Sons urbanos da cidade e minorias sociais são marcas do samba paulista do século 20

Pesquisa da USP estudou Adoniran Barbosa e como ele criou uma identidade única da música por meio das influências que sofreu em São Paulo

 02/08/2023 - Publicado há 9 meses     Atualizado: 04/08/2023 as 18:00

Texto: *Thais Morimoto

Arte: **Gabriela Varão (estagiária)

Roda de samba na região de Perdizes – Foto: Avelino Ginjo/Acervo José Manoel Ginjo

O samba de Adoniran Barbosa alcançou êxito nacional em um período marcado pela predominância do samba fluminense. O legado deixado pelo músico permanece vivo ainda hoje, depois de quase 113 anos do seu nascimento, e continua sendo objeto de estudo por múltiplos pesquisadores.

Uma tese de doutorado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP estudou como a obra de Adoniran Barbosa representa uma maneira singular de cantar e interpretar samba na cidade de São Paulo. Os destaques envolvem as temáticas abordadas, como a importância dos trabalhadores ambulantes e a influência dos sons da cidade na música.

O pesquisador André Augusto de Oliveira Santos buscou compreender como ocorreu a transformação da percepção sonora dos paulistanos ao longo da primeira metade do século 20 e como esse processo esteve associado à consolidação do samba na paisagem sonora da cidade. Para ele, o samba paulista se formou a partir da influência de sonoridades diversas, com a contribuição de compositores como o Giuseppe Verdi, operista italiano do século XIX, e o carioca Noel Rosa. Em relação ao Rio de Janeiro, referência no samba na época e ainda hoje, São Paulo se destacou ainda pelos sons da cidade, com seus trabalhadores informais e seus pregões únicos, que transparecem na música e a tornam identitária e singular. Outra característica do samba paulista é a batida do bumbo, que marca o tempo de condução rítmica.

André Augusto de Oliveira Santos - Foto: Arquivo pessoal

André Augusto de Oliveira Santos – Foto: Arquivo pessoal

Além do ritmo, o sotaque do interior de São Paulo e a temática abordada também diferenciam o samba paulista do fluminense. “O samba fluminense exalta a figura do morro, do malandro, em oposição à figura do trabalhador, que aparece muitas vezes como otário”, explica André. “Já em São Paulo, há outras temáticas, como os excluídos marginalizados, que moram nos cortiços ou subúrbios”.

Adoniran Barbosa foi um dos compositores que abordou essas temáticas em suas composições. Saudosa Maloca, uma das mais famosas canções do músico, “narra uma situação típica do período, sob a ótica de pessoas que foram apagadas pelo ímpeto progressista que vigorava entre estratos poderosos”, segundo André. Músicas como essa são importantes ao “valorizarem a cultura afro-brasileira, a cultura produzida pelos negros e pelos silenciados”, pontua o pesquisador.

Roda de samba na região de Perdizes - Foto: Avelino Ginjo/Acervo José Manoel Ginjo

A história propagada por meio de fotografias e monumentos

Ao longo do estudo sobre o samba no século 20, André encontrou e estudou 10 fotografias não publicadas até a realização do doutorado. As imagens são de um ensaio do fotógrafo Avelino Ginjo e mostram momentos de uma roda de samba na região de Perdizes, São Paulo. Segundo o pesquisador, elas mostram de maneira informal e descontraída como transcorriam os a mistura de sons diferentes nas ruas e terrenos baldios da cidade em meados do século 20, o que é importante para a historiografia da música em São Paulo.

“As fotografias de Ginjo trazem muitas informações sobre a maneira de dançar e de tocar típicos da época, assim como os instrumentos que eram utilizados”, afirma André. Estudar essas imagens é “uma contribuição para o campo da história cultural, ao mostrar como a cultura se transforma e se desenvolve ao longo do tempo”, segundo o pesquisador. Essa é uma das formas de entender ainda mais a construção do samba.

Monumento a Giuseppe Verdi – Foto: João Vitor Russo/Wikimedia Commons

André também faz um estudo sobre esculturas que até hoje compõem espaços públicos da região central de São Paulo, como o Monumento a Giuseppe Verdi, localizado no Vale do Anhangabaú. Para o pesquisador, monumentos como esse fazem a memória e a história se perpetuar: “Eventualmente quem passa ali [pela escultura que fica no Parque Anhangabaú, no Centro Histórico de São Paulo] não sabe quem foi Giuseppe Verdi e nem a importância dos engraxates para a música, mesmo assim acaba tendo um contato rápido com aquelas figuras, naqueles espaços”. De modo parecido, durante as rodas de samba que ocorrem em São Paulo, as pessoas cantam instintivamente o refrão de Saudosa Maloca juntos, porque é uma música que está no imaginário da população. Então, a música atua como um monumento da cidade de São Paulo, de acordo com o pesquisador.

O doutorado ‘Nóis cantemos assim’: música, rádio e samba em São Paulo na primeira metade do século XX, de André Augusto de Oliveira Santos, orientado pelo professor José Geraldo Vinci de Moraes, foi defendido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social da FFLCH USP, em junho de 2023.

*Serviço de Comunicação Social da FFLCH

**Sob orientação de Moisés Dorado


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