Em um auditório lotado, a quarta edição do Seminário Internacional de Urbanização de Favelas celebrou o lançamento de dois novos polos de estudos e pesquisas. O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) A Casa e a Cidade, e o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) CEFAVELA, ligados, respectivamente, à Faculdade de Arquitetura e de Design (FAU) da USP e à UFABC. Os dois centros de pesquisa têm como objetivo o desenvolvimento de estudos, formação de recursos humanos, transferência de tecnologia a diversas instituições, movimentos e organizações sediadas e comprometidas com a agenda das favelas.
O anúncio dos novos centros foi feito na quinta-feira, 21 de novembro, durante o encontro que teve lugar no Centro de Difusão Cultural (CDI) da USP. O Seminário ocorreu entre os dias 20 e 23 de novembro das 9 às 19 horas e reuniu especialistas no desenvolvimento de estudos sobre as favelas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) obtidos pelo censo demográfico de 2022, indicam que mais de 16 milhões de pessoas — 8,07% da população brasileira — residem em favelas. Em 2016, o Ministério das Cidades interrompeu o Programa de Aceleração do Crescimento na Modalidade Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP). Essa falta de investimento deixou muitos contratos em aberto e obras para concluir e ocasionou o aumento da precariedade nesses assentamentos ampliando a invisibilidade de seus moradores.
Para a professora Karina Leitão, da FAU, que faz parte da organização do evento, a importância do seminário está na sua relação com as periferias e as intervenções para essas áreas estão no centro do debate científico sobre o tema em nossa universidade e em colaboração com a UFABC. “Os dois centros têm uma agenda de pesquisa futura bastante promissora e ambiciosa para entendimento de como a universidade pública e a ciência no Brasil podem colaborar para melhoria das condições de vida em territórios populares”, afirmou Karina durante o encontro.
“As condições das favelas vêm se agravando de um certo ponto de vista, mas também a partir dos esforços familiares para urbanização, autourbanização e autoconstrução, é bem verdade que as condições de vida nesses territórios vem se dando de tal maneira que as favelas brasileiras são uma verdadeira política habitacional que acontece nesse país. Temos muito a avançar, na forma de compreender, de uma maneira complexa nesses territórios e temos muito por fazer de uma tal forma que a universidade pública não prevarique da sua responsabilidade em pautar sobre esses temas populares, cientificamente, politicamente e tecnicamente”, concluiu Karina.
Bolha da invisibilidade
A professora Erminia Maricato, da FAU, na sua fala de na abertura do evento, lembrou que a criação de dois centros de pesquisa são fundamentais para tirar a invisibilidade que os moradores das favelas estão sujeitos e que somente através da junção de pessoas que estudam e militam sobre essa realidade é que se alcançará mudanças significativas para essa comunidade. “ Hoje estamos dando um passo para furar a bolha sobre a invisibilidade que paira sobre os moradores das favelas, combater o analfabetismo urbano e mostrar como uma parcela significativa da população realmente vive”, enfatizou Erminia.
Para João Sette Whitaker, diretor da FAU, a parceria dessas duas instituições de pesquisa estudando o tema da urbanização de favelas tem de ser valorizadas. “O tema urbanização de favelas, que estamos envolvidos há muitas décadas, passa a receber o voto e a chancela de importantes instituições de fomento à pesquisa. Do ponto de vista acadêmico, conseguimos levar esse tema com a seriedade que ele merece”, disse o diretor.
Conforme Julia Lins Bittencourt, da Secretaria Nacional de Periferias do Ministério do Ministério das Cidades, o PAC-UAP realizado há 15 anos, pelo Governo Federal foi fundamental para a urbanização de favelas, mas ressalta que a falta de programas para esse tipo de habitação vem sumindo das agendas públicas por se tratar de obras complexas que demandam muito tempo. “O programa de urbanização de favelas vem sumindo da agenda pública porque as obras para sua implementação são longas e os moradores que estavam lá no começo, geralmente não estarão lá na sua conclusão. Outro fato é a temporariedade da política. As obras começam em um mandato e quem conclui, geralmente, é seu sucessor”, observou Juliana.
Benedito Barbosa, da Central dos Movimentos Populares (CMP) e da União dos Movimentos de Moradia (UMM), ambas de São Paulo, que participou da mesa Favela Brasil, lembrou que as favelas vêm ao longo dos anos resistindo e lutando para continuar existindo. Ele exalta o UrbFavela como um importante fórum permanente de discussão para ampliação da resistência e da construção de lutas populares. “É um importante espaço de reflexão e de debates em que participam a representação dos movimentos populares, dos moradores das ocupações, estudantes, professores, pesquisadores e dos agentes que atuam nas favelas do Brasil e que possamos sair daqui com alguns encaminhamentos que ajudem a favela a continuar a existir”, comentou Benedito.