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Como a universidade pode melhorar o mundo? Jogos vão mostrar em nova disciplina da USP

Em Game ON: Ciência, Fake News e Sustentabilidade, estudantes produzirão jogos que articulam todas as áreas do conhecimento pensando soluções para problemas complexos da sociedade; alunos da USP podem se inscrever até o dia 2 de agosto

29/07/2021

Amanda Mazzei

Para a Agenda 2030 ser cumprida no Brasil, ainda há um longo caminho pela frente. O compromisso assumido por líderes de 193 países, incluindo o Brasil, com coordenação da Organização das Nações Unidas (ONU), envolve 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas a serem atingidas até 2030, que buscam efetivar os direitos humanos, a promoção do desenvolvimento sustentável e diminuição das desigualdades nos países e também entre eles. Esses objetivos não são simples, afinal, “acabar com a pobreza” ou “alcançar a igualdade de gênero” no mundo de hoje são conquistas que exigirão grandes mudanças para se concretizarem.

A mais nova disciplina optativa livre da USP, que permite a inscrição de alunos de todos os cursos, oferecida pela Pró-Reitoria de Graduação, quer mostrar a importância da ciência e dos conhecimentos produzidos na Universidade para ajudar a promover mudanças e construir um mundo melhor, além de disseminar esses conhecimentos de forma didática e acessível.

Para isso, os alunos deverão criar, ao longo do curso, uma plataforma interativa que leve a discussão à USP e à comunidade externa, em um formato de jogo muito instigante, o escape game. Os jogos deverão articular diversas áreas do conhecimento para mostrar como situações-problema complexas da realidade podem ser solucionadas, pensando ainda no combate às fake news que permeiam cada uma. Essas situações-problema partem dos ODS para abordar temas sociais importantes, como violência doméstica, pobreza, desmatamento, depressão, etc.

Coordenada por Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), vice-coordenada por Guilherme Andrade Marson, professor do Instituto de Química (IQ), e organizada por um grupo de diferentes áreas do conhecimento, a disciplina Game ON: Ciência, Fake News e Sustentabilidade também é um projeto de extensão: os trabalhos desenvolvidos ali deverão servir como material de apoio a professores do ensino médio em diversas disciplinas e de suporte ao programa A USP e as Profissões na divulgação da Universidade para potenciais candidatos a estudantes.

“A gente quer que os nossos estudantes saiam dessa disciplina percebendo que a realidade é complexa, e justamente os nossos problemas muito complexos é que são os mais importantes. Para estes, as soluções também são complexas e exigem uma visão multi, inter e transdisciplinar”, diz Abdulkader.

Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader, coordenador da nova disciplina na USP - Foto: Divulgação/ICB USP

Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader, coordenador da nova disciplina na USP - Foto: Divulgação/ICB USP

Os encontros serão on-line e acontecerão no período noturno. Serão oferecidos seis créditos-aula e três créditos-trabalho a quem cursar a disciplina, que tem carga horária total de 180 horas. É possível se inscrever durante a segunda interação da matrícula no sistema Júpiter Web, que vai até dia 2 de agosto.

Grupo de trabalho que organiza a disciplina Game ON - Foto: Reprodução / Google Meet

Não precisa saber

programar jogos

O conceito de jogo escape game, escape room ou jogo de fuga consiste em manter o jogador em um ambiente virtual em que ele precisa resolver algum tipo de enigma para prosseguir. São esses ambientes virtuais interativos que as equipes de alunos terão de construir como trabalho final da disciplina. 

Os jogos deverão necessariamente conter discussões sobre fake news relacionadas às situações-problema e aos ODS, e apresentar iniciativas desenvolvidas na USP, além de formações em nível de graduação, que poderiam contribuir para as soluções. 

Mas quem não está familiarizado com programação não precisa se preocupar, já que a organização garante que os processos serão simplificados. “A gente partiu do seguinte princípio: além de a dificuldade na linguagem ser algo que afastaria estudantes, a gente sabe que um jogo supersofisticado precisaria de uma estrutura computacional também supersofisticada, o que não é acessível”, explica Marson.

Ele diz que serão oferecidas oficinas das ferramentas e linguagens de programação simples que serão utilizadas nos trabalhos, como o Google Forms, Google Sites, WordPress e H5P.  “O H5P, por exemplo, é um plugin para quem não sabe programar. A curva de aprendizagem é muito rápida, e além disso os alunos não estarão sozinhos. Os trabalhos serão em times, as pessoas vão se distribuir nas suas diferentes contribuições, além do apoio dos monitores, é claro.” 

Guilherme Andrade Marson, vice-coordenador da disciplina Game ON - Foto: Divulgação/IQ USP

Jogo do tipo scape room - Foto: Reprodução / Akamai Games

Abdulkader conta que para criar os jogos-modelo que serão apresentados no início do curso, muitos dos professores, que não tinham familiaridade com programação, “sentiram a experiência na pele” de quais seriam as dificuldades que os estudantes enfrentariam na disciplina. “Aprendendo juntos, em grupo, com oficinas e apoio uns dos outros, nós conseguimos. Sei que os estudantes também vão tirar de letra.”

A professora Lenita Maria Rimoli Pisetta, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), complementa, sobre o nível de exigência da disciplina: “É um curso de seis horas por semana, então fiquei pensativa se isso não seria muito pesado para os alunos. Mas avaliando como tudo está sendo organizado, eu tenho a impressão de que eles vão trabalhar durante as aulas, e não necessariamente fora delas. Não vai ter ‘dever de casa’. Então, por mais que possa parecer bem assustador a princípio, não é.”

Lenita Maria Rimoli Pisetta, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Foto: Divulgação/FFLCH USP

Impacto na comunidade interna e externa

Marciel Aparecido Consani, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) que vai atuar no curso, frisa as intenções do projeto de ir além do ensino para graduandos. “Queremos, por meio da graduação, disponibilizar objetos de aprendizagem para além da comunidade USP, integrando ensino com extensão e também com pesquisa, colocando os conhecimentos da Universidade a serviço da sociedade.”  O grupo ainda tem planos de futuramente lançar um curso de extensão para professores de ensino médio utilizarem os jogos em sala de aula. O vice-coordenador complementa: “Nós acreditamos muito na potência da graduação. Eles produzem coisas incríveis.”

Sobre a escolha dos ODS como plataforma, Marson afirma que eles são um “arcabouço” de formas de encarar os problemas do mundo contemporâneo e de encaminhar soluções. “É um documento que representa o que seria um mundo viável, e ele pode ser considerado algo pacificado. Tudo que se opõe a essas coisas representa o que existe de mais retrógrado na sociedade.”

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Marciel Aparecido Consani, professor da Escola de Comunicações e Artes - Foto: Divulgação/ECA USP

Comentando o outro eixo do projeto, das fake news, ele defende a importância da ciência e o papel da Universidade em se opor à desinformação. “Essa é a nossa batalha principal. Em um momento em que temos pessoas tomando cloroquina para a covid-19, ou médicos deixando de tomar vacina, não é só mais uma questão de certo ou errado do conflito científico. Esse embate se torna ético e, no meio desse embate ético, como alvo e também como saída, estamos nós, na universidade pública e gratuita. E queremos continuar assim.” 

Consani destaca que os professores vão trabalhar muito a questão da informação científica e da qualidade da informação. “Vamos articular os objetivos do milênio defendidos pela ONU nos ODS, explorando os repositórios de informação da USP e conectando uma coisa à outra”, diz.

Quais são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

De acordo com a ONU, os 17 ODS são “um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”, que deveriam ser cumpridos a fim de atingir a Agenda 2030 no Brasil. Clique na imagem para ampliar e ver quais são eles.

Horizontalidade e diálogo entre áreas do conhecimento

Se para compreender a realidade, a sociedade e suas problemáticas de forma ampla é preciso articular muitos conhecimentos e áreas de estudo diferentes, oferecer um curso que se propõe a abrir essa discussão também demanda várias cabeças pensantes. 

A organização da Game ON é multidisciplinar e feita por 21 pessoas de diferentes institutos e formações: nove docentes da USP ligados à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), à Escola de Comunicações e Artes (ECA), ao Instituto de Matemática e Estatística (IME), ao ICB, IQ e à FFLCH; um docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); um funcionário USP da FMVZ, uma pós-doutora voluntária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); cinco monitores estudantes de graduação (vindos da FMVZ, ICB, FFLCH e ECA) e quatro monitores da pós-graduação da Faculdade de Medicina (FM), Faculdade de Saúde Pública (FSP), ECA e Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF).

Marson destaca a dinâmica de construção coletiva e horizontal do grupo. “Ter pessoas de muitas áreas do conhecimento é essencial para essa disciplina. Artificialmente você pode tentar fatiar o cotidiano, mas tanto os ODS quanto os problemas do mundo concreto precisam ser vistos de maneira sistêmica. A gente contribui com diferentes competências e diferentes expertises para compor esse todo. Atualmente, o Fernando ‘está’ coordenador e eu ‘estou’ vice, mas a coisa está sendo bastante horizontalizada, todos pensando juntos e com muita liberdade de criação.” 

Claudemir Edson Viana, professor da ECA que faz parte do corpo docente, diz que essa horizontalidade deve se estender também aos estudantes. “A metodologia vai ser essa, com os alunos protagonistas e proponentes no processo. Eles terão esse desafio de pensar, coletivamente, um produto que vai ter desdobramentos sociais imediatos, já que o jogo visa a um público de ensino médio.”

Claudemir Edson Viana, professor da Escola de Comunicações e Artes - Foto: Divulgação/ECA USP

A composição da turma também será importante nesse processo. Dentre os mais de 150 alunos inscritos na disciplina na primeira interação do Júpiter, a organização contou 46 cursos diferentes, como Direito, Comunicação Social, Ciência da Computação, Arquitetura, Farmácia, Geografia, Engenharia Naval, Estatística, etc. 

Para saber mais sobre a nova disciplina, acesse o Sistema Júpiter, dos cursos de graduação da USP, neste link.