Emendas parlamentares funcionam como gargalo no SUS

Áquilas Mendes analisa estudo segundo o qual emendas parlamentares produzem desigualdade sanitária ao pulverizar parte importante de recursos destinados ao financiamento municipal do SUS

 10/04/2024 - Publicado há 3 meses
O subfinanciamento do SUS tem sido incentivado pelas emendas parlamentares- Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
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Estudo sobre os efeitos das emendas parlamentares no financiamento municipal de atenção primária à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) demonstra que, ao pulverizar parte importante de recursos, as emendas produzem enorme desigualdade sanitária. O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPEA e Fiocruz e concluiu que o aumento do repasse de emendas pelo Ministério da Saúde favoreceu a redução da alocação de receitas municipais com atenção primária. Áquilas Mendes, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), explica o assunto em questão.

Como explica o professor, o estudo aponta que o subfinanciamento do SUS tem sido incentivado pelas emendas parlamentares. “Elas não seguem um processo de planejamento, mas partem do ponto de vista da identidade do parlamentar que deseja efetivamente elaborar essa emenda”, analisa. Segundo o docente, um dos grandes problemas do Sistema Único de Saúde brasileiro é o modelo de financiamento adotado. Ele explica que os recursos disponíveis são alocados de forma planejada e as emendas, que são responsáveis por indicar o destino das verbas, não seguem o mesmo planejamento. Esse desalinhamento de objetivos acaba por prejudicar a própria forma de alocação dos recursos do SUS.

O professor aponta um marco na história que acelera o processo de desorganização orçamentária na saúde. A mudança executada pela emenda constitucional 86, aprovada em março de 2015, muda o caráter das emendas parlamentares de autorizativas para impositivas. “A emenda autorizativa é aquela que o Executivo pode realizar ou não. Fica a critério do seu processo de execução dos recursos. Mas, a partir de 2016, com a emenda constitucional 86, as emendas de orçamento passam ao caráter impositivo. Elas têm que ser realizadas”, explica.

Áquilas Mendes – Foto: Reprodução/Youtube

Mendes ressalta ainda que esse tipo de emenda, que vem crescendo no interior do orçamento do Ministério da Saúde, tem destinação exclusiva a partir da decisão que o parlamentar tem com aquela emenda. “Para ilustrar a situação, as emendas parlamentares crescem, no período de 2016 a 2022, 5,7%. Enquanto isso, o orçamento em si cresce apenas 1,7%. Em dado momento de 2022, as emendas chegaram a ocupar 11% do orçamento, engessando as alocações de recursos, já que as emendas não dialogam com o planejamento do que é necessário para as áreas do sistema”, esclarece.

O estudo e suas conclusões

O estudo tem como objetivo analisar os efeitos das emendas parlamentares impositivas nos recursos destinados à saúde. Mais especificamente naquilo que é o coração do sistema: o financiamento para a atenção primária. Ou seja, para a primeira porta de entrada do Sistema Único de Saúde, os recursos destinados para cuidados primários e para os municípios brasileiros. O especialista conta que é possível destacar alguns pontos de maior relevância no estudo.

“O primeiro achado do estudo é o apontamento de que as emendas não vieram como um recurso para tentar corrigir uma desigualdade entre os municípios. Municípios menores têm menor capacidade de arrecadação, portanto, sofrem mais com a escassez de recursos. As transferências federais poderiam ser um contribuidor para corrigir esse problema, mas não têm sido efetivo nesse quesito. Na verdade, elas têm ampliado esse problema, já que muitas vezes os recursos são destinados a municípios que não necessariamente necessitam desse acréscimo”, afirma.

O entrevistado também ressalta que existia a ideia de que, frente ao atual contexto de redução de recursos próprios do município, as emendas poderiam ser uma medida atenuante dessa situação, já que se tratam de repasses federais com objetivo de serem complementos orçamentários. Porém, o estudo aponta que essa percepção não se confirmou. Isso porque, mediante a pesquisa em 5.568 municípios do Brasil, o que se atesta é que as verbas advindas das emendas são majoritariamente destinadas à contratação de serviços privados, não atingindo assim a questão do orçamento próprio do município.

“É importante entender que a alocação dos recursos federais por emendas para a atenção primária acabou não reduzindo a despesa que os municípios vem tendo com os seus próprios recursos. Em palavras mais rápidas: as emendas parlamentares não vieram como fortalecimento”, afirma o professor.

A relevância do atendimento primário

Mendes explica que o investimento no setor de atendimentos primários deveria ser priorizado. “Na verdade, o atendimento preventivo é um grande redutor de custo. Tomar a frente do cidadão pela Unidade Básica de Saúde pode resolver de forma preventiva, com os cuidados dos médicos generalistas, questões que posteriormente poderiam se tornar mais complexas e custosas. Sem a prevenção, o cidadão entra para o sistema, passa a necessitar de exames mais caros e isso vai aumentando um custo. O Brasil tem um sistema de saúde universal e, portanto, precisa ter um cuidado em saúde que, muitas vezes, passa pela prospecção dos problemas de saúde do seu cidadão”, finaliza.


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