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Mais de meio século da história da USP registrada por Jorge Maruta
As lentes do fotógrafo da atual Superintendência de Comunicação Social da USP acompanharam momentos marcantes da Universidade
São 90 anos de existência da USP e mais da metade dessa história tem como testemunhas as lentes do fotógrafo Jorge Maruta. Ele ingressou na Universidade em 10 de junho de 1971. De lá para cá, a USP cresceu muito e se transformou. Foram 15 reitores, criação de novas faculdades, institutos e escolas, a Universidade conquistou a autonomia universitária e se consolidou como referência no ensino e pesquisa na América Latina e no mundo.
Grande parte dessas mudanças foi acompanhada e registrada por Jorge. Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Barrinha, o fotógrafo passou pelo Paraná e se estabeleceu com a família na capital paulista na década de 1960.
Sexto de nove irmãos, ele entrou para o mundo das fotografias inspirado pelo mais velho. Primeiro foi ajudar no estúdio de fotografia onde o irmão trabalhava, e depois fez um curso técnico de três anos no Senac. Entre as especializações disponíveis, escolheu Reportagem Fotográfica.
“Uma das diretoras do então chamado Serviço de Biblioteca e Documentação da USP foi ao Senac e disse que estava precisando de fotógrafos. Eu vim fazer o teste. Naquela época, não tinha fotógrafo na área de reportagem fotográfica e como o Gabinete do Reitor precisava de um fotógrafo, o meu teste foi fazer foto no gabinete”, recorda Jorge
Inicialmente, ele foi contratado como prestador de serviços e, no ano seguinte, foi aprovado no concurso público em segundo lugar. “O rapaz que passou em primeiro não fotografava, ele fazia mais reprodução de microfilmagem e eu era responsável por documentar o que ocorria no Gabinete do Reitor.”
Jorge lembra que, naquele período, a Universidade fazia microfilmagem de livros estrangeiros para reproduzir aos alunos publicações que não havia no Brasil, atividade extinta com a chegada das máquinas Xerox.
O seu primeiro local de trabalho foi a Assessoria de Imprensa do Gabinete do Reitor. As primeiras fotos de Jorge na USP foram na cobertura de eventos em que o então reitor Miguel Reale participava. Além de cobrir as atividades da Reitoria, ele fotografava a vida no campus Cidade Universitária, em São Paulo.
Em 1976, passou para o USP Informações, uma publicação quinzenal para divulgar a Universidade que, em 1985, passou a se chamar Jornal da USP. Desde 2016, o jornal é publicado apenas on-line.
Além de acompanhar o dia a dia da Universidade, Jorge ainda fazia a ampliação, reprodução e seleção das fotos no laboratório que a Universidade manteve até 2003, quando passou a adotar as máquinas digitais. “Tivemos que reaprender [a tirar fotografia] e não tinha ninguém que nos orientasse, tivemos que ser autodidatas.”
Do tempo das máquinas analógicas, Jorge lembra como era a preparação para não “desperdiçar” nenhuma foto. Até 1976, ele tinha que trabalhar com filmes de 12 poses. “Em eventos, por exemplo, era preciso estudar cada passo da cerimônia. Por exemplo, o discurso do reitor, assinatura de documentos. Tínhamos que saber a sequência dos acontecimentos para regular o número de fotos.”
E ele não tem saudade dessa época. “Sofremos muito com a analógica, não tínhamos nem ar-condicionado dentro do laboratório. Imagine: um calor de 36 graus, você ficar fechado num local que não pode entrar luz? A fotografia analógica era difícil mesmo porque você tinha que preparar química para dar alto contraste nas fotos, havia todo um estudo em cima disso; não era como hoje, que você tira a foto e está pronto.”
Jorge destaca que o momento mais complicado para trabalhar na USP foi durante a ditadura militar (1964-1985), regime autoritário instalado após o golpe militar. Nessa época, a USP era foco de controle pelos militares e também de resistência, com manifestações e greves estudantis.
“O fotógrafo-jornalista apanhava dos dois lados. O estudante não gostava de ser fotografado porque eles estavam protestando e não queriam que tirassem foto por medo de represália, ser identificado, ou marcado. Eu tenho fotos de manifestações, mas fazia sempre de longe, de costas, para não identificar ninguém. Quando havia confronto com a polícia, eles também entravam dando ‘porrada’ por todo lado.”
Ele é muito grato às experiências vividas nesse período trabalhando na USP e por ter conhecido tantos professores que ensinaram pelo exemplo de humildade e humanização. “Eu aprendi muito e prezo o exemplo que grandes cientistas e professores deram de humildade. Com toda aquela capacidade de conhecimento, eles eram humildes. A USP foi grandiosa para mim neste ponto, não tive estudo, mas a vivência com eles me ensinou muito.”
Jorge se aposenta agora em março e sua única preocupação é com o destino dos seus arquivos: rolos de filmes fotográficos de 1971 a 2003 com todo seu trabalho na USP. Ele destaca que, sem a digitalização desse acervo, há o risco de se perder 32 anos de história da Universidade. Hoje, seus arquivos estão armazenados em armários de arquivo comum no prédio da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP.
Convidamos Jorge a selecionar algumas fotos suas que ajudem a contar um pouco da sua história na Universidade. Das milhares de fotos feitas na USP ao longo desses quase 53 anos, Jorge tem um carinho especial por duas: a primeira, do seu ídolo Ayrton Senna, e a segunda, do casal de imperadores japoneses.
"O interessante dessa foto é que Ab'Saber fazia oposição ao regime militar, assim como outros professores da FFLCH, mas Médici veio visitá-los. Lembro que não era um período de aulas, por isso não tinha estudantes"
“Não foi fácil fotografar ali com uma máquina 6x6, não era nem uma grande angular, foi difícil fazer essa foto. Tinha muita gente em uma sala pequena, tive que fazer peripécias, não pude subir em cadeira, nem nada. Tive que escolher entre enquadrar as pessoas ou a máquina, que quase não aparece”
“O reitor [Miguel Reale] e uma comitiva foram acompanhar o projeto Rondon no Vale do Ribeira. Uma das primeiras reportagens que fiz e acompanhei. Os estudantes faziam atendimento pra quem morava no local”
Foto: “Essa é a pista de atletismo, ele [Adhemar] veio conhecer porque a pista era famosa, toda emborrachada”
“Essa foto foi feita em frente ao prédio da Poli-Civil. Lembro que a gente não podia entrar no prédio para fotografar, fazíamos fotos só externas. Do portão para dentro, só entrava vestibulando”
“Nesse período, o campus era aberto e se realizavam muitos shows, mas não tinha uma boa infraestrutura, como banheiros. Eles ocorriam na Praça do Relógio, que na época também usavam como campo de futebol improvisado”
“Acompanhei a partida da primeira expedição do navio do Instituto Oceanográfico, não acompanhei a expedição por falta de vaga porque entre eu e o fotógrafo da Folha de S. Paulo, ele foi escolhido porque a repercussão seria outra., mas eu fotografei a saída e a chegada”
“Em todos os eventos que ocorriam naquela época, os estudantes invadiam os auditórios e estendiam as faixas pedindo as “Diretas Já”. Eles queriam falar, mas não deixavam e, no fim, as cerimônias continuavam enquanto eles protestavam em silêncio com a faixa estendida”.
“O reitor organizou uma cerimônia para realizar a entrega da machadinha em pedra para os líderes indígenas. Foi um momento histórico”
“Eu era muito fã do Ayrton Senna. Uma vez, por acaso, fui com um repórter no Cepeusp fazer uma matéria. E vimos o Ayrton Senna praticando corrida. Nos aproximamos da pista, falamos com o preparador físico dele, e combinamos uma entrevista. Fiz umas fotos dele treinando. Ele era super humilde, mas eu não pedi autógrafo. Depois do treino, ele fez o alongamento dele, sentou na calçada e deu a entrevista.”
“Era um evento um pouco restrito. Estávamos em três fotógrafos e ficamos um em cada sala. Devido ao protocolo, eles primeiro visitaram o gabinete do reitor, onde eu tive o privilégio de fotografá-los. Depois, ainda fiz a foto deles no restaurante do Clube dos Funcionários, não podíamos entrar, fizemos a foto e saímos.”
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.