Jornadas extensas, baixos salários e riscos permeiam o universo dos trabalhadores informais

Jorge Souto Maior comenta a situação dos prestadores de serviço de plataformas digitais, que não possuem direitos básicos e enfrentam jornadas desgastantes e exaustivas de trabalho

 16/10/2023 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 19/10/2023 as 17:04

Texto: Redação

Arte: Simone Gomes

A situação atual beira a condições de trabalho análogo à escravidão   - Foto: Firmbee - Pixabay

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O Grupo de Trabalho (GT) criado pelo governo federal para discutir as condições de trabalho, possíveis regulações e medidas de proteção trabalhista e social para trabalhadores informais ainda não conseguiu chegar a resoluções que melhorem a situação dessas categorias pela falta de propostas empresariais que atendessem às demandas. 

Jorge Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP, coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC-USP) e membro do Fórum de Pesquisadores sobre o Trabalho Controlado por Empresas-Plataforma, explica o progresso realizado até agora e as discussões que permeiam esse tema. 

Situação do GT

De acordo com Souto Maior, é preciso fazer uma avaliação crítica da atitude do governo. Por um lado, houve a criação do Grupo de Trabalho para tentar solucionar essas questões. Entretanto, já são meses de discussão e as partes envolvidas têm interesses antagônicos e ainda não chegaram a um consenso sobre o que fazer. “A situação atual é de um Grupo de Trabalho que tem a presença do governo, representante das empresas de plataforma e representante dos trabalhadores, entregadores e motoristas numa discussão sem fim” pontua. 

Ainda que lenta, a discussão está caminhando para um ponto inicial: uma regulação que garanta aos trabalhadores uma vinculação à Previdência Social. Segundo o especialista, entretanto, essa resolução não é suficiente, uma vez que as condições de trabalho desse grupo são altamente precárias. “A situação atual beira a condições de trabalho análogo à escravidão, do ponto de vista de jornadas extensas, baixos salários, acidentes, ausência de períodos de descanso e locais apropriados para isso, riscos da atividade e custos.” 

Além disso, o professor também explica que o estabelecimento de uma figura jurídica que não se apresenta nem como empregado nem como autônomo é um risco para sociedade como um todo. “É possível prever, neste contexto, que empresas no geral vão se pautar por essa figura jurídica híbrida, o que aumenta o estado de precarização já evidenciado pela terceirização, pelo trabalho intermitente e pela flexibilização da recente reforma trabalhista.” Portanto, para solucionar as questões, é preciso reverter esse quadro de rebaixamento da proteção jurídica. 

Decisões tomadas

No Brasil, a empresa Rappi – responsável por realizar entregas – foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2) a contratar os entregadores cadastrados como celetistas. Souto Maior pontua que, além dessa resolução, existem outras decisões atuais que estão sendo tomadas pela justiça, que promovem direitos e melhores condições aos trabalhadores. “Entretanto, são decisões que dizem o óbvio. De acordo com os artigos segundo e terceiro da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – que definem quem é e quem não é empregado –, as condições em que esses indivíduos vendem sua força de trabalho são típicas de uma relação de emprego.” 

Não é só no País que os trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho. A Corte de Amsterdam, por exemplo, decidiu que os motoristas cadastrados no aplicativo de corrida Uber são seus empregados e estão cobertos pela Convenção Coletiva de Motoristas.

Contradições

Como explica o professor, essas pessoas não são trabalhadores autônomos – no sentido de explorar seu próprio trabalho e vender para o mercado. Elas vendem sua força de trabalho para as empresas de plataformas digitais, que ofertam esse trabalho no mercado para potenciais consumidores. 

No caso da Uber, por exemplo, ao chamar um carro do aplicativo, o consumidor contrata um serviço da empresa, não o serviço do motorista diretamente. A plataforma digital serve como um intermédio – e é nessa intermediação, segundo Souto Maior, que está a exploração do trabalho. “O contato entre as partes é via digital, o que estabelece uma relação ainda mais precarizada do ponto de vista da submissão.” 

As empresas, de acordo com o especialista, tentam convencer os trabalhadores que, se houver relação de emprego, eles perderão a liberdade de poder flexibilizar seus horários. “Não é esse poder de flexibilização que define relações empregatícias. Isso não inibe sua inserção nessa condição jurídica de empregados para a aferição de todos os direitos trabalhistas.”


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