Exposição oferece um passeio pela história do pensamento econômico

Obras selecionadas da Biblioteca Delfim Netto - doada à USP em 2011 - estão em cartaz na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 28/09/2023 - Publicado há 7 meses

Texto: Rebeca Alencar*

Arte : Simone Gomes

Painel central é a primeira visão dos visitantes da exposição - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

Obras dos grandes pensadores da economia – como Adam Smith e Karl Marx – e os principais movimentos que buscaram promover as riquezas das sociedades podem ser explorados na exposição Uma Viagem pela História do Pensamento Econômico: A Biblioteca Delfim Netto, em cartaz na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP até março de 2024, que pode ser visitada também de forma virtual, através do site da mostra.

Aberta ao público no dia 25 passado, a exposição é composta de seis vitrines, onde estão expostos 150 livros selecionados dentre os 100 mil volumes da biblioteca do Professor Emérito da FEA Delfim Netto, doados à faculdade em 2011. As obras foram divididas em 12 temas ligados à economia, desde as primeiras reflexões sobre essa área do conhecimento, que remontam à Idade Média e à Grécia antiga, até o pensamento econômico contemporâneo. “Procuramos selecionar os títulos e autores mais relevantes para o desenvolvimento da teoria econômica, assim como obras raras”, explica o professor Ivan Salomão, da FEA, um dos organizadores da mostra. A exposição busca também “enaltecer esse acervo tão rico e estimular alunos e professores a conhecer e utilizar a biblioteca, que Delfim Netto define como ‘de estudo’”, acrescenta Salomão.

É uma biblioteca que permite fazer qualquer tipo de recorte, mas optamos pelo recorte do pensamento econômico por ser o maior acervo especializado nesse tema”, relata o professor Guilherme Grandi, da FEA, também organizador da exposição, lembrando que a mostra comemora os dez anos de abertura do acervo de Delfim Netto ao público.

A exposição começa com livros pré-clássicos do século 16 - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

Reflexões sobre a riqueza material das sociedades

Todos os livros estão acompanhados por uma pequena placa com um texto explicativo sobre a importância da obra e do momento histórico em que foi escrita. Por exemplo, na primeira seção, Primórdios do Pensamento Econômico, o visitante fica sabendo que foi no contexto da expansão comercial europeia, no século 16, que se desenvolveram as primeiras doutrinas econômicas, no sentido conhecido hoje. “São expressões desse desenvolvimento os escritos da escola de Salamanca, a reflexão sobre o mercantilismo, bem como seus primeiros críticos, que ficaram conhecidos como fisiocratas”, como se lê na mostra. Um dos volumes exibidos nessa seção é um fac-símile de Comentario Resolutorio de Usuras, de Martín de Azpilcueta, publicado em 1556 em Salamanca, na Espanha.

Na segunda seção da mostra, Economia Política Clássica, o ponto de partida são quatro edições de A Riqueza das Nações, de Adam Smith, considerado o pai da economia moderna. As primeiras edições originais, publicadas na Irlanda (1776), na França (1792) e na Espanha (1794), podem ser apreciadas ao lado do fac-símile da versão inglesa. Reimpressões de Thomas Malthus, John Stuart Mill e David Ricardo também estão presentes.

A primeira edição original de An Essay on Money and Paper Currency (1812), de Robert Torrens, membro fundador da primeira associação de economistas no mundo, integra a seção. Também original é a segunda edição de Oeuvres Complètes de Frédéric Bastiat, que compila o pensamento do economista defensor do livre-comércio na França.

Marx e a Crítica Socialista à Economia Política Clássica – a terceira seção da exposição na FEA reúne livros que interpretam o capitalismo depois da Revolução Industrial. O destaque dessa seção são as edições de O Capital, a obra máxima de Marx. Estão expostas a primeira edição italiana, de 1886, as edições impressas na União Soviética em 1932 e 1933 e o fac-símile da versão inglesa, de 1889.

Obras dos chamados “socialistas utópicos” – a quem Marx contrapôs o seu “socialismo científico” –, como Henri Saint-Simon, Charles Fourier, Jean Charles Léonard Sismondi e Louis Blanc, também podem ser conhecidas em reimpressões.

Edição de O Capital impressa na União Soviética em 1933 - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

Na quarta seção da mostra, A Batalha do Método e as Origens da Economia Neoclássica, é explicado que as décadas finais do século 19 foram marcadas por um ambiente de crise e revisão dos paradigmas econômicos então estabelecidos. “Por um lado, buscava-se captar as transformações técnicas da chamada Segunda Revolução Industrial (profundas transformações nos sistemas de transporte, nas comunicações e na matriz energética), a disseminação dessas técnicas e a tendência de oligopolização de diversos setores produtivos”, lê-se na mostra. “Por outro lado, esse movimento de revisão do conhecimento respondia a certo desencantamento do campo com as formulações dos economistas clássicos.” Esse período é ilustrado na exposição com vários volumes, entre eles a segunda edição, datada de 1888, de Essays in Political Economy, do economista inglês Cliffe Leslie.

A partir de 1930, métodos estatísticos e matemáticos se tornaram aliados da pesquisa econômica, como é possível descobrir em A Matemática Entra em Cena, a quinta seção de Uma Viagem pela História do Pensamento Econômico: A Biblioteca Delfim Netto. De François Divisia, crítico do uso de termos vagos para tratar da ciência econômica, está sendo exibida, por exemplo, a obra L’indice monétaire et la théorie de la monnaie (1925), que recupera a tradição de economistas franceses.

Edições originais da trilogia The Bourgeois Virtues, da economista Deirdre McCloskey - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

Livros de três autores agraciados com o Prêmio de Ciências Econômicas compõem a seção: Jan Tinbergen, Trygve Haavelmo e David Card. Há ainda obras sobre a teoria dos jogos, entre elas Theory of Games and Economic Behavior (1944), de John Von Neumann e Oskar Morgenstern, que lançou as bases desse ramo econômico.

Expressões do Liberalismo – a sexta seção – reproduz as ideias de autores liberais que defenderam, no século 19 e nas primeiras décadas do século 20, um modelo econômico pautado no livre-mercado, em oposição às teorias derivadas da obra de Marx. “O enfoque dos estudiosos que se opunham à teoria marxista migrou da análise do comércio e das trocas para a da produção industrial, passando-se, assim, à discussão dos conceitos de trabalho, propriedade e capital.” Com relação a esse tema, a mostra dá destaque à escola austríaca, com a exibição, por exemplo, de Geschichte und Kritik der Kapitalzins-Theorien (1884), de Eugen von Böhm-Bawerk, que o economista Ludwig Von Mises – outro grande expoente daquela escola – considerava “leitura obrigatória” para o estudo da economia. De Mises, o original Die Gemeinwirtschaft Untersuchungen über der Sozialismus (1922) critica a intervenção do Estado na economia.

Friedrich A. Hayek, da escola austríaca de economia assim como Mises e Böhm-Bawerk, está representado pela primeira edição de The Road to Serfdom (1944). Há também originais da escola de Chicago, como Capitalism and Freedom (1962), de Milton Friedman, e The Economic Approach to Human Behavior (1976), de Gary S. Becker. A seção é a primeira na qual uma autora feminina aparece. Nela são exibidos três livros sobre a burguesia escritos por Deirdre McCloskey.

A primeira edição inglesa de Indian Currency and Finance, obra inaugural de John Maynard Keynes - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

Edição original do livro de economia feminista Women and Economics - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

A economia na contemporaneidade

Surgida nos Estados Unidos no início do século 20, a chamada economia institucional – que enfatiza a importância das instituições no comportamento da economia – é tema da sétima seção da exposição, intitulada O Institucionalismo e suas Reverberações. “A economia institucional oferece farta literatura a destacar a importância das instituições para os resultados macroeconômicos de países com as mais diferentes características produtivas”, como se lê na vitrine dedicada a essa seção. “Temas como qualidade da democracia, garantia de direitos de propriedade, grau de instrução e alfabetização da população, nível de evasão de renda, bem como fatores culturais e religiosos, são frequentemente considerados pelos institucionalistas que buscam investigar as razões do aumento do nível de renda per capita ou da estagnação econômica de diferentes nações.”

Obras de autores pioneiros da economia institucional estão expostas na mostra, como a terceira edição, de 1961, de Institutional Economics: Its Place in Political Economy, de John R. Commons, livro originalmente publicado em 1934.

Dado o debate que provocaram no pensamento econômico, as ideias do economista britânico John Maynard Keynes são tema de uma seção inteira da exposição na FEA, a oitava, intitulada Keynes e os Keynesianos. Numa época marcada pela depressão causada pela queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, Keynes contrariou os economistas liberais, que defendiam que a ação espontânea das livres forças de mercado promoveria a recuperação econômica e eliminaria o desemprego. Ele fez isso no livro A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, de 1936, em que explica por que os mercados são incapazes de eliminar espontaneamente o desemprego. “A publicação ocasionou uma verdadeira revolução no pensamento econômico, pois influencia a obra de economistas até hoje”, informa a exposição, que traz a edição original da obra máxima de Keynes, lançada em Londres.

Materiais de aula de Delfim quando era aluno, em 1947 - Foto: Marcos Santos

A questão do desenvolvimento recebeu renovado interesse a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e com o advento da Guerra Fria – daí a inclusão de uma seção sobre esse tema, a nona, Economia do Desenvolvimento e Estruturalismo. “A moderna economia do desenvolvimento buscava pensar o desenvolvimento em novos termos. Afinal, partia-se da noção de que as economias subdesenvolvidas não poderiam ser estudadas do mesmo modo que as já desenvolvidas”, como é informado na exposição. “O novo campo de estudo ganhou espaço tanto no ambiente acadêmico quanto na prática política, por conta do auxílio às experiências concretas de desenvolvimento que emergiam. Na América Latina, essa intersecção entre pesquisa acadêmica e aplicação prática das teorias econômicas consistiu em uma das principais características da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), onde floresceu a chamada escola estruturalista de economia.”

Nessa seção se encontram obras de economistas como o austríaco Joseph Schumpeter, o alemão Albert Hirschman, o argentino Raúl Prebisch e os brasileiros Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares.

Macroeconomia no Pós-II Guerra é o tema da décima seção de Uma Viagem pela História do Pensamento Econômico: A Biblioteca Delfim Netto. “Da síntese neoclássica ao novo-keynesianismo, passando pela relevante contribuição dos novos clássicos adeptos da teoria dos ciclos reais de negócios, a macroeconomia viveu sua própria era de ouro durante a segunda metade do século 20”, é destacado na mostra. Foundations of Economic Analysis, de Paul Samuelson, de 1947, é um dos volumes expostos na seção.

Relacionada a essa mesma época, a 11ª seção é dedicada a Temas Contemporâneos, que aborda três movimentos do pensamento econômico: a economia feminista, as abordagens sobre a desigualdade econômica e social e a economia ambiental. “O debate econômico tem acompanhado as mudanças e desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. Por isso, a economia tem dedicado atenção a diversos temas que passaram a ser encarados como fundamentais, tais como os problemas relacionados à desigualdade de gênero, à crise ambiental e à desigualdade econômica”, é justificado na exposição, destacando que, ao constituir o seu acervo, Delfim Netto não deixou de contemplar também os assuntos mais relevantes da atualidade.

É justamente o pensamento do Professor Emérito da FEA que encerra a exposição. Ele é o tema da última seção da mostra, intitulada Diálogos com Delfim, que exibe livros publicados por Delfim Netto e também cadernos com anotações de aulas, quando era ainda aluno da FEA. “Conhecido por articular métodos quantitativos e históricos em sua produção intelectual, Antonio Delfim Netto realizou uma série de estudos sobre a temática agrícola. Além de sua tese de livre-docência, intitulada O Problema do Café no Brasil e defendida em 1959, Delfim produziu, entre 1958 e 1966, diversos trabalhos importantes na área, tais como Desafios na Agricultura Brasileira, Agricultura e Desenvolvimento e O Mercado de Açúcar no Cenário Nacional”, é destacado na exposição. “Cumpre destacar que a relevância, na trajetória intelectual de Delfim Netto, dos problemas relativos à economia agrícola a coloca no centro de sua compreensão acerca das principais questões econômicas do País, como inflação e desenvolvimento.”

 

A exposição Uma viagem pela história do pensamento econômico: A Biblioteca Delfim Netto está em cartaz até 29 de março de 2024, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 21h30, no Auditório Carlos e Diva Pinho da Biblioteca da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP (Avenida Prof. Luciano Gualberto, 908, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. A mostra virtual pode ser vista neste link.

* Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro


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