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Livro destaca falta de apoio para atletas negros na mobilização contra o racismo
Obra é assinada por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, que analisam as relações étnico-raciais no esporte; Alfredo Gomes, primeiro atleta olímpico negro brasileiro, foi representado por seu neto no lançamento
Racismo e Esporte no Brasil: um panorama crítico e propositivo - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Desigualdade, barreiras, limites e discriminação fazem parte de uma vasta lista de dificuldades que atletas negros precisam enfrentar para se destacar no esporte. Visando ampliar o debate, educadores e pesquisadores acabam de lançar o livro Racismo e Esporte no Brasil: um panorama crítico e propositivo, publicado pela Editora Tato em abril deste ano. A obra pode ser adquirida em formato impresso ou digital clicando aqui.
A professora Katia Rubio, da Faculdade de Educação (FE) da USP, e o professor Neilton de Sousa Ferreira Júnior, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), são os organizadores do livro e conduziram o lançamento. “O esporte não é divertimento, é muito mais do que isso. O esporte é esse lugar onde se manifestam e se projetam tantas outras questões para além da competição”, afirmou Katia na abertura do evento.
Katia foi orientadora da pesquisa Olimpismo negro: uma antologia das resistências ao racismo no esporte, por atletas olímpicos brasileiros, realizada por Neilton para obtenção do título de doutor, na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. “O objetivo da minha tese foi tentar entender como o esporte no Brasil recebe as disputas raciais e como os atletas brasileiros, particularmente os não brancos, conseguem se organizar para estabelecer resistência e luta contra o racismo”, conta o autor. A partir de sua pesquisa, Neilton se aproximou ainda mais do tema, culminando no desenvolvimento do livro.
“Falar de racismo no esporte é falar de um processo que se dá cotidianamente. Não é episódico, não é evento, não é uma coisa que se permite flagrar”, ressalta Neilton.
Para o pesquisador, os atletas negros não encontram assistência coletiva na mobilização contra o racismo. “Diferente da configuração de trabalho convencional, eles não encontram sindicatos, associações ou outras formas de vocalizar coletivamente seus interesses e por isso ficam sozinhos”, diz. Segundo ele, os atletas realizam o combate de forma individualizada, ficando mais vulneráveis aos silenciamentos e opressões cotidianas.
A construção do livro se assemelha a um seminário, reunindo variados estudos sobre as relações étnico-raciais no esporte em uma perspectiva crítica. Além da análise das barreiras e dificuldades impostas pelo racismo, a obra procura discutir a questão da colonialidade e as manifestações culturais de diferentes povos no contexto esportivo.
A obra é dividida em quatro seções, intituladas: Colonialidade do esporte de sobrenome moderno; Racismo e cultura esportiva; Imaginário da luta antirracista no esporte brasileiro; e Horizontes de superação do racismo na educação física e no esporte.
Debate ampliado
Durante o evento de lançamento, convidados que contribuíram para a produção do livro compartilharam algumas de suas reflexões. Estiveram presentes no evento o professor Alessandro de Oliveira dos Santos, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, Marcelo Alberto de Oliveira, doutorando em educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, e a artista, educadora e pesquisadora Ana Carolina Toledo, bacharel em Esporte e Marketing pela USP.
“Queria marcar, de um ponto de vista da Psicologia, a quantidade de energia emocional que uma pessoa negra tem que despender para estar na vida social. ‘Será que agora eu vou ser parada pela polícia? Será que agora eu vou ser maltratado pelo médico? Será que agora eu vou sofrer preconceito?’”, ressaltou Alessandro.
O professor contribuiu para a primeira seção do livro, que trata da colonialidade. “A forma de se pensar e agir deriva do colonialismo, que é um processo histórico no qual é imposta a hegemonia de um sistema produtivo e de uma interpretação de mundo. Um processo que hierarquiza as diferenças e a vida social”, concluiu.
Representando uma reflexão presente na segunda seção do livro, Marcelo Alberto de Oliveira citou o karatê como um exemplo de modalidade esportiva que teve seu desenvolvimento modificado por práticas discriminatórias, no auge do nacionalismo japonês do século 20. “Os historiadores que estudam o karatê afirmam que o esporte tem mais elementos chineses do que japoneses, mas passa por um processo de ‘japonização’, que ocorre com muita discriminação. O que é chinês ou coreano é deixado de lado para a construção de um karatê japonês ‘legítimo’, com novas tradições e elementos que apagam a história do esporte no século 19”, disse.
“É importante que a gente entenda que o racismo não é somente um sistema de exclusão de pessoas. O racismo é um sistema de exclusão de ideias e de pensamentos. É um sistema genocida e etnocida, ele assassina pessoas e formas de conhecimento que ancoram essas pessoas”, afirmou a educadora Ana Carolina Toledo, que escreveu um dos capítulos da quarta seção do livro.
“Existem barreiras e limites para a entrada de corpos negros no esporte. É difícil entrar, é difícil ficar, é difícil ganhar, e quando a gente ganha é difícil ser aceito, vide as histórias do Vini Júnior, que é um grande jogador de futebol que está passando por situações de racismo e discriminação”, finalizou.
Pioneirismo negro
Além dos pesquisadores, o encontro contou com a participação do poeta e escritor Antônio Carlos de Paula, neto de Alfredo Gomes, o primeiro atleta porta-bandeira negro de uma Delegação Olímpica brasileira, e o vencedor da primeira edição da Corrida de São Silvestre. Segundo os organizadores do livro Racismo e Esporte no Brasil, o atleta sofreu um processo de apagamento de sua história, com documentos e informações oficiais que silenciavam sua negritude.
Antônio Carlos se tornou um pesquisador da história de seu avô e sobre ele escreveu dois livros: Alfredo Gomes: vida, vitórias e conquistas; e Brasil – 100 Anos de Negritude Olímpica. “A história de Alfredo Gomes é muito bonita e merece esse destaque, não só para a comunidade afrobrasileira, mas também para o esporte brasileiro, para todos os atletas independente de sua origem”, disse.
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