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Enciclopédia virtual de Antropologia une ensino, pesquisa e extensão universitária

Alunos e professores da USP trabalham os temas e verbetes com rigor científico e buscam levar o conhecimento da área em linguagem acessível para o público

29/06/2021

Karina Tarasiuk e David Ferrari

Você já ouviu falar em gentrificação? É um conceito criado pela socióloga Ruth Glass nos anos 1960, usado em debates sobre desigualdade e segregação urbana. O termo se refere à mudança das paisagens urbanas em bairros populares para atrair pessoas com renda mais elevada e valorizar economicamente a região. Com isso, os preços do mercado imobiliário e do custo de vida aumentam e a população de baixa renda que vivia originalmente na região é obrigada a se mudar, gerando a redução da diversidade social do bairro.

Esse conceito é explicado na Enciclopédia de Antropologia, uma plataforma virtual criada em 2015 por estudantes e docentes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O site, que passa por temas como cosmologia, folclore, desigualdade e aculturação, funciona como uma ferramenta de divulgação científica que visa a auxiliar em pesquisas e, também, informar as pessoas que se interessam por assuntos nesta área do conhecimento. Os verbetes também são divulgados em redes sociais.

“A ideia central norteadora do projeto, desde sua origem, é que a Enciclopédia se alimente dos diálogos em sala de aula e que os verbetes sejam escritos por estudantes de pós-graduação, valorizando uma produção de ciência que não costuma ser divulgada. Além disso, em função do compromisso com a divulgação científica, a meta é produzir verbetes curtos, sintéticos e sem jargões, visando ao público mais amplo”, explica a professora Fernanda Arêas Peixoto, que faz a coordenação editorial da Enciclopédia desde 2020 em conjunto com o professor André Sicchieri Bailão, ambos da FFLCH.

Fernanda Arêas Peixoto e André Sicchieri Bailão, coordenadores editoriais da Enciclopédia de Antropologia - Foto: Arquivo pessoal

É dessa forma que a Enciclopédia de Antropologia tem se mostrado uma importante ferramenta dos ideais universitários, unindo ensino, pesquisa e extensão no processo de trabalho. “Estamos recebendo algumas contribuições de professores e pesquisadores ligados a estágios de pós-doutorado e recentemente começamos a encomendar verbetes, para tentar cobrir alguns temas que julgamos fundamentais. Entretanto, nossa prioridade é manter o modelo do verbete produzido em sala de aula, aliando atividades de ensino, pesquisa e extensão, que consideramos ser responsável pela originalidade e frescor da Enciclopédia”, destaca Fernanda.

Ela explica que os verbetes também têm sido utilizados como recurso didático em salas de aula em universidades, além de serem citados em trabalhos acadêmicos, blogs, sites e até mesmo em discussões nas redes sociais. “Temos recebido também pedidos de republicação de alguns verbetes em livros didáticos. Isso demonstra como um projeto como o da EA tem um potencial muito grande de alcançar diferentes públicos para a difusão do conhecimento produzido na Universidade, valorizando-o e fazendo-o circular”, afirma.

Telas da Enciclopédia de Antropologia - Foto: Reprodução/EA FFLCH

Conhecimento e colaboração

A Enciclopédia de Antropologia possui verbetes assinalados e ordenados alfabeticamente, classificados em autoria, obra, conceito, correntes, subcampos e instituições. O objetivo é funcionar como guias de orientação, disponibilizando o contato com formulações, obras e autores para quem desejar se aprofundar. Também é possível acessar uma bibliografia de apoio.

“O modelo de verbete como produção intelectual é diferente de um artigo acadêmico, dos ensaios e das resenhas. Para escrevê-lo é preciso readequar as formas de linguagem que tendemos a utilizar para produzir textos. O verbete é um texto enxuto, ‘magro’, escrito de forma direta, sem inversões nem adjetivações, de modo a alcançar os não especialistas. Texto simples, diríamos, mas nada simplista, que almeja recuperar a densidade dos assuntos tratados”, explicam os editores.

Apesar do nome “enciclopédia”,  o site ressalta que não pretende passar a ideia de totalidade ou completude. Ao contrário, é uma obra em permanente construção, “cujos destinos serão traçados em função das pesquisas e reflexões conjuntas”, mas que mantém o caráter de colaboração coletiva das enciclopédias.

“Nossos verbetes tratam de obras, sejam elas livros, artigos ou coletâneas, autoras e autores, conceitos, instituições, correntes e subcampos da Antropologia Social, além de disciplinas correlatas das ciências humanas. Isso torna o projeto da EA bastante abrangente, já que outras enciclopédias digitais da área muitas vezes só trabalham com conceitos ou autores”, diz Fernanda.

Criada a partir de uma atividade num curso de pós-graduação oferecido pela professora Beatriz Perrone-Moisés, a iniciativa recebeu recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e, desde então, o projeto não para de crescer. Além do número de verbetes, a equipe também foi ampliada pela incorporação no comitê editorial de professores e pesquisadores de outras universidades públicas paulistas, como Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 

Outra conquista foi a formalização da publicação, registrada neste ano com o ISSN (International Standard Serial Number), sigla em inglês para Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas, que é o código aceito internacionalmente para individualizar o título de uma publicação seriada. Esse número se torna único e exclusivo do título da publicação ao qual foi atribuído. “Com o registro, os colaboradores têm um incentivo maior para publicarem e o aumento do número de submissões é um sinal disso”, conta a coordenadora.

Para participar da produção de verbetes, é preciso acessar o site e submeter os materiais à equipe organizadora. Os verbetes chegam ao comitê editorial para avaliação, realizada nos meses de março e agosto de cada ano. As contribuições devem ser enviadas por e-mail em formato .doc ou .docx. Os textos também devem vir acompanhados da indicação de três a cinco palavras-chave, separadas por vírgula. Novos termos podem ser indicados e serão avaliados pela equipe editorial.

De acordo com Fernanda, a comissão editorial zela pela qualidade dos verbetes, avaliando-os e dialogando com os autores para que possam realizar adequações de forma e de conteúdo para chegar ao modelo já estabelecido pela EA. “Isso faz com que nós funcionemos como uma espécie de ‘ateliê’ de escrita, de aprendizado de um tipo específico de texto, fundamental para a comunicação além dos muros acadêmicos”, conclui.