O Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP - Foto: Letícia Gouveia Veras/Wikimedia Commons

Artistas espanhóis e arquiteto Sergei Tchoban ganham exposições no MAC

Mostras ficam em cartaz até dia 4 de junho

 17/03/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 30/03/2023 as 15:25

Texto: Rebeca Fonseca

Arte: Joyce Tenório

Obras do arquiteto alemão Sergei Tchoban e de artistas espanhóis que participaram do principal evento de artes plásticas do Brasil podem ser vistas agora no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. As exposições Volta ao avesso do avesso – Espanha na Bienal de São Paulo e Sergei Tchoban: tempo espelhado estão abertas no terceiro andar do museu até dia 4 de junho.

A mostra espanhola é um passeio pela arte produzida pelo país na segunda metade do século 20. A exposição é fruto de uma colaboração com o Centro Niemeyer, na Espanha, onde ela esteve em cartaz em 2022. Agora, no MAC, os visitantes podem conhecer obras que já pertenciam ao acervo do museu e outras que foram cedidas pela Espanha para o evento.

Um trecho da música Sampa de Caetano Veloso dá nome à exposição. O “avesso do avesso” na composição do cantor é uma descrição de São Paulo que significa a descoberta da cidade e de suas contradições. Na mostra, simboliza a presença do país ibérico na capital paulista com 40 obras de artistas espanhóis que integraram o pavilhão da Espanha na Bienal de São Paulo ou participaram representando outros países.

Uma linha do tempo colada na parede permite ao visitante conhecer o histórico da Espanha no evento de 1951 até 2018. As participações na Bienal foram afetadas pela ditadura de Francisco Franco e mesmo depois de 1975, quando o regime fascista se encerrou, reflexos do franquismo ainda eram vistos nas obras, que tentavam criar outra visão da história da Espanha e criticar o período ditatorial.

A exposição está organizada de forma cronológica. Na parede ao lado da linha do tempo, estão as obras Mulher na Poltrona nº 4, de Pablo Picasso, e Ásia, de Antoni Tàpies. Ambas estiveram presentes na 2ª Bienal, em 1953, quando os artistas espanhóis começaram a participar representando seu país. Essa edição do evento é lembrada especialmente pela exibição da obra de Picasso, Guernica, que não integra a exposição.

Jorge Oteiza não era um artista com grande popularidade em 1957, mas isso não o impediu de receber o Grande Prêmio de Escultura naquele ano. Três obras suas que integram a exposição, feitas de aço ou ferro, estiveram presentes na quarta edição da Bienal e fazem parte de séries de esculturas que exploram a estética do espaço vazio.

Próximos de cada uma das obras, há QR Codes que direcionam para páginas com pequenas biografias dos artistas e explicações sobre suas participações nas Bienais. Assim, ao apreciar as obras exibidas na Bienal de 1961 Grande personagem Azulão, de Isabel Pons, por exemplo, o visitante pode descobrir que a artista é a única mulher da exposição que participou dos pavilhões da Espanha e do Brasil. 

Fernando Odriozola também participou do evento representando o Brasil. Na edição de 1965, apresentou oito obras pelas quais ganhou o Prêmio de Desenho. Deste conjunto, o Desenho n° 7, feito com nanquim, integra a exposição. 

A arte de Rafael Canogar mistura a bidimensionalidade da pintura com a tridimensionalidade da escultura. Suas obras expostas foram feitas no fim da ditadura de Franco e são algumas das mais explicitamente políticas e de denúncia contra a repressão. Em Revolucionários, exposta na 11ª Bienal, militares despersonificados, pintados de preto e quase em tamanho real, “avançam” sobre nós com armas na mão.

Essa projeção dos personagens para fora das telas acontece também em Liberdade encarcerada, na qual rostos em agonia e mãos desesperadas atrás de grades tentam nos alcançar. Rafael Canogar é o único artista da exposição que recebeu a maior premiação da Bienal de São Paulo, o Grande Prêmio Itamaraty, em 1971.

A tridimensionalidade também pode ser vista na obra de Darío Villalba. Premiado na Bienal de 1973, o artista trabalha com o estilo pop art e usa a fotografia de forma fragmentária. Em Pés amarrados, os membros foram recortados de uma foto e envolvidos em acrílico, como se estivessem presos dentro de um casulo. Os pés, retirados de seu contexto original, assumem novos significados após a intervenção de Villalba.

No mesmo ano, Miguel Berrocal foi agraciado com o Grande Prêmio de Honra. O artista cria obras que podem se desmontar em vários pedaços. Mini David Romeu e Julieta parecem quebra-cabeças e são as que o visitante pode conhecer na exposição. Junto com elas, estão presentes as instruções detalhadas de montagem e um vídeo em que as peças estão sendo unidas. A escultura de bronze Pássaro como leão, de Berrocal, também está em exibição.

Há uma predominância de artistas masculinos na exposição, o que evidencia a desigualdade de gênero do circuito de arte e não significa a inexistência de talentos femininos espanhóis. Ao final da exposição, uma Espanha heterogênea se ergue das obras ali reunidas. A viagem no tempo é guiada por muitas vozes e técnicas, mas a polifonia se une na criação de uma imagem da arte espanhola.

Sergei Tchoban: tempo espelhado

Outra viagem no tempo acontece na exposição do artista e arquiteto Sergei Tchoban. Junto à curadora Tereza de Arruda, ele reuniu dez anos de trabalho e selecionou fotografias de edifícios projetados por ele, desenhos de cidades e vídeos de prédios para exibir em sua primeira mostra individual no Brasil. A união das obras produz no visitante a sensação de acompanhar parte do processo criativo do arquiteto. Os edifícios se erguem dos papéis e ganham materialidade nas fotos. 

Em entrevista ao Jornal da USP, Sergei Tchoban conta que ele está propondo uma discussão a respeito da interação entre a história e a arquitetura. Sobre o nome da exposição, o arquiteto diz que as cidades espelham o tempo. “A cidade consiste em camadas de edifícios que pertencem a épocas diferentes. É como um livro sobre a história de um local”, explica. 

A curadora Tereza conta que cidades são o foco da arte de Tchoban. “A arquitetura é uma testemunha do nosso tempo e a cidade espelha diretamente os momentos históricos e o percurso da humanidade através de suas construções”, detalha. Os traços de Tchoban misturam fantasia e realidade. O arquiteto une diferentes épocas e brinca com o tempo na junção de prédios clássicos, modernos e futuristas na mesma tela, como na obra Marca do futuro, segundo a gravura de Giovanni Battista Piranesi “Veduta del Porto di Ripetta”.

Sergei Tchoban - Foto: Marcos Santos

Os edifícios também interagem com o poder. No desenho Fantasia arquitetônica: Floodgate, a monumentalidade da construção em contraste com a pequenez da figura humana ilustra como o indivíduo pode ser oprimido pela arquitetura. Ao observá-lo, o visitante também se sente minúsculo. “Nós chamamos de arquitetura do totalitarismo o que sistemas fascistas e totalitários fazem, sistemas em que as pessoas não podem se expressar. Eles se impõem desde o panorama urbano para intimidar”, relata a curadora.

Tchoban diz que a arquitetura se torna uma representação de poder porque foi construída em determinada época, assim, automaticamente, os edifícios se transformam na face de um regime político. Na série de obras Totalitarismos, essa relação é explicitada. O arquiteto desenha edifícios com a estética totalitária, exclui a presença humana, colore céus de roxo e pinta as bases das telas de vermelho, como se estivessem manchadas de sangue.

Tereza de Arruda - Foto: Marcos Santos

Na exposição, conhecemos alguns dos edifícios projetados por Tchoban. As fotos estão enfileiradas em colunas no centro do espaço e são cercadas pelos desenhos. A imponência da arquitetura da Fundação Tchoban – Museu de Desenho Arquitetônico, da Prefeitura de Nevsky e do Palácio de Esportes Aquáticos salta das fotos e se agiganta sobre nós.

Curvas, rampas, prédios retorcidos, entradas e saídas sinuosas estão presentes em muitos dos desenhos da exposição. Detalhes como esses podem ser vistos em alguns dos edifícios idealizados por Tchoban. “Os desenhos não são necessariamente esboços, mas no prédio mais recente que ele construiu [EDGE Suedkreuz Berlin], por exemplo, fez uso de recursos que ele tinha posicionado como parte da fantasia: a transparência, os percursos, os caminhos de cruzamento”, diz Tereza.

A política contemporânea também está presente na arte de Tchoban. Na série Imagens da Ucrânia, telas de celulares com fotos da destruição compartilhadas em uma rede social retratam a destruição causada pela guerra em solo ucraniano. Saímos do papel de voyeurs da tragédia alheia e somos diretamente envolvidos no conflito pelas marcas de sangue nas telas, que sugerem que alguém ferido manipula os eletrônicos.

A exposição foi concebida em parceria com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. O professor Luciano Migliaccio disse que a mostra surgiu do seu contato com o arquiteto depois de um evento na FAU sobre a arquitetura de Giovanni Battista Piranesi. “É importante que os alunos venham aqui, porque a programação vai trazer informações de ordem prática para eles que nem sempre eles têm durante a aula teórica”, diz Luciano, que já trabalhava com Tchoban e se uniu a Migliaccio no planejamento da exposição.

Nos dias 13, 14 e 15 de março, um workshop foi feito com os estudantes. “Nós fizemos um grupo de 20 alunos da graduação para desenhar a cidade de São Paulo com o Tchoban, estivemos na Praça da República, no Pátio do Colégio e no Masp”, explica Migliaccio. O arquiteto também fez uma visita guiada ao MAC com os estudantes para explicar seu trabalho com base na exposição.

“Esses passeios que a gente faz conhecendo a cidade, é como se fosse um resgate do patrimônio arquitetônico, estamos entrando em contato direto com a própria noção de arquitetura. É interessante para nós resgatar o hábito de andar pela cidade, compreendê-la, lê-la e representá-la no papel”, relata Christian Almeida, graduando do terceiro ano de Arquitetura e Urbanismo. 

Luciano Migliaccio - Foto: Reprodução/IEA-USP

Para o estudante, participar do evento com Tchoban é uma experiência única, que pode permitir a ele aprimorar seu traço a partir da experiência de ver o arquiteto desenhando. Tchoban também apreciou as atividades e afirmou que se tratava de uma oportunidade interessante para ele e os alunos aprenderem mais sobre a cidade.

As exposições Volta ao avesso do avesso – Espanha na Bienal de São Paulo e Sergei Tchoban: tempo espelhado ficam em cartaz até dia 4 de junho. As visitações podem ocorrer de terça a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1301 – Ibirapuera). Entrada gratuita.


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