Foto: Giorgia Prates via Fotos Públicas

O que a pandemia nos ensina sobre o combate à fome? Grupo da USP propõe novas políticas públicas

Objetivo do grupo de trabalho multidisciplinar é discutir os sistemas alimentares e propor políticas públicas de enfrentamento à insegurança alimentar; resultados serão divulgados em artigos no Jornal da USP

 11/11/2022 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 28/11/2022 as 12:17

Claudia Costa

Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado em julho de 2021, houve um agravamento da fome mundial em 2020, fato que se deve à pandemia de covid-19 e que fez disparar os números de pessoas subnutridas e sem acesso aos alimentos. Foi justamente para contribuir com o enfrentamento da fome que, em 20 de setembro de 2021, a Reitoria da Universidade de São Paulo criou o Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome, com a finalidade de “desenvolver pesquisas sobre insegurança alimentar, alimentação sustentável, subnutrição e combate à fome, com vistas à proposição, por parte da Universidade, de políticas públicas e ações para a melhoria da situação alimentar das populações mais vulneráveis e para a mitigação dos problemas sociais decorrentes da insegurança alimentar (…)”.

A ideia é de que os trabalhos do GT resultem em recomendações para o ajustamento ou proposição de políticas públicas, informam os coordenadores do grupo, Marcelo Cândido da Silva (professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) e Sílvia Helena G. de Miranda (professora do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP em Piracicaba).

São dois objetivos principais, concomitantes e complementares: em primeiro lugar, a discussão sobre os sistemas alimentares (noções de “fome”, de “segurança alimentar”, de “soberania alimentar” etc.); e em segundo lugar, o monitoramento, o diagnóstico e a proposição de políticas públicas para o enfrentamento da insegurança alimentar. Como destacam os coordenadores, tais atividades estão estreitamente relacionadas, na medida em que a discussão sobre os conceitos é parte fundamental do diagnóstico do fenômeno, e também condição essencial para o estabelecimento de políticas eficazes visando a combatê-lo.

Marcelo Cândido da Silva, da FFLCH, e Sílvia Helena G. de Miranda, da Esalq, coordenadores do Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome - Foto: Divulgação/FFLCH e Esalq

“O monitoramento das políticas públicas selecionadas como alvo dos trabalhos que estão sendo conduzidos será acompanhado de um diagnóstico acerca do funcionamento e dos resultados obtidos por tais políticas, pela compilação dos indicadores de insegurança alimentar disponíveis, bem como de proposições destinadas ao aperfeiçoamento das medidas políticas em vigor”, pontuam os coordenadores.

As principais ações já podem ser conhecidas através da parceria com o Jornal da USP que, a partir de hoje, passa a publicar artigos sobre a atuação do Grupo de Trabalho. No total serão veiculadas 12 matérias (veja abaixo o cronograma), que devem versar sobre os mais variados temas, entre os quais o aspecto multidisciplinar da fome, a importância e exemplos de ações coletivas, a discussão de algumas das principais políticas públicas de combate à fome, a relação com a sustentabilidade e o papel da inteligência artificial, assim como a ilustração de algumas das experiências que estamos vivenciando nas pesquisas de campo.

Contribuições para políticas públicas

A partir de pesquisas realizadas pelo GT na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP de Piracicaba, estão sendo compiladas sugestões e recomendações de ajustes em políticas públicas, além de propostas de novos instrumentos e estratégias em relação a aspectos macroeconômicos (como renda, por exemplo); microeconômicos (relacionados à produção e distribuição dos alimentos e seus preços de comercialização); e agricultura familiar.

Também estão sendo realizados dois estudos de caso, com diagnóstico crítico, bem como as dificuldades e oportunidades, de experiências de políticas públicas na área de alimentação de municípios com reconhecida atuação nessa área nos últimos anos: Piracicaba (que tem a interação direta da comunidade científica da Esalq) e Santos (um dos precursores na implementação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea), cidade com características particulares, como experiência de abastecimento urbano de alimentos, não tendo agricultura, importância pesqueira e presença de comunidades ribeirinhas e caiçaras, juntamente com indígenas.

Área com palafitas am Santos, São Paulo: cidade faz parte de estudo de caso do Grupo de Trabalho de Combate à Fome da USP - Foto: Reprodução/YouTube Arte no Dique

Combate à insegurança alimentar

Como explicam os coordenadores, o Grupo de Trabalho busca agir em consonância com os principais atores envolvidos na formulação de políticas de combate à insegurança alimentar, evitando realizar tarefas que já foram feitas ou propor medidas que já foram adotadas. “Daí a importância de uma articulação estreita com os grupos de pesquisa e órgãos governamentais e não-governamentais que atuam na investigação e no combate à insegurança alimentar”, destacam.

Por um lado, o grupo busca elencar as diversas iniciativas que a USP possui em relação ao assunto. “Entre elas, estão grupos de pesquisa de políticas públicas de alimentação, que estudam pobreza e a fome, que atuam em comunidades e em escolas, que estudam agricultura sustentável, o desperdício de alimentos, a segurança do alimento, a interface com o problema das mudanças climáticas, a educação e a saúde alimentares, entre outros”, enumeram. Além disso, acrescentam, a presença, no GT, de pesquisadores da área de inteligência artificial (IA), tem permitido o avanço na compilação e na análise integrada de várias bases de dados, agilizando e favorecendo a interpretação desses dados e informações.

Por outro lado, como informam os coordenadores, o GT tem acompanhado a atuação dos órgãos de Estado como, por exemplo, do Observatório Contra a Fome na cidade de São Paulo, do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e de conselhos municipais nas regiões estudadas e aproximar-se de outras iniciativas públicas e privadas de atuação nesta temática, bem como de outros grupos de pesquisadores de universidades estaduais, federais e privadas. O objetivo, segundo eles, é sumarizar medidas propostas por esses órgãos e os indicadores por eles produzidos, de forma a construir uma base de dados unificada a respeito da fome e da insegurança alimentar no Estado de São Paulo e no Brasil. “A compilação dos dados e indicadores existentes e a interpretação dos mesmos permitirá a estruturação de um sistema de monitoramento dos resultados das políticas para o combate à fome e à insegurança alimentar”, garantem.

Objetivo esse que não poderá ser alcançado somente nos pouco mais de 12 meses do mandato institucional do GT, como atentam os coordenadores, adiantando que já estão sendo desenhadas outras alternativas. Segundo eles, isso permitirá manter as atividades do grupo, “que vem trabalhando de forma bastante coesa, a despeito da diversidade de formações e expertises de seus membros”.  E revelam que, entre outros desdobramentos das duas frentes propostas, o Grupo de Trabalho delimitou eixos prioritários e objetivos gerais para a elaboração de um projeto multidisciplinar de pesquisa, com foco em políticas públicas para combate à fome e à insegurança alimentar.

Primeiras ações e publicações

Um primeiro resultado do trabalho do Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome foi a realização do 1º Seminário USP de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome, no dia 2 de dezembro de 2021. O evento está disponível neste link ou no player do vídeo a seguir. Painéis com especialistas da USP e convidados externos trouxeram contribuições em três eixos temáticos: Conceitos, Mensuração e Identificação; Políticas Públicas e Ações Coletivas e Tecnologia e Gestão para a Mitigação da Insegurança Alimentar.  

Durante o evento também foi lançado o e-book Políticas Públicas Contra a Fome, com os primeiros resultados da reflexão comum dos membros do GT e de outros participantes de pesquisas e iniciativas nesta temática (download gratuito no site da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP).

Outra iniciativa diz respeito à construção de um protótipo para análise de múltiplas bases de dados crus por meio da IA (DBs4Decision), que se constitui em um instrumento de decisão colaborativa e multicritério aplicado a políticas públicas e investigações multidisciplinares. E o GT também já elaborou o projeto Combate à Fome: Estratégias e políticas públicas para a realização do direito humano à alimentação adequada – Abordagem transdisciplinar de sistemas alimentares com apoio de inteligência artificial, que foi submetido a uma chamada pública. A proposta está sob coordenação da professora associada da Faculdade de Saúde Pública da USP Dirce Maria Lobo Marchioni. Segundo os coordenadores, “um dos objetivos de submeter tal projeto é viabilizar a continuidade da mobilização dos docentes membros do GT e do trabalho integrado que vêm conduzindo sobre a temática do combate à insegurança alimentar, em seus mais variados aspectos”.

Confira o cronograma das matérias que serão publicadas no Jornal da USP

16/11/2022 – A fome, um problema multidisciplinar
22/11/2022 – Políticas públicas contra a fome no Brasil – estado da arte
29/11/2022 – Ações coletivas contra a fome no Brasil – estado da arte
06/12/2022 – A inteligência artificial como ferramenta de combate à fome
13/12/2022 – Combate à fome e sustentabilidade
20/12/2022 – O direito humano à alimentação adequada
10/01/2023 – Os desafios das políticas públicas: do planejamento à implementação
17/01/2023 – Fome e produção de alimentos
24/01/2023 – Experiências de campo – Eixo 1
31/01/2023 – Experiências de campo – Eixo 2
Fevereiro/23 – Matéria sobre os resultados da pesquisa do GT


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