“Órgão-em-chip” é opção para substituir experimentação animal em estudos científicos

Dispositivos feitos com materiais simples reproduzem padrões fisiológicos de órgãos e tecidos para ensaios toxicológicos

 24/10/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 26/10/2016 as 9:10
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Com materiais simples e de fácil obtenção, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP desenvolveram “órgãos-em-chip”, dispositivos que imitam sistemas biológicos, como tecidos e órgãos do corpo, para realizar ensaios toxicológicos. Em trabalho de doutorado, o pesquisador Paulo Carneiro Leão, em conjunto com pós-doutoranda Ana Carolina Urbaczek, criou um ambiente similar aos vasos sanguíneos com transparências de poliéster e toner de impressora para cultivar células humanas e estudar os efeitos das nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2), usadas em protetores solares e cosméticos. Os “órgãos-em-chip” são uma alternativa para substituir animais em pesquisas científicas.

Modelo do dispositivo que reproduz os vasos sanguíneos do corpo humano - Foto: Cedida pelo pesquisador
Modelo do dispositivo que reproduz os vasos sanguíneos do corpo humano – Foto: Cedida pelo pesquisador

“A pesquisa demonstra a possibilidade de confecção de chips biomiméticos com materiais baratos e facilmente encontrados em laboratórios e escritórios, permitindo que essa tecnologia seja disponibilizada a laboratórios que dispõem de poucos recursos”, afirma Carneiro Leão. “Como o dispositivo é um modelo reducionista de sistemas biológicos, padrões fisiológicos de órgãos, tecidos e suas interações podem ser mimetizados a partir da convergência de técnicas utilizadas na indústria de microeletrônicos com a microfluídica e a biologia celular.” O estudo foi orientado pelo professor Emanuel Carrilho, do IQSC.

“Órgãos-em-chip” são dispositivos que visam à mimetização de padrões fisiológicos de órgãos, tecidos e suas interações. “Desse modo, é possível alcançar resultados com menor variabilidade, em menor tempo e com custos reduzidos, quando comparados ao uso de animais em pesquisa”, conta o pesquisador. “Eles podem ser confeccionados em diversos materiais. Tipicamente, utilizam-se materiais poliméricos, como o polidimetilsiloxano [PDMS], um elastômero à base de silicone, acrílico ou, até mesmo, vidro”.

Atualmente, as nanopartículas de TiO2 estão presentes em uma variedade de produtos de uso cotidiano, como protetores solares e cosméticos. “Sua contribuição a mecanismos de citoxicidade ainda é desconhecida, mas sabe-se que a exposição às nanopartículas por longos períodos pode trazer alguns riscos à saúde, pois estão associadas a mecanismos de estresse oxidativo, o que torna necessário o estudo dos efeitos biológicos”, afirma Carneiro Leão. “Conforme relatado na literatura científica, é bem conhecido que nanopartículas podem ser mais tóxicas do que partículas maiores do mesmo material, haja vista a sua maior área de superfície, reatividade química e maior capacidade de penetração.”

Canais micrométricos

A pesquisa utilizou transparências de poliéster, usadas em apresentações de aulas e palestras, e toner de impressão, para produzir o dispositivo. “Ele é fabricado pela impressão direta de padrões característicos, por meio de uma impressora a laser, nas transparências”, relata o pesquisador. “Os padrões formam uma rede de canais micrométricos, onde são cultivadas células sob condições semelhantes àquelas encontradas no corpo humano. Líquidos com nutrientes que sustentam o cultivo celular fluem através desses canais.”

Diagrama mostra os filmes de poliéster usados na produção do dispositivo - Ilustração: Cedida pelo pesquisador
Diagrama mostra os filmes de poliéster usados na produção do dispositivo – Ilustração: Cedida pelo pesquisador

O estudo empregou células endoteliais de veia de cordão umbilical humano, mimetizando um vaso sanguíneo. “Recria-se, então, o contexto biológico que as células experimentam no corpo, por meio de um controle preciso da mesma escala em que as células normalmente residem, micrométrica ou manométrica, forças mecânicas, gradientes químicos e interações célula-célula e célula-matriz”, diz o pesquisador. “As células foram cultivadas e providas de condições para sua sobrevivência com o auxílio de um sistema de perfusão externo, que serviu para a sua operação fluídica e também para simular forças hemodinâmicas sob o cultivo de células.”

De acordo com Carneiro Leão, diversas pesquisas têm se beneficiado com os “órgãos-em-chip”. Entre elas, estão as que visam à elucidação de mecanismos biológicos para uma melhor compreensão de doenças, descoberta de novos fármacos e ensaios toxicológicos.

“O nível de informações fisiológicas obtidas com os ‘órgãos-em-chip’ é mais fidedigno do que aquele que se dá por experimentação animal, sendo mais relevante e efetivo para a compreensão e melhoria da saúde humana”, destaca. “E além das questões éticas, a utilização de animais em pesquisa também constitui um fator econômico, pois animais precisam ser acondicionados em locais especiais, alimentados e mantidos sob condições de higiene e saúde.”

Mais informações: paulocleao@gmail.com, com Paulo Carneiro Leão


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