“O Conselho de Segurança assemelha-se a um paciente terminal que respira por aparelhos”

Amaral Júnior considera que há um clima de deterioração crescente das relações multilaterais no plano da Organização das Nações Unidas

 27/10/2023 - Publicado há 1 ano
Historicamente, a falta de ação efetiva do Conselho de Segurança já foi observada em outros contextos
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O conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas, iniciado em 7 de outubro, tem causado inúmeras perdas para ambos os lados. Diante da emergência humanitária, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) tenta desenvolver projetos de resolução para a guerra. Porém, iniciativas dos Estados Unidos, Rússia e Brasil, por exemplo, foram vetadas e o cenário permanece sem qualquer intervenção efetiva. 

Soma-se à dificuldade de decidir alguma medida para resolução do grave problema a recente suspensão de vistos de funcionários da ONU por Israel, como resposta a comentários feitos pelo secretário-geral da organização, António Guterres. Alberto do Amaral Júnior, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP, afirma que a situação evidencia uma profunda crise no órgão. “O Conselho de Segurança, hoje, assemelha-se a um paciente terminal que respira por aparelhos no aguardo de uma solução milagrosa, que talvez venha em algum momento, mas não no curto prazo”, analisa. 

Negociações passadas

Historicamente, a falta de ação efetiva do Conselho de Segurança já foi observada em outros contextos, como o da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, que também envolvia segurança e paz no campo das relações internacionais. No entanto, o professor explica que a discussão bilateral, ou seja, entre os países envolvidos, é mais comum. 

“Agora, nós estamos diante de uma situação nova, estamos diante de duas guerras: a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a guerra de Israel contra o Hamas”, pontua. Além disso, o potencial explosivo de ambos os conflitos e a possibilidade de expansão para outras regiões estabelece um cenário internacional sem precedentes, segundo o especialista. 

Negociações discutidas 

A dinâmica de discussões de propostas no Conselho de Segurança se estabelece de forma que, independentemente do número de aprovações, a partir de um único veto, a resolução é revogada. O professor comenta que as recentes assembleias para debater as soluções ressaltaram os tradicionais embates geopolíticos, como entre Estados Unidos e Rússia, assim como China e Estados Unidos. 

Alberto do Amaral Júnior – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“A posição da China reflete uma política externa assertiva que procura sustentar os interesses chineses ao redor do mundo e contrapor-se à hegemonia norte-americana com o pano de fundo da situação de Taiwan”, relembra Amaral Júnior. O veto chinês, assim, pode ser observado como resposta ao apoio estadunidense, inclusive militar, à Taiwan – ainda considerada parte do território nacional e não independente. 

Interesses em jogo

Mesmo diante de inúmeras emergências, a disputa constante no Conselho de Segurança da ONU tem se estendido e permanece inerte em relação a decisões práticas. O professor Alberto do Amaral Júnior destaca a pluralidade de questões que envolvem tanto a garantia dos direitos humanos quanto os interesses das grandes potências geopolíticas. 

Por um lado, o direito de Israel da legítima defesa, mencionado pelo especialista, é indiscutível, na medida em que é garantido pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas, assim como cumpre as condições impostas. Por outro lado, as urgências humanitárias – hospitais, feridos, abastecimento de água e energia cortados – na Faixa de Gaza também são de extrema gravidade. No ambiente internacional, os Estados Unidos tentam buscar certo protagonismo nas relações do Oriente Médio. Em contraponto, Rússia e China buscaram maior aproximação com países como Irã e Arábia Saudita.

Perspectivas de solução 

“Existe uma pequena possibilidade de resolução humanitária, eu digo pequena possibilidade, porque Israel concordou que houvesse intervalos humanitários, os quais eram muito criticados anteriormente por Israel”, prevê o professor. A proposta não consiste em um cessar-fogo de fato, mas paralisações determinadas de hostilidades de conflito, como bombardeios, para que a assistência humanitária possa chegar à região da Faixa de Gaza. 

No entanto, Amaral Júnior também pondera que o clima atual é de deterioração crescente das relações multilaterais no plano da Organização das Nações Unidas. “Foi anunciado um plano de que os Estados Unidos instalem mísseis em todas as suas bases do Oriente Médio antes de Israel ingressar na Faixa de Gaza, porque os Estados Unidos temem eventuais represálias, mostrando, por exemplo, a grande possibilidade de que não haja uma solução pacífica ou não haja mesmo uma assistência humanitária”, alerta o especialista.


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