Deserto de roupas do Atacama é consequência direta do mercado de “fast fashion”

A professora Francisca Dantas Mendes avalia que, atualmente, a produção e o consumo apresentam-se de forma exacerbada em decorrência de uma política propagandista

 05/10/2023 - Publicado há 9 meses
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Diferentes peças de roupas são produzidas de forma rápida e barata — ocasionando um descarte de tecidos intenso – Fotomontagem com fotos de Freepik e Wikípédia – ESO/B. Tafreshi/CC BY 4.0
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O deserto do Atacama é mundialmente conhecido por ser o maior e mais árido de todo o mundo. Com mais de 100 mil quilômetros quadrados, o local conta com uma amplitude térmica que pode variar de 0ºC a 40ºC em determinados dias. Na comuna de Alto Hospicio, região do Chile que faz parte do deserto, encontra-se também um gigante lixão de roupas que, todos os anos, recebe cerca de 60 mil toneladas de peças. 

A montanha de roupas existe, entre diferentes fatores, em decorrência de um padrão de produção têxtil conhecido como fast fashion. Nele, diferentes peças de roupas são produzidas de forma rápida e barata — ocasionando um descarte de tecidos intenso, uma vez que a qualidade dos produtos não é suficientemente elevada para garantir sua permanência com os indivíduos por um longo período. 

Francisca Dantas Mendes- Foto: IEA

Para além do acúmulo dessas peças, a questão apresenta-se como um grave problema ambiental, já que as roupas podem levar até 200 anos para se desintegrar e é comum que sejam queimadas, fator que aumenta os níveis de poluição e afeta diretamente a vida dos indivíduos que vivem próximos à região da queima. 

Francisca Dantas Mendes, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo, explica, em primeiro lugar, que a grande diferença entre o lixo comum e o lixo têxtil encontra-se no fato de que a maioria dos produtos domésticos que causariam problemas nos lixões — como o plástico, o papelão, o metal e outros — já apresentam uma cadeia de reciclagem organizada. 

Problemas 

Por outro lado, a produção têxtil não conta com uma rede de reciclagem organizada, assim, tudo é compreendido como lixo. A maior parte da matéria-prima presente nessa indústria não é biodegradável, sendo formada por fibras de poliéster e poliamida, que demoram muito tempo para se degradar — podendo levar até 400 anos. 

Outro problema associado a esse debate é a contaminação da água, que passa por processos de lavanderia e tingimento com corantes e outros produtos químicos. Na formação desse problema encontra-se o excesso de consumo e produção desse mercado. “O sistema de fast fashion estimula o consumo por meio de propagandas e com o lançamento de novos produtos. Assim, artigos que vêm com um design novo fazem as pessoas acreditarem que as suas roupas já saíram de moda, isso reduz o ciclo de vida do produto que o indivíduo já adquiriu”, comenta Francisca. 

Esse processo colabora com o aumento do número de descartes pós-consumo e eleva também os resíduos na produção, uma vez que esta acontece com mais frequência em etapas que são cada vez menores, formando um cenário em que a produção e o consumo tornam-se exagerados. 

Políticas públicas 

Algumas políticas poderiam ser tomadas para colaborar na minimização desse problema,  que se demonstra como uma questão latente também no território nacional. Entre elas, a especialista avalia que a coleta seletiva poderia começar a fazer parte desse ciclo, já que, atualmente, o lixo têxtil se mistura com o domiciliar. “Falta uma política pública de coleta seletiva, uma política pública de utilização desses resíduos como matéria-prima”, adiciona a especialista.      

Além disso, é necessário também conscientizar a sociedade de que o material têxtil pode ser reciclado e que o consumo deve ser realizado de uma forma consciente. Para isso, seria positivo a possibilidade de adicionar essas informações nas escolas e nos espaços públicos para uma maior conscientização populacional.               

Por fim, Francisca aborda a necessidade de criação de uma política de controle de preços, já que, muitas vezes, as peças são baratas em decorrência da ausência de um pagamento de qualidade pelos serviços de costura. Assim, em alguns casos, o preço da roupa não é real, ficando muito barato por conta da exploração da mão de obra. 

 Leia mais: https://jornal.usp.br/atualidades/o-modelo-fast-fashion-de-producao-de-vestuario-causa-danos-ambientais-e-trabalho-escravo/        

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo       


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