Após 15 anos de sua implementação, a Lei Seca do Brasil (Lei 11.705/2008) parece surtir cada vez mais efeito na população mais jovem que dirige automóveis. Ao menos é o que indica uma pesquisa realizada neste ano pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Segundo o relatório, que traz diversas estatísticas relacionadas ao assunto, 19,8% dos motoristas flagrados ao volante sob efeito de álcool têm menos de 30 anos.
O que chama atenção é que esse porcentual é menor que o de motoristas mais velhos flagrados dirigindo sob efeito do álcool. Em pessoas na faixa dos 30 aos 40 anos, o índice chega a 30,7% do total, o que coloca essa turma na liderança da tabela divulgada pela Senatran. Eles são seguidos pela faixa etária dos 41 aos 50 anos, que representam 23,4%.
O músico e estudante Orlando Miotto, de 23 anos, é prova de que o pensamento da geração mais jovem parece ser diferente, sobretudo porque os condutores habilitados de sua faixa etária tiraram a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) após a criação da Lei Seca.
Ele afirma que não dirige depois de beber, porque cresceu em um mundo onde álcool e direção sempre foram tratados quase que como um pecado capital. “Justamente por conta dessa conscientização em todos os lugares, eu sinto que não consigo beber e dirigir com a consciência limpa.”
O receio, no entanto, não é necessariamente por conta dos efeitos da bebida no cérebro, mas pela fiscalização. “Sinto mais medo de sofrer alguma consequência legal, mesmo porque muitas vezes a gente bebe pouco e sente que tem condição de dirigir. Mas, ainda assim, o receio de ser pego acaba falando mais alto e eu, particularmente, não abro nenhuma exceção para o álcool ao volante”, complementa.
Apesar da rigidez de Miotto com beber e dirigir, a professora Sandra Pillon, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, questiona a pesquisa da Senatran. Ela evitou analisar as razões do levantamento apontar que os jovens que dirigem sob efeito de álcool estão em terceiro lugar na lista, porque acredita que a pesquisa apresenta algumas falhas, como deixar mais claro se o comportamento de risco mudou ou se, por exemplo, o acesso de jovens a carros é menor e por isso os números também são reduzidos. “Um seguro de carro para um jovem é muito alto. Muitos estão em idade universitária e têm aquele comportamento de risco: ‘Eu nunca vou ser pego’”, ressalta.
Sandra cita a pressão social e a necessidade que certos jovens sentem de consumir bebidas alcoólicas para se soltarem em um determinado ambiente, ainda que com um carro em mãos. O principal perigo dessa prática, segundo a professora, é o efeito depressor do álcool, que provoca lentidão na reação. Por isso, ela crê que, embora seja exemplo para outros países, a Lei Seca brasileira ainda precisa evoluir. “A lei é um grande avanço. Mudaram ela três vezes, com maiores punições. Precisa continuar esse controle, porque são vidas e vidas que importam, principalmente dos jovens, o futuro do Brasil. É necessário ter mais controle nas rodovias, dentro das cidades.”
Miotto acredita que, apesar de muitas pessoas ainda cometerem tamanha irresponsabilidade, atualmente há um respeito maior pelo chamado motorista da rodada, que evita beber para poder ir a um evento de carro com os amigos. “Eu percebo que muita gente da minha faixa etária bebe e dirige, sim, mas, comparado com o que eu sinto que era antigamente, em que isso era uma coisa completamente normal, sinto que hoje em dia as pessoas nem estranham quando eu digo que não vou beber em algum lugar porque estou dirigindo.”
O caminho ideal
O índice de mortes no trânsito decorrentes da embriaguez ainda é alto, embora tenha diminuído, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 32% entre 2010 e 2021, ano em que foram registrados 10.887 óbitos. Além disso, mesmo que a faixa etária mais jovem de condutores pareça evoluir no quesito beber e dirigir, nada acima de zero é o ideal, de acordo com Sandra. “Mesmo que sejam flagrados dois jovens a cada dez, já é um número alto, porque eles podem não voltar para casa. É um risco muito grande beber e dirigir, porque a gente sabe que é um comportamento que não combina.”
Para impedir que a prática se perpetue, a especialista afirma que o melhor caminho é dar sequência às campanhas de prevenção desde cedo na vida das pessoas. Ela diz que os investimentos diários e contínuos sobre as consequências do uso do álcool são fundamentais, como os efeitos depressores da substância no organismo. “As pessoas precisam entender que o consumo da bebida lentifica o movimento, lentifica o pensamento e lentifica a ação e a reação. Então, para você brecar o veículo é mais demorado”, completa.
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior