Unidade de Terapia Intensiva infantil do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Dante Pazzanese: o desafio de

tratar 500 mil corações por ano

Localizado na capital paulista, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia aposta na gestão financeira eficiente para manter-se como referência em doenças cardiovasculares

 11/08/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 14/09/2023 às 8:49

Hérika Dias

“A característica maior do hospital é a humanização. Não basta querer fazer pesquisa, ensino, se não tiver humanismo.” Assim, o diretor do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), o médico Fausto Feres, define o trabalho do hospital que há 69 anos atua com o diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares através do Sistema Único de Saúde (SUS). O instituto é uma das entidades associadas à USP que podem colaborar no ensino, na pesquisa e na extensão de serviços à comunidade prestados pela Universidade.

O IDPC é um dos 300 centros especializados de alta complexidade cardiovascular no Brasil. Ele é uma unidade hospitalar da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e está instalado na capital paulista. Todos os dias, cerca de duas mil pessoas passam pelo Dante Pazzanese em busca de tratamento ou para descobrir se têm alguma cardiopatia.

O atendimento vai desde o pronto-socorro de portas abertas até a realização de transplantes de coração. Somente no ano passado, foram mais de R$ 326 milhões para manter a infraestrutura, os insumos e medicamentos, e os mais de 600 mil consultas e exames realizados no ano.

Um dos destaques do hospital são os procedimentos para implantar marcapassos e desfibriladores (CDI). Os dispositivos ajudam a monitorar e controlar o coração de pacientes que sofrem com arritmias ou insuficiência cardíaca graves.

“Nós somos o serviço que mais implanta marca-passo hoje no País, provavelmente no mundo é difícil achar um serviço com os nossos números. No ano passado, foram 866 implantes de marca-passo e desfibriladores”, enumera o diretor do Dante Pazzanese.

Para conciliar a alta demanda de atendimentos na rede pública, um orçamento restrito e implementar uma cultura de humanização, o instituto aposta na gestão eficiente de recursos baseados no ESG, sigla em inglês que corresponde a práticas sustentáveis nas áreas ambientais, sociais e de governança.

Fausto Feres, diretor do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

São ações, por exemplo, como o uso racional de água, energia e gestão de resíduos, atividades para o bem-estar dos mais de 2,6 mil funcionários e garantir a humanização do atendimento, com ênfase em resolver o problema do paciente o mais rápido possível, com cordialidade e pontualidade.

A realização dessas ações só é possível com o trabalho da Fundação Adib Jatene (FAJ). A fundação não tem fins lucrativos e foi criada em 1984 para apoiar e ajudar na organização, administração e finanças do IDPC.

“A fundação garante a autonomia de gestão suficiente para não haver quebra de continuidade nas ações assistenciais, de pesquisa e de ensino para a população do Estado de São Paulo e do País que dependem do SUS”, diz Fausto Feres.

Entrada do instituto e UTI pediátrica em cardiologia - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Quase metade dos custos do hospital no ano passado foi financiada com verbas da FAJ: R$ 153 milhões dos R$ 326 milhões. E o próprio quadro de funcionários conta com o apoio: dos 2,6 mil, quase metade deles são contratados via fundação.

“Somos 370 médicos, é pouco ainda, mas há uma dificuldade de ter mais médicos concursados. Somando os residentes, somos quase três mil pessoas que trabalham aqui. Têm funcionários públicos concursados e os funcionários que são da Fundação Adib Jatene”, conta Fausto Feres.

O instituto recebe pacientes encaminhados para atendimentos de alta complexidade que envolvam procedimentos que demandam tecnologia de ponta, como cirurgias e transplantes.

São pacientes que não respondem aos tratamentos em centros de terapias, necessitam de exames e cirurgias mais invasivas, precisam de cuidados constantes para a reabilitação ou mesmo buscam descobrir se têm ou não alguma cardiopatia – designação para doenças e condições médicas capazes de afetar o coração e o sistema vascular.

Eles são direcionados ao hospital após encaminhamento médico, via SUS, para a cardiologia ou chegam através do pronto-socorro. Chamado de “Portas abertas”, o pronto-socorro do instituto Dante Pazzanese basicamente atende qualquer pessoa que busca atendimento, disponibilizando 34 leitos e uma enfermaria de retaguarda com 40 leitos. 

O desafio da equipe é fazer a triagem para problemas cardiológicos mais complexos, que é o foco do hospital. Segundo o diretor do IDPC, o pronto-socorro é para quem está com sintomas como dor aguda no peito e falta de ar aguda.

Pacientes com problemas cardíacos em atendimento no Instituto Dante Pazzanese - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A diretora da Divisão Técnica Auxiliar, Lilian Otoni, conta que antes de um novo paciente passar por uma consulta no ambulatório, ele é recebido pelo serviço social do instituto. São explicados como funcionam as consultas e os serviços oferecidos no Dante Pazzanese, e que existe a possibilidade de que ali não seja o local adequado para o seu tratamento.

“O nosso atendimento é terciário. Se a doença do paciente for grau leve, por exemplo, é para ser atendido na rede primária [Unidades Básicas de Saúde – UBS]. O paciente é avaliado pelo médico, que decide, por exemplo, se aquela hipertensão pode ser acompanhada na rede primária. Toda essa orientação o paciente recebe na hora em que ele chega ao Dante.”

O hospital é voltado para o atendimento dos moradores da cidade de São Paulo, mas, na prática, como muitas regiões não conseguem realizar o serviço oferecido no IDPC, 30% dos pacientes vêm de outros Estados brasileiros.

Instalações do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Como saber se tenho uma doença cardíaca?

O primeiro passo para investigar se uma pessoa tem ou não cardiopatia é a consulta médica com o cardiologista. É o momento de fazer a história clínica, na qual o médico vai reunir informações sobre as condições de saúde do paciente, resultados de exames, levantamentos de doenças atuais e na família.

“A consulta é o procedimento mais importante porque é o relacionamento humano. Quando o paciente vem aqui, ele tem que entender que o médico está ali para resolver o problema dele. Essa é a cultura da nossa instituição”, afirma o diretor Fausto Feres.

Uma vez realizada a história clínica, começam exames de eletrocardiograma e de raio-x de tórax que auxiliarão na resposta se o paciente tem ou não cardiopatia. O diretor do Dante Pazzanese diz que em 85% dos casos é possível obter a resposta durante esse processo.

Se não for possível, serão realizados mais procedimentos, como ecocardiograma (ultrassom do coração), tomografia, ressonância magnética, teste ergométrico, exame de medicina nuclear. 

Feres explica que esses são procedimentos ambulatoriais. “São dois mil pacientes que vêm aqui todo dia para fazer exames ou consultas. Isso faz com que sejam 40 mil por mês e 500 mil por ano.” Tudo realizado gratuitamente através do Sistema Único de Saúde. 

Exames de imagem auxiliam na descoberta de problemas cardiovasculares - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A diretora da Divisão Técnica Auxiliar lembra que, além dos médicos, os pacientes são atendidos por toda uma equipe multiprofissional que inclui enfermagem, nutrição, farmácia, assistência social, psicologia e odontologia. 

“Quando o médico atende um paciente, ele tem duas missões: melhorar a qualidade de vida ou prolongar a vida. Nem sempre é simples fazer isso, às vezes, o médico precisa mais confortar do que aliviar. Quando você dá um comprimido, um remédio, é porque você quer prolongar a vida e quer melhorar a qualidade de vida”, diz Fausto Feres.

Atendimento no Dante inclui equipe multiprofissional - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Como é ser paciente do Dante Pazzanese?

Fabiano Vilela Silva, paciente do Instituto Dante Pazzanese - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Em geral, um paciente cardiopata é acompanhado ao longo da vida pelos médicos. “É difícil fazer a cura da maioria das doenças do coração, mas você melhora, alivia. Em medicina, você consegue curar doenças infecciosas como amigdalite, pneumonia”, ressalta o diretor do IDPC.

Isso faz com que muitos pacientes desenvolvam um relacionamento mais próximo com a equipe do Dante Pazzanese. Em mais de 30 mil pesquisas realizadas no ano passado, 98,63% demonstraram satisfação com o atendimento no instituto. 

A história do personal trainer Fabiano Vilela Silva, 38 anos, com o Dante Pazzanese ocorreu em dois momentos distintos. Aos 18 anos, ele jogava basquete como atleta profissional. Durante o tratamento de uma lesão no joelho, foi detectada uma alteração nos seus exames e ele foi encaminhado ao IDPC. O diagnóstico foi miocardite, uma inflamação da região do miocárdio, a camada média do músculo cardíaco.

Com esse músculo inflamado, a tendência é que diminua o bombeamento satisfatório de sangue para outros órgãos do corpo. “No início, foi um choque para minha família, eu estava para assinar um contrato com um clube de basquete no exterior”, conta Fabiano. 

Depois do diagnóstico, começou o tratamento. “A miocardite foi tratada, fiquei uns seis meses em acompanhamento, e uns dois anos fazendo o check-up a cada seis meses. O médico disse que a infecção estava curada e, graças a Deus, não tive nenhum problema, voltei a jogar basquete profissionalmente.”

No ano passado, o personal trainer voltou ao hospital. O problema não estava relacionado à miocardite anterior, na verdade, ainda não se chegou a um diagnóstico. Após ter contraído a covid-19 por três vezes e ter tomado as vacinas, Fabiano começou apresentar cansaço, perda de peso, de cabelo, falta de apetite, ansiedade e o coração começou a bater mais acelerado. Sintomas não compatíveis com seu estilo de vida saudável e esportivo.

 Ele procurou médicos do seu convênio médico e começou a fazer exames. “Fui pulando de médico em médico e ninguém sabia explicar o que estava acontecendo. Os médicos falaram que meu coração praticamente não funcionava mais e que eu tinha um problema muito grave; chegaram a me dizer que eu precisaria de um transplante.”

A médica cardiologista Edileide de Barros Correia, que acompanha o tratamento do personal trainer - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Fabiano então procurou um posto de saúde da rede pública e foi encaminhado para o Dante Pazzanese. A médica cardiologista Edileide de Barros Correia é quem acompanha o personal trainer, que foi submetido a vários exames. A inflamação aguda e crônica (miocardite) do coração foi descartada. 

A cardiologista explicou que, às vezes, não é possível chegar à etiologia das doenças do miocárdio, ou seja, determinar sua origem. “Nesses casos, investigamos as causas possíveis e, quando elas são negativas, falamos de miocardiopatia dilatada idiopática, que é o caso do Fabiano.” 

A miocardiopatia está relacionada com alterações do músculo cardíaco em que as duas câmaras inferiores do coração (ventrículos) aumentam de tamanho e não são capazes de bombear sangue suficiente para satisfazer as necessidades do corpo.

Uma das hipóteses para o problema do Fabiano é que possa ser uma questão genética ou que tenha ocorrido alguma mutação após a covid. “Ainda que não haja uma definição, sabemos como tratar; é a mesma situação de outras doenças, só não tem uma etiologia específica como em outras situações.” 

O personal trainer destaca a confiança e a tranquilidade que a Edileide lhe passou desde a primeira consulta. “Ela me disse que poderia ser resquício de uma covid longa, que eles iriam cuidar de mim e que provavelmente ficarei bem.” 

Em quase um ano de acompanhamento, os exames dele apresentaram melhoras. “Estamos investindo em tudo que há de melhor no tratamento. Hoje, temos medicamentos novos com essa capacidade de recuperar a função ventricular”, conta a cardiologista do IDPC. 

“Tenho um carinho especial pela doutora Edileide e o pessoal daqui do Dante por tudo que eles vêm fazendo por mim, por esse acompanhamento, profissionalismo e a ética que eles têm, que é incrível. Desde muito tempo, lá atrás até hoje, é um padrão que nem na rede particular eu tive. Então sou muito grato, em primeiro lugar, a Deus, e ao que eles fizeram aqui por mim.”

Diagnósticos de problemas cardíacos a distância

Tele-ECG conta com monitoramento 24 horas - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A atuação do hospital não se restringe ao atendimento presencial. Hoje, mais de 200 cidades no Estado de São Paulo contam com o apoio do Dante Pazzanese para diagnosticar precocemente qualquer problema no coração e salvar a vida de pacientes. 

O tele-ECG (tele-eletrocardiograma) é uma rede de equipamentos distribuídos em hospitais e ambulatórios públicos que normalmente não dispõem de um cardiologista 24 horas para interpretar eletrocardiogramas. O aparelho funciona com sinais de celular e se comunica com um servidor central automaticamente pela internet, não precisa de energia elétrica e pode funcionar a bateria. 

O diretor de pesquisa do IDPC, Kleber Franchini, explica que os eletrocardiógrafos são produzidos pelo próprio instituto e distribuídos no sistema público de saúde do Estado. 

“O paciente chega com uma dor no peito, por exemplo, em um lugar que não tem uma estrutura de hospital terciário. O médico que o atende, às vezes, precisa do auxílio de um especialista em cardiologia. É realizado o eletrocardiograma, que imediatamente é avaliado por um médico do Dante Pazzanese e dado um diagnóstico.”

Kleber Franchini, diretor de pesquisa do Instituto Dante Pazzanese - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O eletrocardiograma é um exame que avalia a atividade elétrica do coração por meio de eletrodos colocados na pele. A partir do exame, é possível detectar o ritmo do coração, o número de batimentos por minuto e diagnosticar vários problemas cardíacos.

Uma das cidades em que o aparelho está instalado é o pronto-socorro de Rincão. Uma cidade de pouco mais de 9 mil habitantes, no interior do Estado. E a própria jornalista que escreve este texto não sabia, mas já foi beneficiada pelo tele-ECG do Dante Pazzanese.  A descoberta foi realizada durante a entrevista.

Na manhã de 11 de julho de 2016, acordei com dores no peito e o braço direito dormente. Estava na casa da minha família, que me levou ao pronto-socorro. Passei pela consulta com o médico de plantão, que realizou um eletrocardiograma. 

A interpretação do exame e o laudo foram realizados pela equipe do IDPC, em São Paulo. Não havia nenhum problema com o meu coração. O diagnóstico dado pelo médico plantonista foi estresse.

O diretor de pesquisa conta que o IDPC quer expandir o que ele chama de medicina estendida, o atendimento individual e a distância. Um dos testes é monitorar o coração do paciente enquanto ele aguarda a consulta médica e verificar, por exemplo, uma arritmia. Aproveitar o tempo de espera para coletar dados que poderão ser utilizados já naquela consulta.

“Quando usamos tecnologia, melhoramos o tempo em que o médico pode olhar no olho do paciente, estabelecer uma relação de empatia, que é fundamental em qualquer profissão em que um ser humano se relaciona com o outro. A atividade médica é fundamentalmente entender o paciente. Permitir mais tempo de interação entre paciente e médico estabelece uma relação de confiança a ponto de dizer algo além das dores, situações em que você vivenciou íntima e pessoalmente, importantes para a cardiologia”, disse Franchini.

“A ciência que é produzida aqui chega ao paciente. Essa é a diferença”, destaca o diretor do Dante Pazzanese, Fausto Feres.


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