“Tamo junto”, Vini Jr.!

Por Antonio Carlos Quinto, jornalista e editor de Diversidade do “Jornal da USP”

 23/05/2023 - Publicado há 11 meses
Antonio Carlos Quinto – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

E não haveria como não estar. Enquanto homem negro, de origem periférica e amante do futebol que sou, digo que as cenas foram doloridas. E permita-me, Vini Jr., dizer que não somente você irá lutar contra o racismo. Todos nós iremos até o fim contra os racistas. Chegou ao limite a ignorância daqueles que se acham superiores a outros e acreditam ter o poder de menosprezar, ofender, humilhar.

Não é apenas futebol! Ultrapassou as esferas do esporte e ganhou contornos diplomáticos. É um triste acontecimento mundial toda aquela selvageria que pudemos presenciar. Vini Jr., meu irmão — pois assim nós, os pretos, nos tratamos —, desde o último domingo você é mais um forte símbolo na nossa eterna luta contra essa praga chamada racismo. E assim o digo, entre essas palavras, vírgulas e pontos, por vezes sem conter o ato de levantar meu punho direito fechado firmemente!

Ruim, desprezível, nojento, revoltante, odioso… Só quem sofre, ou já sofreu o racismo, poderá expressar o que atitudes racistas podem produzir em nós, irmão Vini Jr. Mas temos a pele escura e espessa, que foi forjada a sol, chuva, ventos e frio. Desde a umidade dos porões dos navios, em que a maioria de nossos antepassados foram empilhados em viagens transatlânticas sem escolhas, aos açoites covardes que riscaram traços de sangue nos corpos sobreviventes. E eis que aqui estamos, irmão Vini Jr. Depois de tudo que nossos ancestrais passaram e conquistaram, ainda temos muito a lutar e a conquistar.

Há tempos que o esporte nos dá lições. Vale a lembrança de Jesse Owens, o atleta norte-americano que participou dos Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim, na Alemanha, quando Adolf Hitler pretendia promover a supremacia branca da raça ariana. Owens, então com 23 anos, ganhou quatro medalhas de ouro naqueles jogos humilhando o ditador: nos 100 m rasos, no salto em distância, nos 200 m rasos e no revezamento 4 x 100 m, com direito a quebra do recorde mundial nos dois últimos.

E chega você, irmão Vini Jr., e humilha os adversários com seus dribles, comemorações e o “jeito brasileiro” mais original de praticar o futebol. Sem maiores exageros, lembrando outros hábeis brasileiros que reinaram no continente europeu, como os Ronaldos, Fenômeno e Gaúcho, Rivaldo e Neymar Jr., entre tantos outros. Todos pretos! E quase todos vítimas de racismo, em certo grau.

Numa partida entre Villa Real e Barcelona, pelo campeonato espanhol de 2014, um torcedor atirou uma banana perto do lateral brasileiro Daniel Alves. Portanto, não é a primeira e, infelizmente, não será a última. Afinal, espero estar equivocado, mas o racismo ainda não está com seus dias contados. Mas você, Vini Jr., com seus dribles e gingados, dentro e fora dos campos espanhóis, está dando um tremendo chacoalhão nessa estrutura apodrecida.

Como diria o “velho Lobo” Zagallo — Mário Jorge Lobo Zagallo, ex-técnico da seleção brasileira —, eles terão de nos engolir… Engolir cada vez mais os pretos retintos, brasileiros ou africanos, desfilarem seus gingados e sua arte por lá. Terão ainda de aplaudir de pé um dos nossos, como assim já o fizeram. Foi em 2005, quando a torcida do Real Madrid em seu estádio, Santiago Bernabéu, não poupou aplausos a Ronaldinho Gaúcho que exibiu seu futebol maravilhoso numa vitória do Barcelona sobre o time da casa.

Por mais que tenham muito dinheiro e que sejam capazes de constituir grandes equipes e organizar competições riquíssimas, conseguem agora deixar uma enorme mancha que carregarão por muito tempo. Não tem volta! Pelas proporções que ganhou em todo o mundo, esse episódio não será esquecido na história, infelizmente.

Mas que seja lembrado, sim, como um motivo de luta cada vez mais intensa contra os racistas que ainda persistem em suas atitudes. Meu irmão Vini Jr., continuaremos por aqui, de punhos erguidos e firmes!

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