Mais de meio século da história da USP registrada por Jorge Maruta

As lentes do fotógrafo da atual Superintendência de Comunicação Social da USP acompanharam momentos marcantes da Universidade

 06/02/2024 – Publicado há 3 meses

Texto: Hérika Dias
Arte: Moisés Dorado

São 90 anos de existência da USP e mais da metade dessa história tem como testemunhas as lentes do fotógrafo Jorge Maruta. Ele ingressou na Universidade em 10 de junho de 1971. De lá para cá, a USP cresceu muito e se transformou. Foram 15 reitores, criação de novas faculdades, institutos e escolas, a Universidade conquistou a autonomia universitária e se consolidou como referência no ensino e pesquisa na América Latina e no mundo.

Grande parte dessas mudanças foi acompanhada e registrada por Jorge. Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Barrinha, o fotógrafo passou pelo Paraná e se estabeleceu com a família na capital paulista na década de 1960.

Sexto de nove irmãos, ele entrou para o mundo das fotografias inspirado pelo mais velho. Primeiro foi ajudar no estúdio de fotografia onde o irmão trabalhava, e depois fez um curso técnico de três anos no Senac. Entre as especializações disponíveis, escolheu Reportagem Fotográfica.

“Uma das diretoras do então chamado Serviço de Biblioteca e Documentação da USP foi ao Senac e disse que estava precisando de fotógrafos. Eu vim fazer o teste. Naquela época, não tinha fotógrafo na área de reportagem fotográfica e como o Gabinete do Reitor precisava de um fotógrafo, o meu teste foi fazer foto no gabinete”, recorda Jorge

Jorge Maruta - Foto: Arquivo pessoal

Inicialmente, ele foi contratado como prestador de serviços e, no ano seguinte, foi aprovado no concurso público em segundo lugar. “O rapaz que passou em primeiro não fotografava, ele fazia mais reprodução de microfilmagem e eu era responsável por documentar o que ocorria no Gabinete do Reitor.”

Jorge lembra que, naquele período, a Universidade fazia microfilmagem de livros estrangeiros para reproduzir aos alunos publicações que não havia no Brasil, atividade extinta com a chegada das máquinas Xerox.

O seu primeiro local de trabalho foi a Assessoria de Imprensa do Gabinete do Reitor. As primeiras fotos de Jorge na USP foram na cobertura de eventos em que o então reitor Miguel Reale participava. Além de cobrir as atividades da Reitoria, ele fotografava a vida no campus Cidade Universitária, em São Paulo.

Em 1976, passou para o USP Informações, uma publicação quinzenal para divulgar a Universidade que, em 1985, passou a se chamar Jornal da USP. Desde 2016, o jornal é publicado apenas on-line.

Além de acompanhar o dia a dia da Universidade, Jorge ainda fazia a ampliação, reprodução e seleção das fotos no laboratório que a Universidade manteve até 2003, quando passou a adotar as máquinas digitais. “Tivemos que reaprender [a tirar fotografia] e não tinha ninguém que nos orientasse, tivemos que ser autodidatas.”

Do tempo das máquinas analógicas, Jorge lembra como era a preparação para não “desperdiçar” nenhuma foto. Até 1976, ele tinha que trabalhar com filmes de 12 poses. “Em eventos, por exemplo, era preciso estudar cada passo da cerimônia. Por exemplo, o discurso do reitor, assinatura de documentos. Tínhamos que saber a sequência dos acontecimentos para regular o número de fotos.”

Jorge Maruta - Foto: Cecília Bastos

E ele não tem saudade dessa época. “Sofremos muito com a analógica, não tínhamos nem ar-condicionado dentro do laboratório. Imagine: um calor de 36 graus, você ficar fechado num local que não pode entrar luz? A fotografia analógica era difícil mesmo porque você tinha que preparar química para dar alto contraste nas fotos, havia todo um estudo em cima disso; não era como hoje, que você tira a foto e está pronto.”

Jorge destaca que o momento mais complicado para trabalhar na USP foi durante a ditadura militar (1964-1985), regime autoritário instalado após o golpe militar. Nessa época, a USP era foco de controle pelos militares e também de resistência, com manifestações e greves estudantis.

Jorge Maruta - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“O fotógrafo-jornalista apanhava dos dois lados. O estudante não gostava de ser fotografado porque eles estavam protestando e não queriam que tirassem foto por medo de represália, ser identificado, ou marcado. Eu tenho fotos de manifestações, mas fazia sempre de longe, de costas, para não identificar ninguém. Quando havia confronto com a polícia, eles também entravam dando ‘porrada’ por todo lado.”

Ele é muito grato às experiências vividas nesse período trabalhando na USP e por ter conhecido tantos professores que ensinaram pelo exemplo de humildade e humanização. “Eu aprendi muito e prezo o exemplo que grandes cientistas e professores deram de humildade. Com toda aquela capacidade de conhecimento, eles eram humildes. A USP foi grandiosa para mim neste ponto, não tive estudo, mas a vivência com eles me ensinou muito.”

Jorge se aposenta agora em março e sua única preocupação é com o destino dos seus arquivos: rolos de filmes fotográficos de 1971 a 2003 com todo seu trabalho na USP. Ele destaca que, sem a digitalização desse acervo, há o risco de se perder 32 anos de história da Universidade. Hoje, seus arquivos estão armazenados em armários de arquivo comum no prédio da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP.

Convidamos Jorge a selecionar algumas fotos suas que ajudem a contar um pouco da sua história na Universidade. Das milhares de fotos feitas na USP ao longo desses quase 53 anos, Jorge tem um carinho especial por duas: a primeira, do seu ídolo Ayrton Senna, e a segunda, do casal de imperadores japoneses.

1971
O professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Aziz Ab'Saber, à direita, cumprimenta o presidente do Brasil Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), à esquerda, na entrada do prédio da FFLCH, em São Paulo. Médici esteve na USP para a inauguração do prédio Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA).


"O interessante dessa foto é que Ab'Saber fazia oposição ao regime militar, assim como outros professores da FFLCH, mas Médici veio visitá-los. Lembro que não era um período de aulas, por isso não tinha estudantes"

1972
Inauguração do Patinho Feio, o primeiro computador brasileiro. Criado na Escola Politécnica (Poli) da USP, foi um marco para o ensino e a indústria nacional de tecnologia. Atrás do bispo dom Ernesto de Paula: à esquerda, o governador de São Paulo Laudo Natel; à direita o reitor da USP Miguel Reale.


“Não foi fácil fotografar ali com uma máquina 6x6, não era nem uma grande angular, foi difícil fazer essa foto. Tinha muita gente em uma sala pequena, tive que fazer peripécias, não pude subir em cadeira, nem nada. Tive que escolher entre enquadrar as pessoas ou a máquina, que quase não aparece”

1972
Estudantes da USP participam do projeto Rondon com atendimento à comunidade na cidade de Iporanga, no Vale do Ribeira, em São Paulo. O Rondon foi criado em 1967 pelo governo federal. Envolve participação voluntária de estudantes universitários em ações para comunidades carentes.


“O reitor [Miguel Reale] e uma comitiva foram acompanhar o projeto Rondon no Vale do Ribeira. Uma das primeiras reportagens que fiz e acompanhei. Os estudantes faziam atendimento pra quem morava no local”

1972
O vice-reitor Orlando Marques de Paiva recebe o bicampeão olímpico do salto triplo Adhemar Ferreira da Silva para conhecer o Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp). O local foi inaugurado em 1971. Sua infraestrutura contava com quadras cobertas, velódromo, estádio e pista de atletismo


Foto: “Essa é a pista de atletismo, ele [Adhemar] veio conhecer porque a pista era famosa, toda emborrachada”

1975
Estudantes em um dia de provas para o ingresso na USP em frente à Escola Politécnica (Poli), no campus Cidade Universitária, em São Paulo. Até 1976, não havia um vestibular unificado, a USP criou a Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) que, em 1977, organizou o primeiro processo de seleção único .


“Essa foto foi feita em frente ao prédio da Poli-Civil. Lembro que a gente não podia entrar no prédio para fotografar, fazíamos fotos só externas. Do portão para dentro, só entrava vestibulando”

1983
Mais de 200 mil pessoas ficaram desabrigadas em fortes chuvas que ocorreram em julho nos três estados do Sul do Brasil. O País se mobilizou para arrecadar doações e a USP contribuiu cedendo o espaço para a realização de um show beneficente. Na foto: milhares de pessoas participam de show na Praça do Relógio.


“Nesse período, o campus era aberto e se realizavam muitos shows, mas não tinha uma boa infraestrutura, como banheiros. Eles ocorriam na Praça do Relógio, que na época também usavam como campo de futebol improvisado”

1983
Chegada ao Porto de Santos do navio “Professor Wladimir Besnard” após a primeira expedição brasileira à Antártida, que partiu em 1982. Projetado pela USP, sob a coordenação do Instituto Oceanográfico, o navio ficou pronto em 1967 e se tornou referência para pesquisas em águas brasileiras e internacionais


“Acompanhei a partida da primeira expedição do navio do Instituto Oceanográfico, não acompanhei a expedição por falta de vaga porque entre eu e o fotógrafo da Folha de S. Paulo, ele foi escolhido porque a repercussão seria outra., mas eu fotografei a saída e a chegada”

1984
Durante as comemorações dos 50 anos da USP, estudantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) entram na cerimônia para estender faixa pedindo “Diretas Já” - movimento popular para eleições diretas para presidente que não ocorriam desde 1964, com o golpe militar. Na foto: o governador de São Paulo André Franco Montoro e o reitor da USP Antônio Hélio Guerra Vieira.


“Em todos os eventos que ocorriam naquela época, os estudantes invadiam os auditórios e estendiam as faixas pedindo as “Diretas Já”. Eles queriam falar, mas não deixavam e, no fim, as cerimônias continuavam enquanto eles protestavam em silêncio com a faixa estendida”.

1986
Reitor José Goldemberg devolve ao chefe Penón, da etnia Krahô, o seu khoiré. O objeto sagrado, ligado a mitos e cantos cerimoniais, foi retirado da aldeia pelo antropólogo Harald Schultz em 1947. Desde então, o khoiré estava exposto no Museu do Ipiranga da USP. Após localizar o paradeiro do objeto com a ajuda da viúva de Schultz em 1981, os Krahô se mobilizaram para recuperá-lo.


“O reitor organizou uma cerimônia para realizar a entrega da machadinha em pedra para os líderes indígenas. Foi um momento histórico”

1990
Piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna corre na pista de atletismo do Cepeusp. Senna começou a treinar no local após passar por uma avaliação física nos laboratórios da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. O piloto queria melhorar sua condição física.


“Eu era muito fã do Ayrton Senna. Uma vez, por acaso, fui com um repórter no Cepeusp fazer uma matéria. E vimos o Ayrton Senna praticando corrida. Nos aproximamos da pista, falamos com o preparador físico dele, e combinamos uma entrevista. Fiz umas fotos dele treinando. Ele era super humilde, mas eu não pedi autógrafo. Depois do treino, ele fez o alongamento dele, sentou na calçada e deu a entrevista.”

1997
Reitor Flávio Fava de Moraes recebe visita do casal de imperadores do Japão, Akihito e Michiko, no prédio da Reitoria da USP. Eles ainda inauguraram o Monumento à Amizade entre Brasil e Japão, da artista Tomie Ohtake. A obra comemora 100 anos de amizade entre os dois países e fica nos jardins do campus Cidade Universitária.


“Era um evento um pouco restrito. Estávamos em três fotógrafos e ficamos um em cada sala. Devido ao protocolo, eles primeiro visitaram o gabinete do reitor, onde eu tive o privilégio de fotografá-los. Depois, ainda fiz a foto deles no restaurante do Clube dos Funcionários, não podíamos entrar, fizemos a foto e saímos.”

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