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20 anos da Wikipédia:
como a USP colabora com a enciclopédia mais famosa do mundo?

Iniciativas utilizam a enciclopédia digital para difundir e revisar conhecimentos científicos, além de disponibilizarem parte dos acervos de museus e bibliotecas mantidos pela Universidade

11/03/2021

David Ferrari

Como difundir a produção científica, democratizar o conhecimento, tornar possível o acesso a acervos históricos e aproximar a Universidade da população? Participar de um dos sites mais visitados do mundo, acessado por mais de 1,5 bilhões de computadores e smartphones por mês, segundo dados do Global Digital Report de 2019, é uma das soluções. Este site é a Wikipédia, enciclopédia virtual mantida de forma colaborativa, que completou 20 anos de existência e hoje é referência em pesquisa na internet, conhecida por ser um repositório aberto de conteúdos diversos, explicando termos e conceitos em verbetes. 

Observando a potencialidade dessa ferramenta, universidades de diversos países têm estimulado estudantes, pesquisadores e docentes a integrarem o “movimento wiki”, rede de colaboradores que criam e revisam artigos do site.  Na USP, a ferramenta é utilizada por algumas iniciativas, como os projetos que atuam com os museus – Museu Paulista, Museu de Anatomia Veterinária, Museu de Arqueologia e Etnologia -, o Glam de Bibliotecas da USP, e o Cepid Neuromat, um centro de estudos e pesquisas em matemática e áreas derivadas da neurobiologia. O impacto dessa participação é visível nos números, quando vemos que os conteúdos disponibilizados por grupos da USP em textos, fotos e vídeos contabilizam ao menos 88,4 milhões de acessos no site. 

No Brasil, o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) Neuromat é pioneiro na colaboração com a Wikipédia, conforme explica João Alexandre Peschanski, supervisor de difusão do grupo. “Quando o Neuromat começou [suas atividades na Wikipédia], em 2014, havia alguns professores de universidades brasileiras que realizavam atividades, mas eram ações pontuais e sem vínculos institucionais”, conta.

Ligado ao Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, o Neuromat tem uma equipe multidisciplinar composta por pesquisadores e estudantes de diversas instituições brasileiras com diferentes áreas de atuação, como pesquisa, inovação e difusão. A equipe de difusão é a que atua diretamente com a Wikipédia com o principal objetivo de democratizar o acesso a informações de qualidade produzidas pelas universidades.

Verbete do Neuromat na Wikipedia - Foto: Reprodução/Wikipedia

Por meio da plataforma on-line, a iniciativa trabalha com a criação de artigos sobre os temas pesquisados no centro de estudos, principalmente com probabilidade e estatística, e revisão de conteúdos já postados, complementando com novas informações e adicionando referências bibliográficas e equações matemáticas, por exemplo. O Neuromat também disponibiliza arquivos em formato audiovisual, como vídeos didáticos explicando o funcionamento do cérebro e o Podcast A matemática do Cérebro.

Ao todo, a iniciativa produziu aproximadamente 60 mil artigos, tendo quase 30 milhões de acessos. Além disso, outros 97,5 mil conteúdos foram editados e mais de 40 mil arquivos foram disponibilizados pela plataforma Wikimedia Commons. Foi a maior instituição no mundo em geração de conteúdo matemático de forma estruturada e reportada para a enciclopédia on-line, de acordo com o monitor institucional da própria Wikipédia.

Realização de um wikilab (treinamento para edição na Wikipédia) antes da pandemia - Foto: Rodrigo Argeton/Wikipedia

Museus a um clique

Três museus mantidos pela USP tiveram parte de seus acervos digitalizada e disponibilizada em licença livre através do Wikimedia Commons. O principal deles é o Museu Paulista, espaço centenário que está fechado para execução de obras de restauro e modernização e tem previsão reabertura em 2022.

Há pouco mais de dois anos, o Museu iniciou o compartilhamento de parte de seu patrimônio histórico na internet.  Tendo como objetivo tornar acessível os materiais de interesse da sociedade, o projeto disponibiliza mais de 26 mil conteúdos em imagens e vídeos do acervo, como as célebres pinturas Independência ou Morte, de Pedro Américo, e Fundação de São Vicente, de Benedito Calixto de Jesus.

O resultado do compartilhamento do acervo foi imediato. Somente em seu primeiro mês, os materiais foram acessados mais de 2,3 milhões de vezes. No total, os conteúdos do Museu Paulista somam quase 59 milhões de visualizações.

O quadro Independência ou Morte, de Pedro América, é uma das obras mais visitadas do acervo do Museu Paulista. Foto: Domínio público / Acervo Museu Paulista (USP)

A obra Fundação de São Vicente (1900), de Benedito Calixto, que idealiza a chegada dos portugueses às terras de São Vicente (SP). Foto: Domínio público / Acervo Museu Paulista (USP)

O Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) também disponibiliza parte de seu acervo na internet. Através de imagens, vídeos, projeções e modelagens em 3D, sua principal contribuição na plataforma é na revisão e atualização do artigo sobre a Lapa do Santo, um dos principais sítios arqueológicos brasileiros. A densidade de informações contidas na publicação pode ser observada na quantidade de referências bibliográficas utilizadas, 53 – muitas são de teses, dissertações e artigos realizados por pesquisadores do próprio MAE.

O Museu de Anatomia Veterinária, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) é outra unidade que integra o movimento wiki, com mais de 600 imagens digitalizadas. Atuando na revisão e criação de artigos sobre animais e seus cuidados, o acervo on-line contribui na ilustração, aprendizagem e conhecimento de algumas espécies de animais. Há ainda modelos anatômicos e peças reais que mostram a estrutura óssea e órgãos de aves, anfíbios, répteis e mamíferos.

O Instituto de Matemática também contribui com a enciclopédia digital através do Glam Matemateca. Com a colaboração de estudantes e pesquisadores do instituto, alguns dos materiais de seu acervo voltados às técnicas de aprendizagem interativa foram fotografados, filmados e depois disponibilizados na plataforma Wikimedia Commons. Há ainda modelagens computacionais sobre as formas geométricas menos convencionais, como os polígonos dodecaedros (de dez faces) e icosaedros (com 20 faces), além de equipamentos históricos, como um harmonógrafo e uma base de somar em base 2.

Comunidade universitária de wikipedistas

Um grupo de bibliotecários do IME, juntamente com profissionais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), criou o Glam Bibliotecas da USP, que tem como objetivo colaborar com o movimento wiki na Universidade. Glam é a sigla para Galleries Libraries, Archives, and Museums (galerias, bibliotecas, arquivos e museus) que identifica o conjunto de projetos digitais colaborativos e livres sob a guarda da Fundação Wikimedia.

O grupo tem atuado em três principais frentes: criação de verbetes sobre docentes das unidades, levantamento dos materiais das bibliotecas que podem ser disponibilizados na plataforma e oficinas de Wikipédia para estudantes da graduação.

A primeira etapa, em execução, tem um caráter introdutório. Os bibliotecários realizam um compilado das produções científicas e áreas de atuação dos professores e disponibilizam através da Wikidata, uma base de dados mantida pela plataforma wiki.

A segunda frente tem maior grau de complexidade, pois são realizados trabalho de curadoria e trâmites burocráticos. Apesar das bibliotecas das três unidades reunirem produções escritas e obras artísticas raras e históricas, caso do acervo de xilogravura da FAU e de periódicos da ECA e IME, os espaços não detêm o direito de reprodução. Com isso, os profissionais precisam buscar uma autorização para digitalização. Um dos primeiros materiais a serem disponibilizados é o Boletim da Sociedade de Matemática de São Paulo, publicação que mostra o desenvolvimento da matemática do Brasil.

A terceira área de atuação é a capacitação e estímulo para que membros da comunidade universitária contribuam com a cultura wiki. Para isso, o Glam das Bibliotecas promove oficinas e workshops para wikimedistas. “Estamos engajando alunos para criar e revisar artigos. Fizemos uma oficina no curso de Biblioteconomia ano passado e este ano vamos fazer no curso de Educomunicação”, conta Stela Madruga, chefe-técnica da biblioteca do IME e uma das idealizadoras do Glam dos bibliotecários.