O ICB5 USP nasce, sem dúvida, impregnado pelo DNA do maior parasitologista brasileiro, professor Samuel Bransley Pessoa, médico, parasitologista e diretor da Faculdade de Medicina da USP em meados de século passado. Foi responsável pela formação da mais seleta casta de parasitologistas brasileiros, muitos ainda em atividade. Um homem para quem as doenças (em geral parasitoses) deixavam de ser apenas um helminto e tomavam conotações socioeconômicas e ambientais. Visitou os mais distantes recônditos destes Brasis e expôs as mazelas aos futuros profissionais de saúde.
Este espírito irrequieto e curioso, que forja os verdadeiros cientistas, contaminou seus seguidores, entre eles os docentes Luiz Hildebrando Pereira da Silva (falecido em 2014) e o Erney Camargo, Professor Emérito da USP. Daí veio a ideia visionária de perscrutar a malária que corroía os alicerces das novas fronteiras brasileiras de ocupação ao norte, mais especificamente Rondônia. Queria-se compreender melhor a epidemiologia e imunologia desta terrível endemia no Brasil, aspectos ainda obscuros por estes sertões.
Com a intenção de implementar um projeto de pesquisa para explorar melhor esses aspectos da parasitose, os professores conseguiram recursos da OMS, apoio do governo de Rondônia e a contratação de dois jovens médicos para se instalarem em Rondônia por dois anos a partir de 1990 para se executar o projeto. Um destes médicos é o prof. dr. Marcelo Urbano Ferreira (Depto. de Parasitologia/ICB2/USP) e outro, o prof. dr. Luís Marcelo A. Camargo (ICB5/USP, egresso do Depto. de Parasitologia). A missão dos médicos era, em dois anos, colher amostras de sangue de pacientes com e sem malária, examiná-las e capturar os mosquitos transmissores para análises laboratoriais em São Paulo. Finda a missão, que levou três anos, o professor Urbano retornou a São Paulo, sua terra de origem, como sugere o nome, e Camargo teve a oportunidade oferecida pelo Departamento de Parasitologia de permanecer em Rondônia, pois as doenças endêmicas andavam em baixa em São Paulo e era de interesse para o departamento ter uma pessoa mais próxima dessas parasitoses, visando a pesquisas científicas.
Inicialmente, ainda sob a égide do Departamento de Parasitologia, a USP formalizou convênio com o governo de Rondônia (sr. Jerônimo Santana) e passou a assessorar o governo local na estruturação e implantação do Hemocentro, Hospital de Medicina Tropical, Centro de Pesquisas em Medicina Tropical e Ambulatório Especializado em Hepatites, além de auxiliar o Estado na estruturação de vários projetos em parceria com a ONU, Banco Mundial e OMS que visavam à ordenação e organização de serviços de saúde, ocupação do território e assistência aos povos indígenas, entre outros.
Em 1997, com a chegada do recém-aposentado professor Luiz Hildebrando a Rondônia (Porto Velho), Camargo, com anuência do então Departamento de Parasitologia, “migrou” para a distante Monte Negro (250 km da capital, boa parte por terra) com o objetivo de auxiliar a prefeitura local a montar um “modelo amazônico” de atenção e promoção da saúde. Nas horas vagas, o professor, impregnado com o DNA de seu velho mentor, passou a estudar outras endemias como micoses sistêmicas, leishmaniose tegumentar, hanseníase, carrapatos (e suas doenças), “barbeiros”, mosquitos e mais recentemente o processo de envelhecimento da população.
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O ICB5 USP nasce, sem dúvida, impregnado pelo DNA do maior parasitologista brasileiro, professor Samuel Bransley Pessoa, médico, parasitologista e diretor da Faculdade de Medicina da USP em meados de século passado.
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Nada disto se fez sem a ampliação da infraestrutura e o importante investimento da Fapesp, CNPq, OMS e Finep. Sensibilizados com a iniciativa, com a vinda regular de alunos e pelas publicações científicas, a partir de 2001 o professor Henrique Krieger, então diretor do ICB/USP, com apoio dos sucessivos reitores e diretores do ICB e do chefe de Departamento de Parasitologia, Alejandro Katzin, estabeleceu de fato o embrião do ICB5/USP em Monte Negro. Inicialmente a estrutura era modesta: um prédio simples de 100 m2 sem muitos aparelhos e sem alta tecnologia. Em seguida, foi comprado um terreno e expandiu-se a estrutura: um terreno de 750 m2 e o prédio em madeira de uma antiga serraria. Aos poucos construiu-se um laboratório de pesquisa, um laboratório de análises clínicas, um auditório e dez consultórios para atendimento da população e realização de pesquisas. Em terreno ao lado, construiu-se alojamento para 40 pessoas para receber alunos e pesquisadores. Formalmente, o ICB5/USP nasceu de fato apenas em 2015.
Atualmente o ICB5/USP, além de ensino e pesquisa, atende 200 pacientes/semana pelo SUS nas áreas de Oftalmologia Básica (com apoio da Unifesp), Geriatria, Hipertensão e Diabetes, Doenças Infectocontagiosas, Saúde da Mulher e Saúde da Criança. Duas vezes ao ano recebe os colegas da FOB/USP e presta assistência odontológica e fonoaudiológica gratuita à população. São 300 a 400 estagiários/ano das áreas de medicina, enfermagem, biomedicina e biologia. Este engendramento de ensino e assistência à saúde levou em 2016 a oito publicações científicas em revistas indexadas e à orientação de vários alunos de iniciação científica e de pós-graduação.
Atualmente o ICB5/USP compõe a direção do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Epidemiologia da Amazônia (EpiAmo), o único da Amazônia que atua na área de saúde humana, e tem por objetivo principal entender melhor essa complexa paisagem nosológica da Amazônia, onde caminham de braços dados as antigas doenças infectoparasitárias e as recentes doenças crônicas não transmissíveis como: câncer, hipertensão arterial, dislipidemias, diabetes e doenças crônicas do pulmão. Afinal, a população envelheceu… Qual seria a impressão do professor Pessoa neste contexto? Será que ele já havia imaginado este cenário caótico, surreal? Com seu brilhantismo, com certeza ele já sabia. Apenas não nos contou esse segredo… Deixou-nos este desafio. Resta, como fiéis homens da ciência, envolvermo-nos com este novo dilema.