Ex-aluna da USP é aclamada em concurso de canto na Espanha

Formada pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), mezzo-soprano Marcela Rahal consolida carreira com mais uma conquista

 07/02/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 09/02/2024 as 13:18
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Marcela Rahal no Concurso Lírico Riccardo Zandonai, na Itália, em 2022 - Foto: Reprodução/Galeria de Marcela Rahal

A cantora lírica brasileira Marcela Rahal venceu a 61ª edição do Concurso Internacional de Canto Tenor Viñas, que ocorreu em janeiro passado em Barcelona, na Espanha. A cantora, de 33 anos, nascida em Jaciara (MT) e criada em Bauru (SP), é formada em Canto Lírico pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, mas iniciou a carreira musical como vocalista de uma banda de rock. Atualmente, vive na Suíça, como integrante do elenco estável da Ópera de Lucerna.

O concurso de Barcelona teve 524 inscritos de 56 países, dos quais 17 finalistas foram selecionados — Marcela era a única brasileira dentre eles. Como a competição mais importante do gênero, o júri foi composto de alguns dos nomes mais relevantes do segmento: a soprano Kiri Te Kanawa, o baixo-barítono José van Dam, o pianista Roger Vignoles, o diretor artístico do Teatro Real de Madri, Joan Matabosch, e o diretor de casting do La Scala de Milão, Alessandro Galopi, entre outros. Marcela obteve o primeiro lugar empatada com o tenor Felipe Manu, da Nova Zelândia.  

A paixão pela música sempre esteve presente na vida de Marcela, que cresceu ouvindo sua tia cantar em corais. Aos 13 anos, deu o primeiro passo rumo à carreira como cantora tendo aulas de canto popular. Dali ela partiu para o rock e fez parte de uma banda até os 19 anos.

Apesar do vínculo com a tia e sua musicalidade, seu contato com o canto lírico só ocorreu de forma mais intensa no curso de Licenciatura em Música, iniciado numa faculdade privada de Bauru. A partir daí, Marcela se dedicou cada vez mais à modalidade, matriculando-se no Conservatório de Tatuí e, depois de trancar a faculdade, se mudando para São Paulo para cursar bacharelado na USP.

O professor Roland Schubert, orientador de Marcela Rahal na Universidade de Leipzig - Foto: Divulgação/Hochschule für Musik und Theater Felix Mendelssohn

De Bauru para o mundo

Incentivada por seu amigo e colega de profissão, o tenor Gabriel Pereira, Marcela terminou o bacharelado na ECA e se mudou para a Alemanha, a fim de cursar mestrado na Escola Superior de Música e Teatro Felix Mendelssohn Bartholdy, em Leipzig. A principal motivação da cantora foi o vasto mercado do canto lírico em alemão — tanto na Alemanha como em países em que o alemão é tido como língua oficial —, além da enorme quantidade de casas de ópera naquele país, parte importante de sua cultura.

Em contraste, o mercado brasileiro de música clássica é desvalorizado e pouco acessível, como destacou Gabriel Pereira ao Jornal da USP: “No Brasil nós temos cantores maravilhosos. O que não falta no nosso país é competência e talento, e sim investimento. Mesmo sendo um país de tamanho continental, temos pouquíssimas casas de ópera. O que existe são alguns teatros que apresentam óperas. A Alemanha é menor do que Minas Gerais e tem mais de 80 casas de ópera, tem oportunidades de trabalho para gente do mundo inteiro”.  Segundo Pereira, como berço do gênero e de grandes nomes como Johann Sebastian Bach, Ludwig van Beethoven e Johannes Brahms, a Alemanha e a Europa como um todo apresentam um leque maior e mais promissor de possibilidades aos artistas do ramo.

Marcela chegou a Leipzig sem nenhum conhecimento do idioma alemão e sem um plano de como se manteria lá. Sua única certeza era o sonho de construir uma carreira na música. “Em Leipzig eu comecei a adentrar o mundo europeu de música clássica, fazer audições e me arriscar tentando ter uma carreira. Essa demorou para chegar. Trabalhei numa floricultura como ajudante durante um ano e recebi bolsas da faculdade, que me ajudaram muito”, lembrou Marcela em entrevista ao portal G1.

“Quando começou a cantar em corais, Marcela descobriu sua própria voz e um interesse profundo na atividade”, afirma o cantor e professor Roland Schubert, da Escola Superior de Música e Teatro Felix Mendelssohn Bartholdy, orientador de Marcela, em entrevista ao Jornal da USP.

Schubert menciona o período vivido por Marcela em Leipzig com grande admiração. “Ela estudou muito para aperfeiçoar sua técnica. Quando chegou aqui, não tinha muito dinheiro, teve que trabalhar em paralelo. Foi um período difícil, mas ela estava determinada a fazer sua carreira como cantora lírica. É inspirador ver o quanto ela se esforçou e por fim conquistou estabilidade financeira para viver de sua paixão.”

Também aluno de Schubert, Gabriel Pereira lembra a rotina dos dois brasileiros estudando em Leipzig. Havia dois segmentos principais de aulas: as de técnica vocal, com o professor Schubert, e as de correção, em que um pianista os acompanhava na passagem de repertório. Dessa forma, os alunos podiam ensaiar suas peças — decorando letra, ritmo e aperfeiçoando sua coletânea — e depois Schubert corrigia sua técnica vocal, fazendo os últimos ajustes para que pudessem se apresentar ao público. A rotina nos meses que precediam apresentações pela universidade era intensa, com ensaios diários que duravam horas, às vezes até mesmo o dia inteiro. Para montar um espetáculo, a produção tem de se tornar a realidade do elenco, acredita Pereira.

O tenor brasileiro Gabriel Pereira, amigo de Marcela Rahal - Foto: Hochschule für Musik und Theater Felix Mendelssohn

Até hoje, Marcela e Pereira voltam esporadicamente para a Universidade de Leipzig com o objetivo de buscar o auxílio de Schubert. “Quando a gente não está 100% seguro com algo que estamos prestes a apresentar, a gente liga para o professor Schubert e pede ajuda. Ele é ótimo. Na hora ele marca uma data para nos encontrarmos”, conta o tenor.

Ao Jornal da USP, Marcela enfatizou a importância de Schubert e de Francisco Campos, seu professor de Canto e Arte Lírica na ECA, para o seu sucesso profissional. “Chico sempre acreditou em mim, desde o início do bacharelado. Ele já sabia o rumo que minha voz tomaria muito antes de mim. Ele me ensinou toda a base de técnica vocal e teve muita paciência com a minha voz, que se desenvolveu lentamente no início dos estudos”, emociona-se Marcela. “Além da técnica, Chico também me ensinou muito sobre humanidade e paixão. Para ele, cantar sem paixão é um dos maiores erros que poderíamos cometer como cantores. “

A cantora atribui aos ensinamentos de Campos a admissão na Universidade de Leipzig e a especialização com Schubert. “Schubert foi e ainda é essencial para o meu aperfeiçoamento vocal e técnico. Ele me preparou para diversos concursos importantes e também para audições, sendo uma delas a que resultou em meu emprego na Suíça”, acrescenta. “Eu sou eternamente grata a ambos por tanta generosidade em compartilhar seu conhecimento comigo e me apoiar em cada um de meus desafios.”
Marcela Rahal como Marcellina na ópera Le Nozze di Figaro, de Mozart - Foto: Divulgação/Galeria de Marcela Rahal
Como mezzo-soprano, Marcela Rahal pode interpretar tanto personagens femininas como masculinas - Foto: Divulgação/Galeria de Marcela Rahal

Marcellina, Bianca, Giustino

Como integrante do elenco estável da Ópera de Lucerna, na Suíça, Marcela Rahal cantará durante toda a temporada de 2024 em cinco espetáculos diferentes: as óperas Hänsel und Gretel, de Engelbert Humperdinck, como Gertrude, Siegfried!, de Samuel Penderbayne, como Brünnhilde, Dido and Aeneas, de Henry Purcell, como Feiticeira e Espírito, e Giustino, de Antonio Vivaldi, como a protagonista Giustino, e o Festival de Gala da Ópera Attacco!.

Sua estreia em Lucerna foi em 2021, quando apresentou a anti-ópera Staatstheater, do compositor argentino Mauricio Kagel, que dispensa a estrutura padrão do gênero. Em 2022, ela participou da ópera Le Nozze di Figaro, de Wolfgang Amadeus Mozart, como Marcellina — considerada pelo professor Schubert uma de suas melhores performances —, e integrou os elencos de Macbeth, de Giuseppe Verdi, como Dama, Perelà, de Pascal Dusapin, como Archebisp, e The Rape of Lucretia, de Benjamin Britten, como Bianca. Para o professor alemão, o que diferencia Marcela de outros artistas do meio é, além de sua alta harmonia com a música, o timbre de voz. “Ela tem um timbre muito interessante e único, o que é raro entre cantores líricos”, explica. Pereira completa: “O timbre de sua voz é muito quente, é uma voz realmente maravilhosa por natureza”.

Marcela é uma mezzo-soprano, um tipo de voz tipicamente feminino e de alcance médio, considerada a mais versátil por conseguir abranger tanto os tons mais agudos de sopranos quanto os mais graves típicos de contraltos. Dessa forma, ela pode interpretar papéis tanto masculinos como femininos, por mais que as mezzo-sopranos raramente tenham protagonismo nas peças. No entanto, o que Pereira julga que realmente distingue Marcela de outros cantores líricos é sua personalidade, que transborda no palco. “Marcela tem uma personalidade única, um ponto de vista muito singular das coisas. Você imprime aquilo que você é na música, e essa interpretação pessoal da Marcela sobre a vida fica nítida em suas performances. Ela é extremamente entregue à música”, diz. 

Reconhecimento mundial

Após anos de prática e aperfeiçoamento de sua técnica, Marcela Rahal se tornou uma personalidade mundialmente aclamada, uma das melhores cantoras líricas de sua geração. Antes de ganhar o prêmio de canto Tenor Viñas, no mês passado — que Pereira compara a uma medalha de ouro nas “Olimpíadas” do mundo do canto lírico em termos de importância —, ela vinha ganhando cada vez mais destaque no cenário internacional, vencendo outras competições, como o Concurso Linus Lerner, promovido pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte em 2020, e o terceiro lugar no Concurso Lírico Riccardo Zandonai, na Itália, em 2022.

Marcela sempre se preocupou em estudar e aperfeiçoar ao máximo o seu instrumento — a voz —, conta Pereira. Ela considera os concursos como uma ferramenta para sua evolução, como contou ao G1: “Quando participei em concursos, eu não os vi como algo estressante ou até mesmo competitivo. Sempre procurei fazer os concursos buscando aperfeiçoar o meu desempenho em situações adversas. Sendo assim, não se trata de competir com outros cantores e sim de saber como eu consigo alcançar o melhor desempenho possível, dentro da minha capacidade”.

Assim como Schubert, Pereira admira o esforço de Marcela para estudar e se aperfeiçoar e aprecia seu crescimento pessoal e profissional: “A Marcela é uma das amigas que mais me empolgaram ao acompanhar a trajetória, porque essa menina cresce demais e muito rapidamente. Ela é outra pessoa agora, comparada à Marcela que eu conheci em 2015. A vida deu muitas oportunidades, tanto positivas quanto negativas, para que ela evoluísse e se tornasse essa pessoa muito pronta para a vida”.

Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg e Roberto C. G. Castro


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