Índia Carajá (1961) - Foto: Acervo Projeto Portinari

Orquestra Sinfônica da USP toca a fantasia e a realidade de Portinari

Com o tema Povos Originários Pintados pelo Artista, o público assiste, neste sábado, a uma homenagem pelos seus 120 anos

 18/05/2023 - Publicado há 12 meses

Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin Garcia e Joyce Tenório

A fantasia e a realidade da arte de Candido Portinari recebem uma homenagem da Orquestra Sinfônica da USP (Osusp). A programação, coordenada pelo maestro Gil Jardim, tem como tema os povos originários que o artista tão bem retratou. E vai ser apresentada, no próximo sábado, dia 20, às 16 horas, no Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária, em São Paulo.

Sob a regência de Jardim, o solo vocal da cantora Marlui Miranda e a participação do Coral da USP (Coralusp) – regido por Tiago Pinheiro -, o concerto vai inspirar o público na comemoração dos 120 anos de Portinari. E acompanhar o cotidiano dos retirantes, os lavradores nos cafezais, a força das mulheres, a alegria das crianças brincando de roda e também a fé e a esperança dos brasileiros. Cenas de seus quadros ao som de Bach, de César Guerra-Peixe, que compôs um Tributo a Portinari, das Bachianas Brasileiras Número 9, de Heitor Villa-Lobos, e dos cantos dos povos indígenas.

Da esq. para dir.: Roda infantil, 1932; Retirantes, 1945; Cangaceiro, 1959; e Café, 1935, de Candido Portinari - Fotos: Livro Candido Portinari: No círculo de luz. Na asa do sol

“Logo na entrada, o público terá uma surpresa”, conta Gil Jardim. “Poderá visitar a Capela da Nonna, no Museu Casa de Portinari. É um passeio em realidade virtual observando as pinturas de São João Batista, São Pedro, Santa Luzia, A Sagrada Família… Esse trabalho de imersão foi feito por Marcelo Zuffo, professor da Escola Politécnica da USP. E a música de fundo é a chacona da Partita Número 2 em Ré Menor para violino solo, composta por Johann Sebastian Bach.”

Essa versão é de Joachim Raff. Mas, quando entrarem no anfiteatro, todos vão ouvir a mesma melodia interpretada pela Osusp.

Gil Jardim - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Mas um dia Portinari escreveu em seu diário: 'Sou um homem que tem saudade de Deus'”

O trabalho cuidadoso de João Candido Portinari, diretor do Projeto Portinari e filho do artista, apresentando a história da Capela da Nonna, e a técnica da realidade virtual utilizada pelo professor Marcelo Zuffo podem ser apreciados no vídeo abaixo:

“Minha avó paterna, a Noninha, como todas as italianas daquela época, era muito religiosa, e ela quebrou o fêmur. Ficou muito triste”, conta João Candido. “Aí meu pai prometeu fazer, em seu quarto, uma capelinha. Ficou feliz porque toda a família foi representada através dos santos. Nossa Senhora é a minha tia Olga e eu, bisneto, sou o menino Jesus.”

Através desse passeio virtual, é possível ter, segundo João Candido, um exemplo da religiosidade de Portinari. “Muita gente diz que ele era comunista. Então devia ser ateu. Mas um dia Portinari escreveu em seu diário: ‘Sou um homem que tem saudade de Deus”.

“No universo da cultura, o centro está em toda parte. Daí a importância de aliar a música em sintonia com todas as artes e ciências.”

O maestro Gil Jardim lembra que o programa em homenagem aos 120 anos de Portinari acontece na série Concertos da Torre do Relógio, em referência ao monumento instalado na Cidade Universitária que em 2023 completa 50 anos. “Há seis imagens em cada um dos lados da torre para representar o Mundo da Fantasia e o Mundo da Realidade”, aponta Jardim. A face da Fantasia foi composta de cima para baixo, representando a Poesia; Ciências Sociais; Ciências Econômicas; Música, Dança e Teatro; Artes Plásticas e Arquitetura; e a Filosofia. Já a face da Realidade, também observada de cima para baixo, destaca a Astronomia; Química; Ciências Biológicas; Física; Ciências Geológicas; e Matemática.”

Frase do professor Miguel Reale, reitor da USP em 1949 e 1950 e entre 1969 e 1973 - Foto: George Campos/USP Imagens

Na base circular da torre está a frase do professor Miguel Reale, reitor da USP entre 1949 e 1950 e entre 1969 e 1973, “No universo da cultura, o centro está em toda parte”. É essa frase que Jardim procura trazer para a realidade da Osusp, integrando a música em sintonia com todas as artes e ciências. “Para conversar com o público no intervalo da programação, a professora e física Márcia Rizzutto vai contar como a equipe de cientistas do Núcleo de Apoio à Pesquisa de Física Aplicada ao Patrimônio Histórico e Artístico da USP atuou na restauração dos desenhos de Portinari na Capela da Nonna”, destaca o maestro.

De 2015 a 2018, a professora Márcia e o grupo de pesquisadores, convidados especialmente pelo Museu Casa de Portinari, avaliaram as pinturas que foram feitas diretamente sobre as paredes, detectando todo o processo de produção da obra e descobrindo a paleta de cores do artista. O desafio dos cientistas de estudar e analisar as pinturas feitas diretamente nas paredes possibilitou ver de perto o universo de Portinari. “O estudo metodológico das obras nos permite o privilégio de ver detalhes que nem todos veem”, comenta a professora. “As obras de Portinari são maravilhosas. Ele é bem rigoroso. Aprendemos muito sobre o seu fazer, entendendo os pigmentos utilizados e como ele os misturava para conseguir as nuances de cores.”

Respectivamente: Paz, 1952; Mãos e Pé, 1937; e Guerra, 1952, de Candido Portinari - Fotos: Livro Candido Portinari: No círculo de luz. Na asa do sol

Também João Candido Portinari estará à disposição, no concerto da Osusp, neste sábado, para conversar sobre a obra do pintor Portinari, suas fantasias e realidade. A mediação desse encontro será da professora Marli Quadros Leite, pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP.

Candido Portinari: No círculo de luz. Na asa do sol

O pai pintor espia o filho de joelhos na cadeira com um pincel na mão desenhando. Essa foto de Candido Portinari flagrando a arte do menino João Candido é a primeira cena que abre Candido Portinari: No círculo de luz. Na asa do sol, de Jacob Klintowitz, jornalista, escritor e crítico de arte. O livro – que também é o catálogo da mostra realizada em homenagem aos 120 anos de Portinari na galeria Frente – traz o legado do artista para todos, encontrando-se disponível gratuitamente para download.

Klintowitz traz a história de Portinari em paisagens que despertam o leitor para o imaginário do pintor. A segunda cena é quando o artista vai até Colmar, na França, só para ver o Cristo, de Grünewald. “Mas quando chegou o museu já estava fechando. Cândido Portinari contemplou o Cristo por uma porta entreaberta.” 

Um momento silencioso que ficou para sempre. “O título desse livro, com pequena modificação, foi retirado do poema Grünewald, que Portinari datou em 1º de novembro de 1961, pouco antes de sua morte em 6 de fevereiro de 1962″, observa Klintowitz. “Esse poema é extraordinário, talvez o melhor que Portinari escreveu e isso, em minha opinião, é certo,  o mais revelador.”

Jacob Klintowitz - Foto: Danielle Klintowitz
Eis um pequeno trecho que o pintor e poeta escreveu:
“Morto mas ainda
Caminhando quis te
Ver. Não importa
Se fecharam a entrada

Não quiseram que te visse, maus ventos sopraram
Vi-te do buraco da luz 
Vi-te na asa do sol…”

Klintowitz conta a história de Portinari registrada em fotos da família, correspondências, desenhos, esboços. O crítico traz a carta de Carlos Drummond de Andrade, escrita em 1946, elogiando a exposição do pintor em Paris:  “Foi em você que conseguimos a nossa expressão mais universal e não apenas pela ressonância, mas pela natureza mesma do seu gênio criador, que ainda que permanecesse ignorado ou negado, nos salvaria para o futuro”.

Painel Tiradentes - Foto: Acervo Projeto Portinari

Neste livro, o escritor reuniu quatro décadas de convívio e pesquisa sobre a vida e obra de Candido Portinari. “Escrevi muitos artigos, dei conferências, coloquei as suas pinturas em vários livros sobre o Museu Casa de Portinari, sobre o seu painel Tiradentes. E, desta vez, quando James Lisboa, com o aval do Projeto Portinari, me convidou para escrever este livro, parecia a minha primeira vez. A minha liberdade era total. E eu tinha imensa vontade de apresentar o artista de corpo inteiro, como eu o percebia, como se estivesse relatando a história de um grande artista e, ao mesmo tempo, um conto de fadas. Penso que eu escrevi o percurso de uma consciência”, relata. “ Dialoguei com essa consciência. Incluí o poeta que escreveu tantos poemas. E utilizei dois poemas seus, dos quais publiquei os manuscritos, um, para descrever o seu destino e a sua atitude diante das adversidades; e o outro poema, chamado Ensaio, escrito poucos meses antes de sua morte, destinado à sua neta então com 18 meses de vida, no qual inventa uma reza, uma espécie de mantra, para que ela recitasse, quando fosse a hora, e se protegesse do mal. Este poema de pura ternura, dedicado como do ‘vovô Candinho’, com o seu extremo amor e a sua palavra de despedida, foi uma pedra de toque para mim. Por um momento, Portinari e eu, estivemos juntos. E a luz e o sol que ele via em Grunewald, também foi a luz e o sol que eu vi na sua vida e na sua obra. No círculo de luz, na asa do sol.” 

“ Candido Portinari é um paradigma. Ele nos traz o sonho do que o nosso país pode vir a ser. É um artista mergulhado na nossa humanidade”

A construção da Capela da Nonna, em Brodowski, é resgatada com detalhes. Klintowitz relata: “Sua avó paterna, Pellegrina, idosa e entrevada, chorava por não poder assistir  à missa com a assiduidade habitual. Pois bem. Candinho, como ela o chamava, a consolou: ‘Nonna, não chore que eu pinto uma capelinha para você'”.

E o neto seguiu pintando. São João Batista, São Pedro, São Francisco de Assis tinham o rosto dos familiares que a Nonna tanto gostava. Hoje, a capelinha da Nonna é visitada por estudantes de escolas de São Paulo, turistas do Brasil e exterior.

Capela da Nonna - Foto: Divulgação

Interessante notar o interesse e a identificação das crianças observando as cirandas, os meninos empinando pipas, jogando futebol. “Portinari foi uma dessas crianças, límpidas, líricas, pobres, poéticas. Não sei quantas rodas infantis ele frequentou. O que sei é que sempre permaneceu nele essa criança simples do mundo rural”, define.

Para o crítico, Candido Portinari é um paradigma. “ Ele nos traz o sonho do que o nosso país pode vir a ser”, destaca. “É um artista mergulhado na nossa humanidade, no ser brasileiro e, ao mesmo tempo, é um monumento psíquico, um marco da nossa consciência, um ser que se doou, um escravo do talento, um milagreiro que construiu uma linguagem que parece impossível de ser criada por um ser fisicamente frágil, morto precocemente.”

Para Klintowitz, os 120 anos do pintor são uma oportunidade para pensar na grandeza da arte e na sua capacidade de nos tornar mais humanos. “E refletir no mistério da cultura e de sua capacidade de nos confrontar com o prazer da forma e nos impregnar da sublimidade do conceito, nos elevar e alargar a nossa imaginação. Os grandes artistas como Portinari são o nosso farol.”

Candido Portinari. No círculo da luz. Na asa do sol, de Jacob Klintowitz, edição da Galeria Frente, com o apoio do Projeto Portinari, 310 páginas.

Para download do livro: https://www.galeriafrente.com.br/exposicao?e=8

E para o livro físico solicitar: https://www.galeriafrente.com.br

Capa do livro  - Cândido Portinari: No círculo de luz Na asa do sol, autoria de Jacob Klintowitz

O concerto da Orquestra Sinfônica da USP em homenagem aos 120 Anos de Candido Portinari acontece neste sábado, dia 20 de maio, às 16 horas, no Anfiteatro Camargo Guarnieri da USP (Rua do Anfiteatro, 109, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. A Osusp sugere ao público a doação de alimentos não perecíveis e de agasalhos para serem doados para comunidades do bairro do Butantã, vizinho à Cidade Universitária.

Foto: Reprodução/Osusp
Foto: Reprodução/Osusp

Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-3000.


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