Nova regulamentação implanta medidas mais rigorosas e restritivas para o porte e compra de armas

Maurício Stegemann Dieter e Felipe Ramos Garcia falam sobre a política de desarmamento, implantada pelo governo Lula, a qual vai contra a flexibilidade adotada pelo governo de Jair Bolsonaro no tocante à aquisição de armas

 14/08/2023 - Publicado há 9 meses
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O discurso contra o desarmamento se baseia na ideia de uma liberdade individual – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Um Novo Estatuto do Desarmamento foi aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir do Decreto 11.615, de 21 de julho de 2023. Na nova regulamentação nota-se uma política muito diferente do último governo ao implantar medidas mais rigorosas e restritivas acerca do porte e compra de armas. Esse posicionamento vai ao encontro de opiniões de especialistas e da maioria da população brasileira: de acordo com uma pesquisa realizada pelo DataFolha, em 2022, cerca de 70% discordam da ideia de que “é preciso facilitar o acesso de pessoas às armas”. 

Por outro lado, a oposição que defende o armamento civil, conhecida como “Bancada da Bala”, reagiu a partir da elaboração de um Projeto de Decreto Legislativo com mais de 50 assinaturas em favor da derrubada do novo estatuto. Os parlamentares alegam uma “extrapolação no poder regulamentar” e criticam a transferência da responsabilidade da fiscalização para a Polícia Federal. 

Flexibilização

Maurício Stegemann Dieter – Foto: Reprodução/Direito USP

Maurício Stegemann Dieter, professor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP, esclarece que uma maior flexibilização do armamento é muito mais uma pauta de grupos políticos específicos do que da sociedade civil. Diferentemente da tradição armamentista dos Estados Unidos, presente até mesmo na Constituição escrita do país como direito fundamental, o Brasil tem vivenciado uma crescente presença dessa questão nas lutas partidárias.

Os interesses econômicos dos comerciantes de armas também compreendem outro motivo para o apoio à flexibilização da legislação armamentista, visto que os clubes de tiro e comércio de armas experienciaram um período de expansão, especialmente, no último governo. “Existe o lobby de pessoas que estão ganhando dinheiro graças à regulamentação anterior. Então, os clubes de tiro, a compra de munições e a venda de armas cresceram exponencialmente entre particulares e agora pessoas que estão lucrando vão ter os seus negócios limitados, eles vão fazer pressão política monetária”, analisa o professor.

Felipe Ramos Garcia – Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, sob o ponto de vista sociológico, Felipe Ramos Garcia, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), explica que o discurso contra o desarmamento se baseia na ideia de uma liberdade individual. O suposto direito de legítima defesa também é utilizado como justificativa para a defesa do armamento, na medida em que o País possui números preocupantes relacionados à violência. 

Por outro lado, Dieter pontua que a prerrogativa individualista não se limita a apenas um direito individual do cidadão, mas representa necessariamente um perigo ao corpo alheio. A partir desse cenário, é essencial a regulamentação a partir do interesse público e não da soma dos interesses particulares. 

Maior regulamentação 

A ação do atual governo não extrapola o poder regulamentar, mas retorna às políticas racionais anteriores. “Eles precisam retomar o controle de uma atividade que conheceu uma expansão irresponsável nos últimos cinco anos que precisa ser contida”, ressalta Dieter. 

Mesmo com a maior permissividade concedida pelo antigo estatuto, Garcia aponta que as pesquisas já demonstram que as armas e, sobretudo, a população civil armada não irá reverter o quadro de segurança ou reduzir os casos violentos no Brasil. Por exemplo, a alta em casos de feminicídios foi provocada principalmente pelas armas de fogo, uma vez que, de acordo com o pesquisador, esses crimes possuem uma forte relação com a flexibilização do regulamento de armas. 

Outro aspecto importante levantado por Garcia é como a facilitação ao acesso de armas também se transforma em uma alternativa para a aquisição desses produtos pelo crime organizado. O aumento dos registros de CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) de 117,5 mil, em 2018, para 783,4 mi,l em 2022, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, juntamente ao limite elevado de armas por cadastro, possibilitou destinos ilícitos.   

Perspectivas 

“Nos últimos anos, o tema do acesso às armas de fogo foi recorrente e uma pauta emblemática do governo anterior devido ao número expressivo de parlamentares que defendem a ideia”, destaca o pesquisador. No entanto, mesmo com a grande presença de disputas e arranjos políticos acerca do assunto, a expectativa da sociedade civil e da comunidade acadêmica é que o governo consiga instituir uma política de segurança pública mais ampla com a devida regulamentação. 

Dieter chama atenção para a intensa fiscalização que será necessária para o cumprimento de fato das regras firmadas pelo Novo Estatuto do Desarmamento, tendo em vista que houve uma redução no limite de armas por pessoa de 30 para 16. Além disso, existe a possibilidade da clandestinidade das armas desses indivíduos que tiveram seus direitos ampliados e que estão sendo revogados agora. Assim, essa diminuição tende a produzir um mercado ilícito e a produzir um ocultamento dessas armas, de acordo com o professor. 

*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo


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