Fotomontagem: Jornal da USP - Imagem: Edusp

Livro aborda a Independência do Brasil sob diferentes aspectos

A viagem de D. Pedro I de Santos até o Riacho do Ipiranga e a irreverência de O Pasquim estão entre os temas tratados na obra

 26/04/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Emilly Gondim

Arte: Gabriela Varão

Lançado pela Editora da USP (Edusp), Memórias da Independência faz parte de uma série de publicações do Museu Paulista da USP. O livro traz 15 textos, separados em cinco capítulos, que se referem a datas relacionadas com a Independência do Brasil: 1822 (ano da Independência), 1872 (cinquentenário), 1922 (centenário), 1972 (sesquicentenário) e 2022 (bicentenário). 

O primeiro ensaio do livro, A Jornada do 7 de Setembro, de Jorge Pimentel Cintra, mostra a viagem de D. Pedro I no dia 7 de setembro de 1822, de Santos para São Paulo, e como arquivos antigos traçaram erroneamente a rota, já que alguns dos caminhos ainda não existiam. 

D. Pedro I embarcou em Santos e desembarcou no porto de Cubatão. O futuro imperador seguiu o caminho a cavalo, com sua guarda de honra, passando por Rio Grande, Rio Jurubatuba, Rio Pinheiros, Estrada do Vergueiro, Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo, e Estrada das Lágrimas, até chegar ao Riacho do Ipiranga, onde teria dado o grito “Independência ou Morte!”. O texto é acompanhado de mapas detalhados e explicativos da rota feita por D. Pedro.

Em 1872, o Brasil estava estruturando sua identidade visual através da cultura e comemorando os 50 anos de Independência. Na época, o Museu do Ipiranga estava em construção e o pintor Pedro Américo de Figueiredo e Mello (1843-1905) teve a ideia de pintar um quadro sobre o momento em que foi declarada a autonomia brasileira para compor o acervo da futura instituição. O artigo Independência ou Morte!: do Estudo à Versão Final, escrito por Michelli Scapol Monteiro, explica as nuances da produção, desde a extensa pesquisa histórica até a escolha de poses de cada um dos personagens retratados.

O destaque fica na comparação das duas versões feitas por Pedro Américo, quase como um jogo dos sete erros. A primeira, uma versão teste, pertence hoje ao Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. A versão final fica exposta no Museu do Ipiranga. Nessa comparação, é possível perceber diferenças em D. Pedro I. Na primeira versão, ele está sem chapéu, enquanto na segunda, além de ter a peça posicionada na cabeça, também está em posse de cartas enviadas de Portugal. Na obra também há um autorretrato de Pedro Américo, que muda drasticamente a vestimenta: inicialmente eram roupas da burguesia, que mudaram para o poncho, típico da sociedade paulista da época. Outro detalhe que é destacado no ensaio de Michelli Monteiro é que um dos cavalos espirra a água do Ipiranga, reforçando o local em que se passa a pintura.

No capítulo relacionado a 1922, Memórias da Independência traz ensaios que abordam as comemorações do centenário da Independência em São Paulo e no Rio de Janeiro, e também sobre o Monumento à Independência, instalado no bairro do Ipiranga, em São Paulo, e sobre o Museu do Ipiranga na época. 

A primeira versão do quadro Independência ou Morte!, de Pedro Américo, hoje no Ministério das Relações Exteriores, em Brasília – Foto: Reprodução/gov.br

A versão final de Independência ou Morte!, de Pedro Américo, exposto no Museu do Ipiranga – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Já nas comemorações dos 150 anos da soberania brasileira, o País estava em meio à ditadura militar (1964-1985). Os eventos, além de festivos, também buscavam validar o governo de Emílio Médici (1905-1985) vigente no Brasil, então no auge do “milagre econômico”. O artigo O Sesquicentenário e a Música Brasileira, assinado por Gustavo Alonso, faz a relação da música nacional com esse contexto histórico. O jingle da TV Globo Um Novo Tempo, composto por Nelson Motta, Marcos Valle e Paulo Sergio Valle, se tornou uma propaganda positiva para o regime militar. Motta, o letrista da obra, contou em sua autobiografia que percebeu que a música estava sendo tratada de forma patriótica e como se sentia envergonhado com isso.

“Lidando cotidianamente com cerceamentos e dificuldades, mas também formulando discursos minimamente simpáticos e, em último caso, ufanistas, os artistas da música brasileira viveram intensamente a corda bamba da resistência e da colaboração, acomodando-se da forma que julgavam mais razoável”, escreve Alonso. 

Na sequência, o texto O Sesquicentenário e O Pasquim, escrito por Márcia Neme Buzalaf, continua no contexto do regime militar. Nele, Buzalaf lembra o papel crítico do periódico O Pasquim, que mudou o jornalismo brasileiro da época. Em meio à censura da imprensa, a equipe do jornal chegou a ficar presa por dois meses em razão da capa da edição número 72, de outubro de 1970, que trouxe a pintura Independência ou Morte!, de Pedro Américo, com um balão escrito “Eu quero mocotó!!”.

Ilustração publicada na capa do jornal "O Pasquim", em 1970 - Foto: Reprodução

Apesar disso, a equipe seguiu fazendo seu trabalho ácido, porém sempre submetido ao filtro do governo, que retirava parte das reportagens. As edições vinham com uma frase no cabeçalho. No número 150 do jornal, a frase estampada foi: “Temos sesquicentenário próprio”. Em outras edições, apareceram frases com críticas à censura e à violência que prevaleciam no País, como na edição 161 (“Um jornal que sempre foi independente, não era?”), na edição 172 (“Rio, mas é de chorar”) e na edição 174 (“Quem é vivo sempre desaparece”).

No que se refere a 2022, o livro publicado pela Edusp traz um único artigo, sobre as reformas no Museu Paulista da USP, que prepararam a instituição para as comemorações do bicentenário da Independência. “O fechamento do edifício ao público em 2013 permitiu a construção de demandas objetivas para o encaminhamento das questões estruturais e construtivas do edifício-monumento”, escrevem as autoras do artigo, Rosaria Ono e Vânia Carneiro de Carvalho.

Memórias da Independência traz ainda um capítulo sobre outros centenários: os da Revolução Pernambucana, em 1917, da Conjuração do Equador, em 1924 – dois movimentos republicanos iniciados em Pernambuco em 1817 e 1824, respectivamente -, e da Revolução Farroupilha, em 1935, que lembrou a rebelião ocorrida no Rio Grande do Sul em 1835. 

Memórias da Independência, de Maria Aparecida de Menezes Borrego e Paulo César Garcez Marins (coordenadores), Editora da USP (Edusp), 200 páginas, R$ 46,40.


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