Aluno de MBA na USP, estilista indígena traz ponto de vista do Norte para o cerne das discussões

Sioduhi Piratapuya trabalha com referências que resgatam conhecimentos ancestrais e reflete sobre a falta de indígenas no meio acadêmico

 02/10/2023 - Publicado há 7 meses     Atualizado: 09/11/2023 as 10:31

Texto: Mariana Zancanelli*
Arte: Carolina Borin**

Foto da coleção ManioQueen - Imagem: Reprodução/Instagram @sioduhistudio

O estilista amazonense Sioduhi Piratapuya, da etnia Piratapuia, é responsável pelo desenvolvimento de um corante de tecido à base de mandioca, utilizado na Sioduhi Studio, empresa criada por ele que busca resgatar tecnologias dos povos originários por meio da confecção de roupas. Atualmente, Sioduhi integra o curso de MBA em Negócios e Estética da Moda da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e propõe discussões fundamentais para o mundo da moda.

Descentralizar a moda

Fotos da coleção ManioQueen - Imagem: Reprodução/Instagram @sioduhistudio

Enquanto alguns lugares têm as quatro estações mais bem definidas, a região Norte é quente e úmida durante o ano todo. “Pensar a forma de criar moda no Norte é muito diferente do que pensar no Sudeste, no Sul, e mesmo no Nordeste. Nem todas as roupas que eu crio para o Sudeste vão funcionar no Norte”, explica o estilista. Considerar a diferença entre os climas de cada região do País é só um exemplo do que Sioduhi chama de “descentralização da moda”.

Por ser o único estudante indígena em uma turma com mais de cem pessoas, Sioduhi sente grande responsabilidade de trazer para a sala de aula questionamentos e referências que fogem do que os colegas estão acostumados. “Dificilmente há pessoas da região Norte no cenário da moda no Brasil. No Sudeste é onde está mais concentrado e tem mais oportunidades”, afirma.

Falta a voz dos povos originários na academia, reflete o estilista. Para tentar preencher essa lacuna, ele compartilha suas experiências e indica bibliografias, projetos e pesquisas. O aluno contou, em entrevista no Congresso Internacional de Sustentabilidade em Têxtil e Moda (Sustexmoda), que os docentes do MBA são muito abertos a discutir e questionar, o que acaba estimulando os outros estudantes a pensar fora do óbvio, além da moda europeia, e a olhar mais para dentro do nosso próprio País.

Sioduhi Piratapuya é fundador da empresa de moda Sioduhi Studio e estudante da USP - Foto: Arquivo Pessoal

Por enquanto, Sioduhi prefere focar sua atenção no curso e na aplicabilidade da profissão. Embora não descarte a possibilidade de entrar numa pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) no futuro, o diretor criativo da Sioduhi Studio pretende continuar dedicado aos seus projetos e à sua pesquisa independente.

Sioduhi Studio e a mandioca

Produção de peças para o Sioduhi Studio - Imagem: Reprodução/Instagram @sioduhistudio

Produção de peças para o Sioduhi Studio - Imagem: Reprodução/Instagram @sioduhistudio

A marca de Sioduhi tem como referência o futurismo indígena, movimento que visa resgatar os saberes ancestrais dos povos originários por meio de obras que dialogam com novas tecnologias, como a moda. Seu interesse pela moda se iniciou em sua comunidade, onde existiam escolas de alfaiataria e as peças eram concebidas com materiais naturais. Para ele, os conhecimentos indígenas são a base que permeia a sustentabilidade.

O estilista também desenvolveu a tecnologia Maniocolor, um corante têxtil à base de mandioca. A ideia surgiu quando Sioduhi incluiu o tingimento natural em sua coleção Pamiri 23, a partir da extração de aroeira. Por conta da ameaça de extinção da planta, ele começou a utilizar cascas de mandioca brava — espécie tóxica aos humanos e animais — para a produção de um novo corante. A mandioca-brava foi escolhida devido à sua pigmentação forte e grande potencial de reaproveitamento e replantio, oferecendo mais serventia ao território indígena.

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A Sioduhi Studio fomenta o protagonismo indígena em todos os processos que fazem parte da cadeia de criação. Além disso, a marca incentiva jovens a manterem essa prática de manuseio com fibras naturais e utilização de material originário. É desse modo que histórias invisibilizadas na moda e na história de modo geral podem ser contadas, de acordo com o fundador.

Coleção tingida com tecnologia Maniocolor, coranta têxtil à base de casca de mandioca com imagens do desfile realizado no dia 02 de dezembro de 2022 - Vídeo: Reprodução/YouTube/Sioduhi Studio

Estética e negócios; teoria e prática

Já formado em administração e pós-graduado em gerenciamento de projetos, Sioduhi queria se especializar ainda mais no setor de moda. Após pesquisar diversos cursos, optou pelo MBA da ECA pela qualificação dos professores, pela composição da grade curricular e pela praticidade do modelo totalmente remoto. A experiência tem sido positiva. 

“É legal para pensar como posso criar estratégias melhores, entender onde consigo alocar melhor minhas forças e conhecer quais são meus pontos fortes e fracos”, avalia.

Ele acrescenta que, a partir dos estudos, é possível observar a cadeia produtiva de fora e passar a ter uma compreensão que muitas vezes não é óbvia. “Nós tivemos aulas com informações concretas de pesquisas, por exemplo. Entendemos, em nível nacional, como estão funcionando a plantação, a fiação, a produção de tecido, tudo até a peça final no varejo”, conta.

Outras disciplinas importantes são aquelas voltadas a planejamento estratégico, gestão financeira das empresas, análise do mercado e produção criativa. A professora Maria Clotilde Rodrigues esclarece que estudar a relação da estética com os negócios é fundamental, pois essa é a base da moda. “A moda precisa ser bela, não no sentido da perfeição, mas do admirável. Mas, também precisa vender e remunerar toda a cadeia”, lembra a docente da USP que também é coordenadora do MBA em Negócios e Estética da Moda.

Mais do que um espaço de troca e aprendizado, as aulas têm sido um espaço de questionamentos. Para Sioduhi, faltam críticas, ideias diferentes e novas perspectivas, tanto na academia quanto no mercado do setor. Por isso, a possibilidade de criar novos ciclos sociais e de “juntar cabeças pensantes” é, para o estudante, o que torna o curso tão vivo e dinâmico.

*Do LAC – Laboratório Agência de Comunicação, com edição de Laura Pereira Lima

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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