Entidade de extensão autogerida por estudantes de arquitetura, urbanismo e design da USP, a FAU Social troca experiências aprendidas em sala de aula com a sociedade, por meio de projetos de cunho social - Foto: Bruno Andrés Coloma / FAU Social
Coletivo da USP busca entidades sociais que precisem de projetos de arquitetura
FAU Social abre novo edital para apoiar grupos em situação de vulnerabilidade que possam ser beneficiados com projetos de arquitetura, urbanismo ou design; desde 2015, coletivo de estudantes universitários trabalha com projetos colaborativos de cunho social em São Paulo
A FAU Social, entidade de extensão autogerida por estudantes de diversas turmas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, abriu um novo edital para apoiar grupos sociais ou organizações filantrópicas que necessitem de suporte ou melhorias vinculados a design, arquitetura e urbanismo, e que não disponham de condições adequadas de acesso a eles. O prazo para inscrições termina no dia 7 de maio, para projetos a serem realizados entre junho e dezembro de 2023. A inscrição deve ser feita por meio deste formulário.
O coletivo trabalha de maneira participativa com grupos e entidades em situação de vulnerabilidade que possam ser beneficiados dentro de seu escopo de atuação. O perfil de projetos pode ser visto no edital. De acordo com os membros, a intenção dos editais é promover o diálogo entre agentes do espaço para identificar suas reais necessidades e repensar espaços de convívio. “Mas, principalmente, tornar acessível o pouco que conhecemos para que mais pessoas tenham autonomia para exigir seus direitos.”
Os inscritos passam por um processo seletivo feito com a participação de todos os membros da entidade, composto de conversas individuais e visitas técnicas. Normalmente, são escolhidos três projetos por ano, considerando o número de membros no coletivo e a carga horária dos alunos matriculados nos cursos da FAU. “Entretanto, já houve anos em que aceitamos mais projetos, dependendo do caráter daqueles inscritos e a quantidade de membros interessados em participar deles”, conta Fernanda Napoli de Siqueira. Aluna de graduação no curso de Arquitetura e Urbanismo, Fernanda se lembra de querer participar do projeto de extensão universitária desde que ingressou na faculdade. “A vontade surgiu por entender a importância de devolver para a sociedade os conhecimentos adquiridos dentro da universidade pública e por compreender o quanto o trabalho feito por esses alunos os ajudava a desenvolverem aprendizados para além daqueles que o ambiente acadêmico permite que a gente aprenda”, relata.
Para Fernanda Napoli, a experiência no coletivo proporciona discussões sobre o fazer arquitetônico, o papel do arquiteto e as formas de atuação - Foto: arquivo pessoal
Para o professor José Eduardo Baravelli, o modelo autônomo de um coletivo como a FAU Social coloca seus integrantes numa posição para além dos atuais métodos pedagógicos de “foco no aluno” ou de solução de problemas. “Esses integrantes já não podem ser objetos de nenhuma ação institucional, pois se tornaram sujeitos, protagonistas reais de sua formação superior. O resultado final é que coletivos estudantis estão sempre um passo à frente na aproximação da Universidade com a prestação de serviços para a comunidade externa”, afirma. Docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU, Baravelli acredita que a USP tem o desafio de integrar melhor as atividades de extensão universitária em seus currículos.
"Tenho certeza que os coletivos estudantis terão muito a nos ensinar ” - Foto: arquivo pessoal
Projetos de impacto social
Jardim Jaqueline
Em 2016, colocaram em prática um trabalho acadêmico que propunha uma praça pública no terreno atrás do Shopping Raposo, na comunidade do Jardim Jaqueline, Zona Oeste de São Paulo. Com o apoio dos moradores da comunidade e do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos, o Labhab, também da FAU, o projeto captou parceiros para a execução e foi classificado pela subprefeitura do Butantã como uma PPPP: inédita parceria envolvendo os poderes público, privado e a população.
Ocupação Urca
Há 24 anos, o edifício Urca tem a função de moradia, garantindo um lar para 57 famílias que ocuparam o local, abandonado desde 1990. A FAU Social trabalhou na regularização e individualização dos pontos de energia elétrica, no mapeamento do edifício e no desenho das plantas, que se perderam ao longo do tempo, não sendo encontradas em nenhum órgão da prefeitura. O projeto foi realizado em parceria com o Escritório-Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, da PUC-SP, que atua prestando assessoria jurídica gratuita.
Vila Margarida
Em parceria com a ONG internacional Litro de Luz, o coletivo desenvolveu uma metodologia de entrada e de aproximação com a população, a partir do contato direto na comunidade da Vila Margarida, em Ferraz de Vasconcelos, ao lado da zona leste de São Paulo. No local, a ONG vinha capacitando os moradores e instalando postes de iluminação. A ação visava a prover uma fonte de luz econômica e ecologicamente sustentável para as regiões que não possuem recursos ou não possuem acesso à eletricidade.
Entre os projetos auxiliados estão a readequação de espaços para companhia de teatro, criação de logos e identidade visual para coletivos periféricos e comunidades de baixa renda, além de ações de readequação e recuperação para serviços sociais e solidários.
Reflexo na carreira
Diferentemente de outras escolas de Arquitetura e Urbanismo, a organização das atividades práticas dos estudantes da FAU se dá por meio de coletivos. A FAU Social é um dos 15 coletivos responsáveis por propor ações de extensão universitária em parceria com docentes.
“Eu sou um entusiasta da ação dos coletivos da FAU. Acho que é um arranjo que os nossos estudantes encontraram que é diferente de outros lugares, de outros cursos de arquitetura pelo Brasil, mesmo em universidades públicas. Em outros cursos, existe a figura bastante importante dos escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo (EMAUS), que têm uma organização já antiga, desde os anos 1990”, explica Caio Santo Amore, professor do Departamento de Tecnologia da FAU. Ele acredita que a FAU Social organizou um processo de seleção próprio dos projetos, além de uma forma de encantamento de novos alunos, que faz com que seja perene dentro da faculdade. “A iniciativa é maravilhosa porque inverte completamente o sentido de quem ensina, quem aprende, quem executa, a quem se destinam os produtos do nosso ofício”, diz. “No momento em que os estudantes se responsabilizam por receber demandas da sociedade e organizá-las e convocam os professores para apoiar, o sentido do ensino tradicional se inverte”, destaca.
Para o professor da FAU Caio Santo Amore, estudantes invertem o sentido tradicional do ensino - foto: arquivo pessoal
Raphael Vieira, 20 anos, estudante de Arquitetura e Urbanismo e membro da FAU Social - Foto: arquivo pessoal
“Entrei na FAU Social com o objetivo de alguma forma devolver para a sociedade o investimento que é feito em nós, estudantes de uma universidade pública, colocando em prática o conhecimento adquirido na sala de aula. Depois de três anos atuando na entidade eu consigo dizer que tive êxito nesse propósito e além disso também adquiri muito conhecimento que me auxiliou na minha formação. Aprendemos muito mais com as diversas visões de mundo e realidades que conhecemos a partir deste trabalho.”
João Oliveira, 23 anos, é estudantes da FAU e voluntário na FAU Social - foto: arquivo pessoal
“É muito empolgante saber que um projeto desenvolvido por você na faculdade pode se tornar realidade. Tudo isso é ainda mais enriquecedor quando estabelecemos um diálogo com as pessoas que participam ativamente do projeto com a gente. O Projeto do Instituto Braille foi bem tocante. Visitar o espaço e entender as reais necessidades dos usuários e suas urgências é engrandecedor. Ao final, na entrega do projeto aos funcionários, foi muito gratificante ver o sorriso e o olhar alegre em suas faces.”
Projeto da FAU Social no Lar da Lapa partiu de integrações e demandas de intervenção das próprias crianças - Foto: FAU Social / reprodução Facebook
Nascida em 2016 com o objetivo de contribuir com a sociedade por meio do conhecimento e da troca de experiências, a FAU Social foi pensada como uma possibilidade de experiências que ultrapassassem a sala de aula. Alícia Lerner, uma das fundadoras do coletivo, conta que havia uma necessidade de criar oportunidades para pensar e construir soluções conjuntamente com pessoas que precisavam de algum suporte dentro do campo de atuação de arquitetos e urbanistas.
“Achamos que tinha um potencial aí, de devolver mais para a sociedade e ter mais contato com pessoas que pudessem se beneficiar de um conhecimento técnico e de uma articulação com os estudantes. Mas obviamente isso teve muitos reflexos em nossa formação, isso foi muito claro”, conta a estudante que aprendeu, em meio a um projeto da FAU Social, a fazer um orçamento antes mesmo de ter a disciplina na graduação. “Tudo isso você aprende em experiências práticas. Eu me formei em 2019, já trabalhei em consultoria, trabalho muito apoiando o governo também, e vejo que foi uma habilidade que veio comigo: de articular, me comunicar com diferentes pessoas”, explica. Para a arquiteta e co-fundadora da FAU Social, a experiência coletiva capacita para resolução de conflitos e busca de consensos. “Um pensamento estratégico, mas que não é puramente técnico. Ele é relacional.”
De acordo com o professor da FAU Fábio Mariz Gonçalves, a USP estabeleceu a meta de aumentar significativamente o peso da extensão na formação dos seus alunos, mas a conciliação do tempo dos projetos com as disciplinas e seus calendários é um desafio. “Daí que a disposição e o compromisso de grupos de estudantes com a sociedade e suas demandas exigem que as escolas, seus professores e instâncias apoiem e celebrem com igual entusiasmo que existam discentes engajados com essa meta. Ainda temos muito que avançar nessa prática, na qual todos ganham: a sociedade, a universidade, a escola e todos os que se envolvem direta e indiretamente com esse trabalho”, destaca.
Saiba mais:
Alícia Lerner é formada pela FAU e co-fundadora da FAU Social - Foto: arquivo pessoal
Fábio Mariz destaca a importância do apoio institucional às ações de extensão universitária - Foto: arquivo pessoal
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