Arte Jornal da USP sobre foto Wikimedia Commons – CC
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Ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, não é apenas uma mera exigência do vestibular da Fuvest. É adentrar um universo que vai além da academia, uma oportunidade de conhecer um dos livros mais importantes da literatura universal e observar o homem com suas dúvidas, certezas, paixões, medos. Dialogar com Machado de Assis pode não ser tarefa fácil para os jovens que almejam uma vaga na universidade pública. Mas há a possibilidade de conversar com um autor que estimula a inteligência do leitor.
Para orientar sobre a importância da leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, o Jornal da USP entrevistou o professor Hélio de Seixas Guimarães, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, especialista em estudos machadianos. “É importante que os alunos que postulam um lugar na Universidade tenham a oportunidade de conhecer um livro tão desafiador e fascinante como Memórias Póstumas de Brás Cubas, sem dúvida um dos livros escritos no século 19 mais ousados de todos os tempos”, assinala.
.O romance foi publicado pela primeira vez em 1880. A narração é em primeira pessoa. O narrador, Brás Cubas, é um defunto que vai contando as suas lembranças. Ao abrir o livro, o leitor já é surpreendido com a dedicatória:
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Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.
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Na página seguinte, o autor defunto chama o leitor para uma conversa ao pé do ouvido e avisa: “A obra em si mesma é tudo; se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se não te agradar, pago-te com um piparote, e adeus. Brás Cubas.”
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Diante de tanta irreverência e do convite desafiador, como não prosseguir com a leitura? O narrador defunto tinha razão. “Há mais de 130 anos, Memórias Póstumas de Brás Cubas é lido por leitores de todo o mundo”, observa o professor Guimarães. Um convite que o pesquisador estende aos vestibulandos: “Penso que o aluno pode aproveitar muito, tanto a leitura do livro como o que se pensou e se escreveu sobre ele durante todo esse tempo. Por tratar de todas as grandes questões da humanidade, desde as mais comezinhas até as mais amplas, ele permite avaliar o nível de entendimento e crítica dos seus leitores”.
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“Esse é o romance que pôs a literatura e a cultura brasileira em outro patamar, na medida em que questionou todos os programas, crenças, ilusões e preconceitos.”
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Guimarães esclarece que Memórias Póstumas de Brás Cubas impulsionou a literatura e a cultura a outro patamar. “Nesse romance, o autor questionou todos os programas, crenças, ilusões e preconceitos que até então pautavam a produção cultural e a vida não só no Brasil, mas no mundo. É um livro que desafiou todos os sistemas explicativos disponíveis então e, em grande medida, até hoje, incluindo a religião e a ciência. A medida da importância está no fato de que a independência literária e intelectual que Machado demonstra na composição desse livro continua a nos assombrar e intrigar.”
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Brás Cubas narra as suas memórias. O primeiro capítulo versa sobre o óbito do autor. O morto escreve: “Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns 64 anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de 300 contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos”.
Os detalhes curiosos que mesclam humor e sadismo em cada parágrafo surpreendem. Não é um livro para ser lido uma única vez e, muito menos, às pressas. Os resumos sobre o livro para facilitar o estudo fogem ao universo machadiano.
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Até que ponto o escritor, sob a irreverência de Brás Cubas, apostou um piparote na boa leitura de suas memórias? “Não sei se Machado acreditava no bom nível do leitor; acho que em muitos momentos ele teve dúvidas e foi muito crítico dos hábitos de leitura e dos gostos literários predominantes no seu tempo”, responde o professor Guimarães. “Mas seus livros certamente são muito provocativos e exigentes com o leitor, que dificilmente fica indiferente a eles ou passa incólume pela experiência da leitura. São livros que não dão sossego para o leitor, que é a todo o tempo desafiado a tomar posição e tirar suas próprias conclusões sobre aquilo que está lendo.”
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“Penso que a leitura de um romance exige mesmo algum silêncio e capacidade de concentração,
que precisamos buscar em meio à profusão de estímulos a que estamos submetidos hoje”
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“Lendo… E relendo.” Esta é a orientação do professor para todos que quiserem conhecer Machado de Assis. Porém, no mundo contemporâneo, entre os ruídos e a avidez da sociedade informatizada, como ser o “fino leitor” definido pelo escritor, mesmo diante da leitura nas telas dos computadores e celulares? Hélio de Seixas Guimarães, autor de diversos livros, artigos e do recente Machado de Assis, o Escritor que nos Lê, lançado pela Editora Unesp, lembra a trajetória das sucessivas gerações de leitores que encontram sempre novos aspectos a serem discutidos e pesquisados.
Com Memórias Póstumas de Brás Cubas fica o desafio dos vestibulandos de desenvolver, mesmo nas telas dos computadores, o silêncio e a capacidade de concentração que a sua leitura exige. “É algo que precisa ser treinado e aprendido, que exige certa disciplina, mas que a meu ver traz muitas recompensas, pois nos conecta com um certo tipo de inteligência e sensibilidade que só se encontram na grande arte”, afirma o professor.
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O livro Memórias Póstumas de Brás Cubas está disponível na íntegra, gratuitamente, neste link:
http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm05.pdf
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