Saúde pública teve gastos de R$ 41 milhões com vítimas de armas de fogo em 2022

Flávia Mori Sarti explica os impactos socioeconômicos da violência armada intencional e afirma que ações voltadas para a saúde, educação e assistência social podem contribuir para a melhoria do quadro

 31/01/2024 - Publicado há 3 meses
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As políticas públicas podem influenciar no aumento ou diminuição da violência armada intencional – Foto: senivpetro/Freepik
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Em 2022, o Brasil gastou R$ 41 milhões do orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) com 17,1 mil internações hospitalares de vítimas de armas de fogo. As agressões intencionais representam 75% das hospitalizações causadas por violência armada, de acordo com dados do Instituto Sou da Paz.

Os gastos direcionados ao tratamento das vítimas consomem recursos da saúde pública que poderiam ser remanejados para a realização de exames preventivos no SUS. A quantia de R$ 41 milhões corresponde a 40,5 milhões de testes rápidos de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), 10 milhões de hemogramas completos e 934 mil mamografias. 

Aumento regional da violência 

Cálculos realizados por Flávia Mori Sarti, professora de Economia e Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e especialista em Políticas Públicas de Saúde, revelam que especialmente na região Centro-Oeste o número de internações por 10 mil habitantes cresceu demasiadamente em 2022 na comparação a todos os períodos desde 1998. 

Tabela

“Alguns dos fatores que estão relacionados com o aumento da violência são normalmente associados à crise econômica e problemas sociais recorrentes. Então, quando você tem um aumento no nível de desigualdade e uma queda nos rendimentos das pessoas, isso normalmente leva a um aumento da violência armada no Brasil”, explica a especialista.

Políticas públicas

As políticas públicas podem influenciar no aumento ou diminuição da violência armada intencional. Ações voltadas para a saúde, educação e assistência social podem contribuir com a queda da violência. Por outro lado, as oscilações econômicas geram crises com potenciais aumentos de agressões intencionais. 

Flávia Mori – Foto: LinkedIn

“Quando a gente tem, por exemplo, aumento do nível de desigualdade econômica e desemprego na população, isso normalmente aumenta o nível de violência. Os períodos que têm maior nível de violência por 10 mil habitantes, desde 1998, são os períodos que a gente teve mais flutuações econômicas adversas,” afirma a professora. 

Além disso, a especialista reitera que as ações de políticas públicas devem ser intersetoriais, ou seja, setores de diferentes atividades devem agir de maneira conjunta para reduzir o problema. “Políticas de educação são muito importantes, porque a formação das pessoas dá mais oportunidades para conseguir emprego, gerando mais oportunidades para as pessoas terem salários melhores, isso reduz o nível de desigualdade na sociedade e, portanto, reduz a probabilidade de termos níveis de violência mais altos”, explicita Flávia.

A professora explica que as políticas de assistência social são relevantes para atender às pessoas em momentos de crise, quando elas estão sem renda e sem emprego. Conjuntamente a isso, políticas de saúde preventiva e econômicas podem criar um cenário de estabilidade e crescimento. “Políticas econômicas bem-feitas, para criar um cenário estável e de crescimento, ainda que não tão alto, mas contínuo, que possam preservar empregos. Porém, não adianta nada ter políticas econômicas em favor do crescimento econômico de emprego, se a gente não forma as pessoas para ocuparem essas vagas de trabalho”, exemplifica a especialista.

Impactos socioeconômicos 

Os maiores impactos sociais derivados das internações por vítimas da violência armada são decorrência da perda da vida humana, os prováveis traumas dos sobreviventes por adquirir possíveis sequelas da agressão por arma de fogo e de seus familiares. Na perspectiva da saúde pública, os efeitos são os custos gerados para o tratamento dessas vítimas.

“O fato de a pessoa ter passado um tempo internada num hospital devido à violência por arma de fogo gera perdas produtivas na sociedade. Se a pessoa passou dois dias internada num hospital para tratar um ferimento por arma de fogo, isso gera gasto de recursos no SUS e, potencialmente, caso essa pessoa tenha sequelas, a gente tem a continuidade desse tratamento para recuperação funcional da vítima “, acrescenta Flávia.

A especialista reitera que as vítimas e seus familiares podem ter perda da renda familiar, devido à morte da pessoa atingida pela arma de fogo ou pela geração de incapacidade desse membro vitimado. As implicações da violência armada geram esse conjunto de malefícios sociais, através de prejuízos financeiros na saúde pública e na qualidade de vida dos envolvidos nas agressões. 

Oscilações econômicas geram crises com potenciais aumentos de agressões intencionais  -Imagem de Steve Buissinne por Pixabay

Prevenção da violência

De acordo com a professora, existe uma vacina em desenvolvimento na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que visa a reduzir o nível de vício em drogas, usando o sistema imunológico do próprio indivíduo. Se o imunizante for eficaz, é possível que seja distribuído pelo SUS para o Brasil e isso reduziria a violência intencional por arma de fogo. 

“A redução do vício em drogas possivelmente reduz o nível de violência por armas de fogo intencional, porque um dos momentos em que isso acontece é quando pessoas que têm vícios em drogas precisam de dinheiro para adquirir essas drogas e vão apelar para a violência. Elas estão em um estado mental alterado e isso faz com que muitas vezes, de forma desesperada, busquem recursos para manter esse vício”, reitera a especialista.

Soluções para a violência intencional

As soluções para reduzir a violência armada intencional e, assim, poder ter menos custos na saúde pública com as vítimas, devem ser planejadas para que exista um efeito de longo prazo. Flávia alega que não adianta somente remanejar as despesas das internações por arma de fogo, pois o problema vai continuar sendo perpetuado a curto prazo e evidencia quais seriam as soluções viáveis para mudar o cenário no futuro. 

“Uma das políticas que devem ser iniciadas primeiro é a política educacional de investir em boa qualidade de ensino fundamental e médio para a população, porque isso vai se traduzir em melhor empregabilidade, maior renda e redução das desigualdades econômicas na população daqui a oito a 12 anos. Então, se começar agora esse tipo de política, vai ter efeitos de médio e longo prazo que vão reduzir essa violência por arma de fogo”, expõe a professora.

Outras políticas públicas que iriam reduzir a violência por arma de fogo e que consequentemente iriam poupar recursos financeiros da saúde pública são as ações sociais e econômicas. Essas políticas funcionam em curto prazo, mas auxiliam a população a manter a qualidade de vida. “A assistência social que nos momentos de crise econômica vai auxiliar as pessoas a manter suas necessidades básicas no cotidiano, sem serem compelidas a um ato de violência para obtenção de recursos para sua família, e, aliado a isso, políticas econômicas que vão manter o nível de emprego”, informa a especialista.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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