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Entender o uso das palavras nos dá a compreensão daquilo que ocorre ao nosso redor e, ainda, como objetos e indivíduos são nomeados, rotulados e tagueados por meio das palavras e termos. Isso nos ajuda a pensar, debater, relativizar e problematizar o mundo em que vivemos. Por isso a Rádio USP em parceria com a professora Deise Sabbag, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, apresenta semanalmente o Palavra da Semana. O podcast traz informações sobre o significado etimológico e semântico da palavra ou termo que ficou nos trends (destaques) do Twitter e do Google durante a semana. A ideia é contextualizá-la cultural e socialmente.
A ideia do podcast surgiu quando a dona Maria Justina Celestino, de 75 anos e moradora da zona oeste de Ribeirão Preto, ligou na Rádio USP para saber o significado de “comorbidades”, uma das várias palavras que viu aparecer no seu dia a dia com a pandemia. Como ouvinte da rádio, e sendo a emissora vinculada à USP, diz a d. Maria “que foi o primeiro lugar em que pensou para buscar a informação que precisava”.
Esse fato, aliado à percepção da professora e pesquisadora Deise Sabbag da necessidade de desenvolver um projeto que oferecesse aos alunos, mas também à comunidade, “elementos para a reflexão, crítica e problematização desse mundo da semântica que nos rodeia, esse mundo das palavras que não é ingênuo, neutro, compassivo”, é que deram origem ao Palavra da Semana.
Segundo a pesquisadora, construímos o mundo por meio das palavras dando significados às coisas e pessoas por meio da atividade de classificação, separando por semelhanças e diferenças, que tem como consequência a atribuição de nomes, rótulos, tags, termos.
“Nesse sentido, a criação de um espaço para refletir sobre o universo das palavras e dos termos seria oportuna para fomentar o pensamento crítico sobre essa forma de comunicação, entendida não como instrumento de exclusão, que reforça as semelhanças e diferenças, mas como instrumento de aproximação, compreensão e crescimento.”
Depois que a d. Maria foi informada do significado de comorbidades – ocorrência de duas ou mais doenças relacionadas na mesma pessoa e ao mesmo tempo – foi o momento de definir uma metodologia para a escolha da palavra de cada semana. Como, atualmente, o que ocorre ao nosso redor está diretamente ligado às redes e às mídias sociais, a opção foi buscá-la no Twitter e no Google, nos quais além de palavras comuns e conhecidas também surgem novas ou são resgatadas outras já existentes, mas usadas com novos significados. Já foram veiculadas dez palavras, desde “vagabundo”, passando pelos termos “LGBTQIA+” e “CPI” até “cringe” e “rachadinha”.
Clique no player e confira um dos episódios do podcast:
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Desenvolvimento e evolução da língua
Deise Sabbag explica que a língua é considerada um organismo vivo. “Conhecer o significado e a origem das palavras é importante para a compreensão da genealogia dos processos de desenvolvimento e evolução da língua.” A pesquisadora dá como exemplo o termo ortopedia, combinação dos termos gregos orthos (reto) e paidion (criança), criado por Nicholas Andry, citado na publicação Orthopaedia: The Art of Correcting and Preventing Deformities in Children (1741).
“Na origem de sua criação era empregada para designar a especialidade que tratava as deformidades da coluna e osso das crianças. Atualmente, a ortopedia é uma especialidade médica que se dedica ao estudo de tratamento do sistema locomotor e da coluna vertebral. Entre a origem de criação e o emprego na atualidade, o conceito do termo obteve uma amplificação de atribuições e características gerais e específicas. Na área de Organização da Informação, entendemos que o termo ortopedia evolutivamente adquiriu mais extensão, mais compreensão. Mas o importante a se ressaltar aqui é o processo histórico, cultural e social entre o contexto de origem e sua aplicabilidade atualmente.”
Para Deise, a importância do significado e da origem das palavras está nessa compreensão e entendimento do uso relacionado ao determinado tempo e contexto histórico. As palavras sofrem mudanças conceituais, sendo reconhecidas de acordo com a empregabilidade dentro de determinada rede semântica. “Em outras palavras, é importante saber o significado e origem das palavras, bem como suas mudanças, para entendermos o mundo ao nosso redor, promover a reflexão e não a mera repetição, principalmente no momento polarizado que vivemos.”
As palavras para a humanidade
Historicamente a importância das palavras para a humanidade remete à própria história da comunicação e dos suportes, registros e expressões do conhecimento. Perpassando dos estágios mais primitivos da escrita, representações rupestres, figurativas, simbólicas, pictogramas, ideogramas, escrita de imagens até a linguagem dos algoritmos e processamento de dados.
Entender essa importância é também compreender que há 70 mil anos aconteceu a revolução cognitiva caracterizada por uma forma sofisticada e versátil de pensamento e comunicação. Para Deise, “desta maneira teremos um pensamento crítico ao percebermos as coisas e o mundo ao nosso redor, sabendo que o processo histórico e cultural tem um papel importante que não pode ser desconsiderado, principalmente porque as palavras e as coisas nem sempre foram assim como estão concebidas na nossa existência.”
Deise Sabbag
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Professora do Curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação da FFCLRP, tem doutorado e mestrado em Ciência da Informação. Docente do programa de pós-graduação em Ciência da Informação da Unesp.
Tem como linhas de pesquisa: Linguagem, Discurso e Poder; Classificação, Conhecimento e Poder; Organização e Representação da Informação; Classificação, Indexação, Tesauros, Taxonomias e Ontologias; Organização da Informação na cultura de convergência. Trabalha com vocabulários controlados e Sistemas de Organização do Conhecimento que são, no contexto da Ciência da Informação, instrumentos para a representação da informação.
“Nesta construção controlada dos termos são estabelecidas as relações semânticas que podem variar de acordo com o que chamamos categoria. Tudo isso é um arranjo complexo que utiliza a linguagem natural, linguagem de especialidade, leitura profissional, identificação e seleção de conceitos, condensação e representação informacional.”
A professora é líder do Grupo de Estudos Contemporâneos em Organização do Conhecimento (Ecoar) e é mãe da Izadora.
Confira todos os episódios do Palavra da Semana: https://jornal.usp.br/series/palavra-da-semana
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