Regime fiscal avança em relação ao teto de gastos sem atingir seu potencial em investimentos

“É possível prever uma trajetória mais reduzida de crescimento dos gastos públicos”, analisa o pesquisador Pedro Romero Marques

 11/07/2023 - Publicado há 10 meses
Foto: Daniel Isaia/Agência Brasil
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O texto aprovado na primeira etapa da reforma tributária na Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (7), propõe uma nova regra de arrecadação e se relaciona diretamente com o conhecido arcabouço fiscal, que substituiu o então “teto de gastos”. 

Nesse contexto, o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP lançou uma nota técnica que avalia a proposta de regime fiscal sustentável e a importância do investimento público no seu funcionamento. “A gente vem, desde o lançamento da primeira versão da proposta pelo Executivo, tentando analisar os pontos fortes e frágeis nessa evolução do texto inicial”, declara Pedro Romero Marques, pesquisador do Made. 

Pedro Romero Marques – Foto: Made USP

Sobre a nota 

De acordo com Marques, um dos fundamentos principais da reforma avaliado pela nota é o investimento público e, por isso, o estudo realizado foca nessa variável. Além disso, ele também ressalta a importância dos investimentos para que o arcabouço fiscal tenha um funcionamento capaz de ampliar os gastos públicos dentro das restrições impostas. 

Assim, o pesquisador explica o porquê de os investimentos públicos estarem no centro da questão da reforma tributária. “A gente parte de um pressuposto que é encontrado na literatura de economia, que os investimentos públicos são tipos de gastos que têm um impacto significativo no crescimento”, aponta Marques. 

Conforme essa lógica imposta, o investimento público apresenta um impacto maior no crescimento econômico do que outros tipos de gastos. Com o aumento do crescimento, uma maior arrecadação fiscal é atingida, que por sua vez, nesse novo regime fiscal, pode ampliar os gastos. Marques analisa que esse sistema segue um funcionamento de regime fiscal sustentável, que condiciona o tamanho do gasto público no Brasil. 

Caráter superavitário 

O texto também apresenta certas especificidades acerca do caráter superavitário – ou seja, o saldo positivo nas contas do governo – na contenção de gastos de saída. De acordo com o pesquisador, há um limite inicial de gastos correspondente a 70% da taxa de arrecadação do ano anterior, além de um limite de 2,5% no aumento dos gastos e um mínimo de 0,6%.  

Em outras palavras, mesmo se houver um crescimento das receitas maior do que 2,5%, o limite continua o mesmo. “Isso indica que nós temos dois mecanismos de forçar superávit primário nessa regra. O primeiro é que nunca vai se gastar mais do que o arrecadado e o segundo é que, mesmo a arrecadação sendo muito alta, há um limite superior”, analisa Marques. 

Além disso, o pesquisador aponta que, a partir do investimento, pode-se contribuir para a arrecadação e para um excedente no superávit primário. Assim, com a nova regra fiscal, se ele está acima do limite da meta superior de primário, até 70% dele pode ser utilizado em mais investimentos públicos. “Então, tem esse mecanismo de investimentos públicos, crescimento, arrecadação e potencial capacidade de mais investimentos a partir do resultado primário”, conclui. 

Melhora em relação ao modelo passado

Na opinião de Marques, o novo texto aprovado representa um grande avanço em relação ao último em vigência denominado teto de gastos, uma vez que ele não possibilitava qualquer aumento nos investimentos em termos reais. Já no modelo proposto, há uma série de mecanismos que possibilitam ampliar os gastos, garantindo, por exemplo, um mecanismo anticíclico, que em tempos de crise é permitido um aumento de 0,6% nos gastos. 

Além disso, também é importante ressaltar, de acordo com o pesquisador, a possibilidade de manter um piso para o investimento público, tendo em vista que, com o teto de gastos, aqueles setores que não possuíam uma proteção foram os mais atingidos. 

Problemas no mecanismo 

A partir da interpretação da nota técnica, esse mecanismo de tendência superavitária está muito relacionado com a capacidade de gastar que está um pouco limitada. Assim, a nova regra apresenta pouca sensibilidade acerca do crescimento econômico.

Mesmo que a economia arrecade cada vez mais, os investimentos públicos possuem pouco espaço para ampliação para além dos 2,5% mencionados. “O que quer dizer que é possível que, em certas condições, daqui para frente haja uma redução do tamanho do gasto público em proporção do PIB no Brasil”, avalia Marques, que considera que em um país em desenvolvimento e desigual como o Brasil, torna-se necessário um retorno para a sociedade com investimentos públicos. 


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