas como a filosofia, sociologia e ciências políticas. Pesquisadores vão às manifestações, elaboram estatísticas, fazem trabalhos de campo, colhem relatos de cidadãos. Esse tipo de pesquisa é muito interessante, entretanto poucos são aqueles que analisam a forma como a mídia interpretou tais fatos e colocou-os em forma de texto”, explica Costa.
Na opinião do doutorando, a imprensa é uma instituição que possui interesses — podem ser eles comerciais, políticos ou até mesmo o posicionamento discursivo do repórter do jornal. Ademais, grande parte dos brasileiros procura informações em veículos já consolidados, fato que sustenta a ideia da sociedade entender e interpretar fenômenos como as manifestações a partir da visão preestabelecida pela mídia.
Mesmo com tema de tamanha importância, a pesquisa de Marcos Costa é a única em seu departamento a estudar os movimentos utilizando como base a semiótica da Escola de Paris — vertente teórica responsável pela interpretação referente à organização do sentido em diversos textos. Para análise, o pesquisador utilizou conteúdos publicados por O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Mídia Ninja.
“O Estado e a Folha são jornais de grande tiragem e muitos leitores. Já a Mídia Ninja tem papel fundamental na divulgação de imagens referentes à truculência policial, normalmente, não exibidas à primeira vista pelos jornais da grande mídia”, explica.
Analisando textos das duas maiores mobilizações dos últimos tempos, foi possível perceber uma referência entre reportagens construídas em ambos os períodos. “O mais interessante de tudo isso é que matérias em 2013 não utilizavam o modus estabelecido anteriormente para se reportar manifestações de rua. Tentou-se criar uma nova forma, que acabou por não alcançar os leitores inicialmente”, comenta. “Pouco a pouco, foi se reformulando a maneira como se transcrevia o fenômeno, testando o público para descobrir qual o modo mais adequado de falar sobre as reivindicações.”
Seguindo a pesquisa, quando chegam os Protestos de Março, a grande mídia já possui a experiência adquirida em junho de 2013 — algo que facilita na formulação dos discursos e no alcance de metas discursivas. Com isso, muda também a Mídia Ninja, criando um movimento muito mais amplo, com muito mais aderência. Os três veículos comparados modificaram-se na passagem de 2013 a 2015. A hipótese fomenta um diferencial no modo de se produzir e se consumir informação a partir da Jornada de Junho, fato não suficientemente estudado até o momento.
Ou nós voltamos para o passado para reformular o futuro ou ficamos estagnados neste presente.
“Por que está ocorrendo esta reformulação política no Brasil? Porque a Jornada de Junho foi o estopim de algo novo, e isto está borbulhando agora, no ano de 2017. Não sabemos o motivo por não termos estudado de maneira correta o que se passou em 2013. Ou nós voltamos para o passado para reformular o futuro ou ficamos estagnados neste presente.”
Apresentação em Paris
Em homenagem ao centenário de nascimento do fundador da semiótica francesa, Algirdas Julien Greimas, a Unesco organizou uma conferência na Association Française de Sémiotique, em Paris. Durante o evento, diversos doutores e especialistas na ciência, entre eles, Marcos Rogério Martins Costa, apresentaram seus estudos aos maiores mestres da disciplina.