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Um encontro de geógrafos, ambientalistas e pesquisadores para discutir a devastação, as queimadas, o aquecimento global, a poluição hídrica e dos solos, entre outros impactos causados pela atividade humana. Na busca de soluções dos problemas do Brasil e do planeta, os pesquisadores apresentam o legado de Aziz Ab’Sáber, cientista e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Com esse debate, aberto gratuitamente para todos, os pesquisadores homenageiam o centenário do mestre. E apresentam suas pesquisas na 8ª Semana Aziz Ab’Sáber, evento que acontece entre 21 e 24 de outubro, na cidade de São Luiz do Paraitinga (SP), onde o mestre nasceu no dia 24 de outubro de 1924.
“O centenário de nascimento do professor Aziz Ab’Sáber é uma oportunidade muito importante para que nós, por meio da retomada, da recuperação da releitura da sua contribuição científica, e diria também política, possamos refletir sobre o cenário que estamos enfrentando hoje no Brasil e no mundo”, observa Wagner Costa Ribeiro, geógrafo e coordenador da USP na 8ª Semana Aziz Ab’Sáber. “O professor sempre esteve presente em debates como esse, divulgando estudos, pesquisas envolvendo variações climáticas, modelagem do relevo brasileiro, modelos de zoneamento ecológico, econômico e programas importantes como o Floram, que são contribuições científicas que podemos e devemos revisitar.”
“Através do estudo e da referência do seu legado, é possível propor medidas que atenuem o quadro de emergência climática que estamos enfrentando”
Entre os diversos projetos do legado do mestre, Ribeiro destaca o Floram, apresentado há 36 anos, que surgiu em um núcleo formado no Instituto de Estudos Avançados da USP. A meta era, segundo escreveu Aziz Ab’Saber, na época, “deslanchar um processo de florestamento e reflorestamento de grandes dimensões para sequestrar parte do excesso de gás carbônico (115 bilhões de toneladas) introduzido na atmosfera pelas diversas fases da revolução industrial e por queimadas de grandes dimensões para a implantação de agroecossistemas. Uma estratégia para sequestrar os materiais acumulados na atmosfera terrestre, que ameaçam toda a humanidade devido à progressão do efeito estufa.”
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Segundo Ribeiro, o projeto Floram continua muito atual e teve a participação dos professores Jacques Marcovitch, José Goldemberg, Leopold Rodés e Werner Zulauf. “Aplicá-lo hoje seria muito interessante porque visa restaurar áreas naturais e recuperar a vegetação, o que seria muito importante para reter carbono, ajudando a combater as mudanças climáticas, e também o próprio aproveitamento econômico”, observa. “É algo que estamos assistindo com muita força na Europa. Vários países estão abandonando as construções em alvenaria e retomando a construção a partir da madeira engenheirada na construção civil, que é trabalhada para resistir às condições climáticas e com isso diminuir a pegada do carbono na construção de uma casa. Em vez de usar o método tradicional, ou seja, concreto armado, cimento, areia, hoje se está usando madeira engenheirada. E, na USP, estamos montando dois espaços de vivência com essa metodologia.”
Ribeiro acredita que os eventos em homenagem ao centenário de Aziz Ab’Sáber podem resgatar projetos como o Floram, que apontam um caminho importante. “Através do estudo e da referência do seu legado, é possível propor medidas que atenuem o quadro de emergência climática que estamos enfrentando, por meio, principalmente, da recuperação e restauração de áreas degradadas.” O professor, geógrafo e atual vice-prefeito do campus Butantã da USP defende que os estudos de Ab’Sáber são referência para a recuperação de biomas como a Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pampa, Pantanal e Mata Atlântica. “São áreas e biomas que o geógrafo percorreu e estudou muito. As pesquisas que registrou nos permitem revisitar essas áreas e propor ações imediatas para que possamos restaurar a vegetação dessas áreas e, com isso, amenizar os efeitos das mudanças climáticas.”
“Agora é hora de unir forças e tentar reconstruir o que é possível para minimizar o tamanho da tragédia”
João Rafael Cursino, cidadão luizense e doutor pela USP em História Social, participa da programação com o tema Aziz Ab’Sáber: inspiração para o enfrentamento dos desafios climáticos da contemporaneidade. Comenta: “Por diversas vezes, o ilustre professor falou sobre o processo de seca que a Amazônia iria enfrentar, que o ciclo de chuvas poderia ser mais intenso em regiões do Sul e Sudeste, entre muitas outras situações. Mas hoje, 13 anos após o seu falecimento, só vemos o Estado correndo atrás de rastros e tentando mitigar tragédias.”
Cursino afirma que a realidade da crise ambiental que o País atravessa com o aquecimento global, desequilíbrio da natureza causado pelas ações humanas, “poderia ser menos árdua se escutássemos os técnicos e cientistas para implementar as políticas públicas de prevenção na contemporaneidade”. Mas sugere: “Agora é hora de unir forças e tentar reconstruir o que é possível para minimizar o tamanho da tragédia. Daí a importância de eventos para resgatar os estudos e soluções apresentados por Aziz Ab’Sáber.”
“Na 8ª Semana Aziz Ab’Sáber também pensamos no futuro. A nossa meta é incentivar as crianças a preservar a natureza. Seguir o caminho de Aziz”
Entre os cientistas, há a participação muito especial das crianças e estudantes das escolas públicas de São Luiz do Paraitinga, cidade onde Aziz Ab’Sáber nasceu e onde não há escolas particulares. O mestre defensor da natureza, referência para cientistas e pesquisadores de diversas áreas como geografia, fitogeografia, ecologia, geomorfologia e arqueologia, deixa um legado também para a educação e formação das crianças e jovens. Como o menino Aziz, os estudantes correm pelas ruas, ouvem o sino da Igreja Matriz do século 19 e contemplam o Mar de Morros.
“Na 8ª Semana Aziz Ab’Sáber também pensamos no futuro. A nossa meta é incentivar as crianças a preservar a natureza. Seguir o caminho de Aziz, defendendo a ecologia, o meio ambiente”, diz Bruno Ribeiro Galhardo, professor que está coordenando a participação das escolas de São Luiz do Paraitinga. “A programação é importante porque propicia um ambiente de aprendizagem de altíssimo nível da vida e da obra do luizense que é uma referência mundial. Através das discussões temáticas com grandes pesquisadores, muitos dos quais estudamos nos livros nas salas de aula, os estudantes passam a se interessar pela cultura científica.”
Para estimular os estudantes a observar a natureza, a história, o meio ambiente, a programação lança o I Concurso de Fotografia Aziz Ab’Sáber, coordenado pelo fotógrafo Atílio Avancini, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. “Todos os estudantes, a partir de seis anos, podem participar. E têm como referência o olhar de Aziz que fotografava as paisagens, detalhes da natureza como flores, árvores, serras, o horizonte, cenas de trabalhadores rurais e também a população nas cidades”, orienta Avancini. “São fotos que registram a preservação da natureza e do meio ambiente. No ano que vem, faremos uma seleção das imagens, que serão expostas e as melhores vão ser premiadas. E não precisam ter câmeras profissionais, as fotos podem ser feitas com celulares. Importante é a criatividade.”
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Na verdade, Aziz Ab’Sáber está no cotidiano da cidade. Em uma das ruas há um mural onde um artista pintou o rosto de Aziz. É, na verdade, um conhecido de todos. Interessante observar os professores, cientistas de universidades, falando a mesma linguagem do público. São crianças e adolescentes curiosos que levantam a mão e fazem uma pergunta atrás da outra.
“Eu queria tanto trabalhar na USP mas, na época, era muito fechada. O professor de Geografia e História, Kenneth Caster, me chamou, dizendo que gostaria muito de me contratar como seu assistente sênior, mas só tinha vaga como jardineiro”
“A minha vida é o trabalho. A energia, a saúde e o coração. Tudo funciona com a cabeça no trabalho.” Com a tranquilidade de sempre, o mestre Aziz Ab’Sáber conversou com o Jornal da USP em sua última entrevista, em maio de 2011 (o professor faleceu em 16 de março de 2012), repercutida em diversos jornais e revistas do País.
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Ab’Sáber era filho do imigrante libanês Nacib com a brasileira Juventina, de ascendência portuguesa, vinda do sertão florestal do Nordeste. Tinha 16 anos quando entrou na USP para fazer Geografia. O tempo passou e o seu sonho sempre foi trabalhar na Universidade. Uma história que o professor lembrava com muito orgulho: “Eu queria tanto trabalhar na USP, mas, na época, era muito fechada. O professor de Geografia e História, Kenneth Caster, me chamou, dizendo que gostaria muito de me contratar como seu assistente sênior, mas só tinha vaga como jardineiro”. Aziz Ab’Sáber, na época bacharel e pós-graduado, aceitou o cargo e o salário de jardineiro.
Depois de três meses cuidando das árvores, das plantas, surgiu a oportunidade de ser prático de laboratório, que foi o cargo que ocupou até defender a livre-docência, em 1965. E foi assim, semeando de sol a sol nos campos da geografia, que o jardineiro se tornou o cientista considerado referência no Brasil e no mundo na preservação ambiental. Aziz tornou-se Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) e presidente de honra da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência. Ganhou, entre outros, o Prêmio Internacional de Ecologia e o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente, além do Prêmio Jabuti pelos livros publicados.
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Na programação do 8º Seminário Internacional Aziz Ab’Sáber, a história do cientista, professor e jardineiro será lembrada por todos. A professora María del Carmen Patricia Morales, da Universidade de Leuven, na Bélgica, e da Cátedra Unesco de Segurança Humana na Universidade Blas Pascal, na Argentina, virá especialmente para falar sobre Aziz Ab’Sáber e o direito da natureza e o direito humano à água. Mas tem também a história do pai Aziz. Sua filha Janaína Ab’Sáber estará presente, com a família e amigos, para compartilhar o bolo do aniversariante e festejar com as canções apresentadas pelo grupo musical Projeto Guri, de São Luiz do Paraitinga.
Confira o roteiro da programação:
8ª Semana Internacional Aziz Ab’Sáber – Homenagem ao Centenário do Mestre! (1924/2024) – São Luiz do Paraitinga
21/10 (segunda-feira)
Coordenação: Mayara Ferreira (Biblioteca Municipal de São Luiz do Paraitinga)
14h – Lançamento do I Concurso de Fotografia de São Luiz do Paraitinga (2025)
Tema: Aziz Cem Anos
Palestra: Aziz Ab’Sáber e a fotografia
Atílio Avancini (USP)
16h – Apresentação de publicações e bate-papo com autores:
- Livro: Educação ambiental em unidades de conservação: Fundamentos e práticas
Beatriz Vieira Freire (Instituto de Biociências – USP) - Livro: Aziz Nacib Ab’Sáber – Ciência, meio ambiente e cidadania (Uma homenagem ao Mestre!)
Francisco de Assis Mendonça e Vanda de Claudino-Sales (orgs.) - Periódico: A Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará – Edição Especial Aziz e a Amazônia
Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – Universidade Federal do Pará)
22/10 (terça-feira)
10h – Conferência de abertura do Seminário da 8ª Semana Aziz Ab’Sáber – Homenagem ao Centenário do Mestre!
Coordenação: Leila Kiyomura (USP)
Ana Lúcia Bilard Sicherle (prefeita de São Luiz do Paraitinga)
Wagner Costa Ribeiro (USP – Coordenação da 8ª Semana Aziz Ab’Sáber)
Marli Quadros Leite (pró-reitora de Cultura da USP)
Galvão Frade – Diretoria de Cultura de São Luiz do Paraitinga
14h – Palestras
Coordenação: Prof. Bruno Ribeiro Galhardo (São Luiz do Paraitinga)
- Aziz Ab’Sáber: inspiração para o enfrentamento dos desafios climáticos da contemporaneidade
João Rafael Cursino (São Luiz do Paraitinga e Universidade de São Paulo) - Aziz Ab’Sáber e os conflitos por água no Brasil
Wagner Costa Ribeiro (Universidade de São Paulo) - Aziz Ab’Sáber e as questões socioambientais no Vale do Paraíba/SP
Gerson de Freitas Júnior (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo – ICT/CPS)
23/10 (quarta-feira)
14h – Palestras
Coordenação: João Rafael Cursino (São Luiz do Paraitinga e USP)
- Leituras da paisagem de Porto Alegre por Aziz Ab´Sáber e as inundações de 2024
Roberto Verdum (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) - As paisagens do Paraitinga
Tiago Damas Martins (Universidade Federal de São Paulo) - A efetivação de um território agroecológico
Daniela Coura (Oscip Akarui/São Luiz do Paraitinga)
16h – Show musical – As Forças da Natureza
Juliana Farinaci e Camilo Frade (São Luiz do Paraitinga)
24/10 (quinta-feira)
14h – Palestras
Coordenação: Janaína Ab’Sáber
- Aziz Ab’Sáber e o direito da natureza e o direito humano à água
María del Carmen Patricia Morales (Universidade de Leuven/Bélgica e Cátedra Unesco de Segurança Humana na Universidade Blas Pascal/Argentina) - A noção de Domínio Fitogeográfico na delimitação dos biomas brasileiros
Carlos Alfredo Joly (Instituto de Biologia/Universidade Estadual de Campinas)
16h – Encerramento da 8ª Semana Aziz Ab’Sáber (1924/2024) – Homenagem ao Centenário do Mestre!
Palestra com Janaína Ab’Sáber: o centenário de seu pai Aziz Ab’Sáber
- Grupo musical Projeto Guri (São Luiz do Paraitinga)
- Festa com o bolo dos 100 anos de Aziz Ab’Sáber
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Local: Auditório da Biblioteca Municipal Nelson Ferreira Pinto – São Luiz do Paraitinga/SP
Realização: Prefeitura da Estância Turística de São Luiz do Paraitinga – São Paulo
Parceria: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP