Combate à violência nas escolas passa pelo controle dos discursos de ódio na internet

De acordo com Daniel Cara, as plataformas digitais têm a capacidade de analisar o desejo de consumo de todo mundo que utiliza uma rede social, mas se negam a fazer o controle efetivo do discurso de ódio

 13/11/2023 - Publicado há 6 meses
O bullying não explica todo o fenômeno, o que explica é o extremismo – Fotos: Freepik/Agência Brasil
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Foi apresentado um relatório do Ministério da Educação e Cultura (MEC) contra a violência nas escolas, que contou com a contribuição de cerca de 70 especialistas e propôs 13 medidas para o governo federal prevenir e combater os ataques nesse ambiente.

O professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP, fez parte do Grupo de Trabalho (GT) que elaborou propostas para o MEC, sugerindo combate a armas e ao extremismo para conter ataques nas escolas, e comenta: “Nessas comunidades de ódio, vários ataques em massa estão sendo planejados e a gente não pode deixar que isso ocorra na sociedade brasileira”.

Mapeamento da situação

Segundo o professor, o atentado ocorrido no ano de 1999 em Columbine, nos Estados Unidos, foi uma síntese desse fenômeno e, desde então, todos os ataques se inspiraram nele de alguma forma. Ele cita o termo técnico, crime por imitação, da criminalística estadunidense, para explicar essa realidade.

No Brasil, concomitantemente a isso, os atentados em Realengo (2011), Suzano (2019) e Aracruz (2022) são exemplos desse cenário. “Um outro crime, que ocorreu em Saudades (SC), teve uma cópia este ano, em Blumenau (SC) — de fato o mais absurdo de todos, por mais que seja difícil classificar —, que foi um ataque a creches”, comenta Cara.

O fenômeno, de acordo com o especialista, é conectado internacionalmente, contudo, as subcomunidades de ódio mobilizadas por uma estrutura neonazista, misturada com misoginia e racismo, são uma característica própria do Brasil. “Infelizmente está bastante enraizado, então é preciso um trabalho muito rápido para evitar novos ataques”, afirma.

Daniel Tojeira Cara – Foto: Reprodução/Twitter

Em comparação à sociedade estadunidense, o acesso a armas de fogo no Brasil é mais restrito, apesar de, após mudanças ocorridas no governo Bolsonaro, estar mais permissível do que anteriormente. Segundo o MEC, as armas de fogo foram responsáveis por 38 das 49 mortes ocorridas nos ataques nas escolas. Cara elogia a efetividade das ações antiarmamentistas do Reino Unido: “Depois de um ataque a uma escola na Escócia, proibiu completamente o acesso às armas de fogo e, como resultado, reduziu a letalidade desse tipo de crime”.

Possíveis soluções

O professor discorre que uma ação emergencial é estabelecer um controle sobre o discurso e os conteúdos de ódio nas plataformas digitais, “elas têm a capacidade de analisar o desejo de consumo de todo mundo que utiliza uma rede social, mas se negam a fazer o controle efetivo do discurso de ódio”.

Ele complementa que, após a publicação do relatório, plataformas estão procurando contribuintes do levantamento para iniciar uma tentativa de contenção desses conteúdos. Além disso, o especialista diz que o Ministério da Justiça e Segurança Pública é o Ministério que mais está trabalhando para mitigar essa problemática, a partir do avanço da regulação das mídias.

Por outro lado, Cara analisa que a escola tem um papel fundamental diante dessas questões: “Temos um bom exemplo na USP, que é a Escola de Aplicação, que enfrentou ameaças e soube lidar com elas, por meio da resolução pacífica de conflitos. É uma estrutura pautada na gestão democrática, um princípio constitucional da educação”.

Conforme o professor, o bullying não explica todo o fenômeno, o que explica é o extremismo. Dessa forma, as subcomunidades de ódio se valem do bullying sofrido por jovens para cooptá-los, o que demonstra a necessidade da resolução pacífica dos conflitos. Nessa mesma lógica, o especialista comenta o dever da formação de toda a comunidade escolar para que estejam orientados sobre como identificar riscos de ataques, comportamentos tendenciosos e orientar os responsáveis para a realização do controle parental da internet.

“É um fenômeno que se enraizou no Brasil e que precisa ser superado. A escola tem que ser um lugar pacífico, onde os alunos vão para aprender a conviver em sociedade. Então, a escola tem que, efetivamente, desempenhar essa tarefa fundamental para o desenvolvimento do País e das pessoas”, afirma Daniel Cara.

Saúde mental nas escolas

Maria Helena de Souza, psicóloga formada pela USP, possui um estudo sobre o fracasso escolar no Brasil. Nesse trabalho, ela analisa que a escola não é dedicada ao aprendizado e sim à separação do desempenho dos alunos e à reprovação, o que estimula a frustração e a desvalorização dos profissionais. Portanto, o professor cita esse artigo para afirmar que a escola é um ambiente tenso, prejudicando a saúde mental dos alunos e dos profissionais da educação.

O relatório apresentado ao MEC apontou a necessidade de estabelecer uma relação com a saúde, para contar com o trabalho de psicólogos e assistentes sociais no ambiente escolar. “O problema é que precisa ser feito de maneira intersetorial, não dá para a saúde querer adentrar à escola, que é um espaço já bastante tenso, sem estabelecer uma ponte para a educação e sem ser convocada por ela”. Ele ainda diz que os governos brasileiros, de todas as instâncias, estão atrasados.

Conclusão

Cara discorre que o Brasil possui dificuldades em assumir a existência de comunidades de ódio em seu território, o que leva à urgência da mudança das leis, visto que, desde 1989, não houve atualizações dos crimes de ódio. De acordo com ele, quem tem feito a jurisprudência a respeito desse tema é o Supremo Tribunal Federal, entretanto, esse deveria ser o papel do Poder Legislativo.

“A gente não pode deixar que isso ocorra na sociedade brasileira, então é importante ler, fazer uso e tentar avançar em relação ao que o relatório propõe, tentando estratégias e medidas. É um fenômeno muito novo e complexo, mas não dá para ficar parado diante desse problema”, finaliza o professor.


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