Fiesta por la Virgen de Copacabana. Misión Paz – Foto: Reprodução/Schwartzberg, Eduardo (2016)

Ch´ixi! Uma nova perspectiva ilustrada para compreender o colonialismo e a imigração

Pesquisador da USP natural de La Paz apresenta exposição fotográfica de seu mestrado sobre colonialismo e imigração boliviana na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

 29/09/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Gustavo Roberto da Silva

Arte: Rebeca Fonseca

“Não se pode compreender a migração, nem os sujeitos que migram, sem compreender toda sua historicidade. Mas às vezes saber toda essa situação histórica é bem complicado.” É o que conta Eduardo Schwartzberg, músico e fotógrafo, natural de La Paz, na Bolívia. Formado em Sociologia pela Universidad Mayor de San Andrés, o pesquisador e imigrante desenvolveu na USP sua dissertação de mestrado intitulada Lógicas Ch´ixi de la migración boliviana en São Paulo – Brasil.

Segundo o pesquisador, ch´ixi (lê-se tchêrre) é uma palavra de origem aymará, que traduzida para o português significa “cinza”. A responsável por trabalhar esse conceito na perspectiva colonial foi a socióloga boliviana Silvia Rivera Cusicanqui, considerada uma importante pensadora nacional e internacional. 

“O cinza parece uma fusão das cores branco e preto, mas quando você se aproxima percebe que não existe uma fusão, na verdade existe uma justaposição. Essa metáfora ela utiliza para entender a identidade do sujeito social que passou pelo processo colonial, como o boliviano. A identidade se compõe tanto do lado indígena quanto do lado branco aculturado, que vem do processo colonial.”

Eduardo Schwartzberg - Foto: Arquivo pessoal

Antes de se tornar um pesquisador das ciências humanas, Schwartzberg teve a carreira musical interrompida por uma lesão nos dedos. Segundo ele, a sociologia vivia um momento de explosão em seu país, com muita demanda no início dos anos 2000, e apresentou um novo caminho para sua vida. Nos anos finais da graduação, ele conheceu a professora Silvia, que se tornou sua orientadora.

Neste período, o pesquisador participou de um grupo denominado Coletivx Ch ’ixi, que realizou em 2010 uma exposição no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madri, para apresentação da obra Principio Potosí Reverso, da professora Silvia. “É um livro interdisciplinar que trata sobre arte, história e diferentes aspectos de colonialismo interno que se vive na Bolívia, e em outros países latino-americanos”, destaca.

Evento Fe y Cultura, Memorial da América Latina, 2015 - Foto: Eduardo Schwartzberg

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Ao fim do projeto, Schwartzberg atuou no fotojornalismo por seis anos, no jornal boliviano La Razón, onde também produziu reportagens textuais e artigos de opinião. Lá, o fotógrafo viajou para diferentes regiões e notou um relevante movimento migratório de bolivianos.

A partir dessas experiências, o sociólogo imigrou para o Brasil, para pesquisar o tema, se tornou mestre em Estudos Culturais pela USP e atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, no campus Leste.

Schwartzberg ressalta que o conceito de ch´ixi vai além das definições de hibridismo e sincretismo, que tratam essas relações coloniais como uma fusão. Segundo ele, o ch´ixi na verdade critica essas definições, e compreende que na atualidade ainda existe um processo de colonialismo acontecendo nos indivíduos. 

“Na Bolívia, se vivem muitas situações nas quais pode ser identificada essa justaposição. Uma pessoa pode entrar em uma igreja, participar de toda sua ritualidade católica, e quando sai vai praticar toda sua ritualidade das culturas tradicionais. Em espaços tão próximos, as pessoas podem praticar suas diferentes formas de existência.”

Fiesta por la Virgen de Copacabana, Misión Paz - Foto: Eduardo Schwartzberg

O pesquisador compreende que essas características estão presentes no processo migratório boliviano, que foi impulsionado na década de 1980 por uma hiperinflação e alto índice de desemprego. Na visão dele, migrar foi a única opção que restou aos trabalhadores bolivianos para manterem sua existência. 

A população boliviana migrou para diferentes países, como Argentina, Espanha, Estados Unidos, Brasil e Chile. Aqui no Brasil, o sociólogo teve dificuldades para encontrar conteúdos textuais produzidos por bolivianos, já que a maioria das pesquisas sobre imigração foi feita por brasileiros. “Achei que, como boliviano, eu poderia fazer uma pesquisa sob outra perspectiva”, afirma. Schwartzberg também percebeu que a mídia tratava a população boliviana de uma forma estereotipada, reproduzindo preconceitos. 

“Sempre mostram o sujeito em uma situação recortada, sempre com o mesmo foco de trabalho precarizado, trabalho análogo à escravidão. Nunca colocavam o boliviano em situações de lazer, de espiritualidade, de ética do trabalho, mostrando como o boliviano é um trabalhador disciplinado.”

O fotógrafo defende seu trabalho como uma manifestação política, que descortina outro lado da imigração boliviana. Antes da pandemia, a comunidade boliviana realizava no Memorial da América Latina, todos os anos, no mês de agosto, uma celebração às Virgens de Copacabana e Urkupiña, padroeiras da Bolívia.

“Os bolivianos realizam muitas missas católicas, mas no pátio da igreja também realizam suas festividades tradicionais e culturais. É uma situação de coexistência do lado católico e do lado tradicional indígena. Nesta fotografia, você pode ver o lado espiritual, com a devoção às virgens, e atrás você pode ver os automóveis, que são deles mesmos. Você vê que a fé e a prosperidade estão juntas e presentes no processo migratório” - Foto: Eduardo Schwartzberg

“É uma mulher indígena da Bolívia, que se identifica muito com o que se denomina chola, que é a mulher que usa essa vestimenta típica. Nesta imagem, uma das filhas dela também está com vestimentas típicas, enquanto a outra filha não. Para mim, é uma simbologia de que uma filha está assimilando a cultura de seu país de origem, e a outra menina ainda não. E atrás delas estão os haitianos, olhando a festa dos bolivianos, tentando conviver no mesmo espaço” - Foto: Eduardo Schwartzberg

O fotógrafo conta que, a princípio, as fotos eram tiradas com o pretexto de poder se aproximar das pessoas nas festividades e criar diálogos que pudessem contribuir para sua pesquisa. Porém, ele acabou enxergando uma possibilidade de demonstrar a sociologia da imagem.

“O que tento mostrar com as imagens é a ideia do ch´ixi, demonstrando essa situação de complementaridade de contrários. Decidi fazer as fotografias em preto em branco por achar que as pessoas vão prestar mais atenção no conteúdo, no conceito, do que na esteticidade.”

O pesquisador mantém seus estudos sobre a migração boliviana para o doutorado, mas pretende se aprofundar no período da pandemia. Uma mostra do trabalho de Eduardo Schwartzberg está em exposição na EACH, como parte das atrações da Semana de Arte e Cultura da USP. 

“A USP me deu a oportunidade de fazer meu mestrado. Na Bolívia, não existe um mestrado público, sem precisar pagar, e um doutorado é mais difícil ainda. Então, agradeço muito à USP”, diz. 


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