Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Da "loucura mansa" à "biblioteca viva": dez anos da Brasiliana da USP

Seminário e exposição comemoram uma década de serviços prestados à cultura brasileira pela Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

 12/05/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 15/05/2023 as 17:23

Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin Garcia e Joyce Tenório

Dez anos se passaram desde que a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP inaugurou um sonho e um desafio. O sonho, como bem dizia José Mindlin, seria contagiar crianças, jovens e todos os brasileiros com um vírus incurável. Um vírus que o bibliófilo contraiu aos 12 anos de idade lendo Machado de Assis. E o desafio ficou com os incuráveis professores, pesquisadores e estudantes que se dedicam a preservar e compartilhar o acervo de 32 mil livros raros, que Mindlin dizia ser o “resultado de sua loucura mansa”.

“A BBM é uma biblioteca viva.” Assim o professor Alexandre Macchione Saes, diretor da biblioteca, sintetiza a trajetória da Brasiliana nestes dez anos de atividades. “Buscamos cumprir a meta de José Mindlin ao deixar seu acervo sob a responsabilidade da USP. Procuramos priorizar não só o nosso papel de preservação dessa coleção rara e valiosa, mas cumprir  o papel  de curadoria do conhecimento acumulado, desenvolvendo projetos que propiciam uma permanente reflexão sobre a memória e a cultura brasileira.”

Alexandre Macchione Saes, diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Alexandre Macchione Saes, diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Para celebrar os dez anos da BBM, a sua história será revisitada em uma programação gratuita que acontece nos próximos dias 16, 17 e 18 de maio, no Auditório István Jancsó, localizado no Espaço Brasiliana, na Cidade Universitária. O Seminário BBM 10 Anos: Uma Biblioteca Viva propõe, em oito mesas temáticas, uma reflexão para avaliar os resultados dos projetos e das parcerias e repensar conjuntamente o papel da Biblioteca Brasiliana na sociedade brasileira contemporânea (confira neste link a programação completa do evento).

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A importância da preservação e acesso nos dez anos da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

O vice-diretor da BBM, professor Hélio de Seixas Guimarães, vê a biblioteca como uma jovem instituição que já conquistou um lugar importante na Universidade e fora dela. “Com um projeto vigoroso de digitalização de seu acervo, com sua abertura a pesquisadores de várias áreas de conhecimento por meio de editais de pesquisa e com a criação de protocolos internos de conservação, digitalização e divulgação dos materiais que estão sob sua guarda, a BBM pode servir de referência a outras instituições”, destaca. “É também um centro de reflexão sobre a cultura do livro e os novos sentidos e papéis que uma biblioteca de obras especiais sobre o Brasil pode assumir nos debates sobre o País.”

Cartaz do Seminário da BBM - Foto: Divulgação

“É um momento de analisar a trajetória percorrida até agora e de formulação de propostas para o futuro da BBM como uma biblioteca de obras especiais que quer participar cada vez mais ativamente do ambiente universitário e da vida pública, incentivando a produção e a difusão de conhecimento”, enfatiza Guimarães. “Os convidados para participar do seminário são pessoas de referência nas várias atividades que uma biblioteca como a BBM envolve: colecionismo e bibliofilia, preservação e conservação, digitalização, difusão de conhecimento, pesquisa e estudos brasileiros.”

Um caminho para buscar o futuro e reavaliar a história

No caminho da “biblioteca viva”, o diretor Alexandre Macchione Saes, também professor de História Econômica da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, conta que a BBM vem desenvolvendo vários projetos para reavaliar a história do País. Um deles, 3×22: Desigualdade Brasileira em Três Tempos, buscou refletir sobre o bicentenário da Independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna. “Essa iniciativa debateu duas temáticas centrais para a construção dos projetos de futuro do Brasil: a defesa da diversidade racial e o combate à desigualdade econômica e social”, observa.

Para “inocular o vírus da leitura entre os jovens”, desejo expresso por José Mindlin, foi criado o projeto BBM no Vestibular. “Através de aulas com pesquisadores e professores da USP aqui mesmo no espaço da BBM, nós estamos apresentando uma programação especial com os livros da Fuvest 2024”, conta Saes. “Aproveitamos a oportunidade das aulas para introduzir os participantes à riqueza do acervo e às possibilidades de acesso aos projetos de livros da biblioteca digital, uma oportunidade única para alcançar o público não universitário.”

A primeira aula aconteceu no dia 29 de março e versou sobre o romance Quincas Borba, de Machado de Assis. Quem recepcionou os 500 estudantes presentes foi o vice-diretor, Hélio de Seixas Guimarães, especialista na obra machadiana e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “A realização do evento dentro da Universidade em que a maioria dos vestibulandos deseja ingressar é uma forma de aproximar os alunos do ambiente acadêmico, de dar concretude àquilo que eles almejam”, afirma Guimarães.

O professor Hélio de Seixas Guimarães - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
O professor Hélio de Seixas Guimarães - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
O professor Ivan Marques durante aula sobre "Alguma Poesia", de Carlos Drummond de Andrade - Foto: Laryssa Salles/BBM

BBM Digital: acesso para todos

“A biblioteca digital da BBM (BBM Digital) desempenha um papel crucial na divulgação e preservação do acervo da Brasiliana”, esclarece Rodrigo Moreira Garcia, bibliotecário e coordenador do projeto. “Ela permite que um número maior de pessoas tenha acesso às obras raras e documentos históricos, independentemente de sua localização geográfica. Além disso, a digitalização do acervo preserva as obras originais, protegendo-as contra danos físicos e possibilitando sua conservação a longo prazo.”

Rodrigo Moreira Garcia - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Rodrigo Moreira Garcia - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Garcia esclarece que a BBM Digital é um conjunto de recursos e ferramentas disponíveis on-line para pesquisa e acesso ao acervo digitalizado. “Através desse serviço, os usuários podem explorar e pesquisar o acervo de forma eficiente. Ele oferece uma plataforma de fácil navegação, permitindo a busca por assunto, autor e data, entre outros, além de navegar por coleções específicas, acessar metadados detalhados e visualizar e realizar o download das obras digitalizadas em alta qualidade.”

Garcia ressalta que, embora a BBM não desenvolva um projeto específico para o público infantojuvenil, a BBM Digital pode servir como uma ferramenta para que as escolas implementem programas ou iniciativas educacionais destinados a envolver crianças e jovens na descoberta do patrimônio cultural, histórico e de memória. “Esses projetos podem incluir atividades interativas, jogos, narrativas digitais e recursos pedagógicos adaptados para o público infantil, incentivando o interesse pela leitura, pela cultura e pela história.”

Livros da Biblioteca Brasiliana - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Segundo Garcia, que é mestre em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), transmitir a imagem e a percepção de um livro raro e histórico em um sistema digital é desafiador, mas algumas estratégias podem ajudar nesse processo. “Primeiro, é importante garantir que a digitalização seja feita com alta qualidade, capturando detalhes visuais e textuais importantes. A BBM Digital está em consonância com as diretrizes da Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (Ifla, na sigla em inglês) para o planejamento e digitalização de livros raros e coleções especiais, além de procurar garantir a preservação digital dos arquivos gerados.”

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Uma reflexão sobre a coleção Brasiliana Mindlin

Garcia esclarece: “A BBM procura também enriquecer a experiência do usuário fornecendo informações contextuais sobre a obra, como seu contexto histórico, autor, período de publicação e curiosidades relacionadas. A BBM procura fazer isso através de seu blog (https://blog.bbm.usp.br/) e suas postagens compartilhadas nas redes sociais. Inclusive  alguns recursos adicionais são produzidos e  disponibilizados, como imagens complementares, vídeos explicativos e depoimentos de especialistas em seu canal no Youtube, para oferecer uma visão mais abrangente e enriquecedora”. Tais recursos procuram promover a interação com o público leitor, ajudando a criar uma comunidade em torno da BBM e de sua biblioteca digital, onde os leitores possam discutir, compartilhar suas percepções e se envolver com o acervo de forma mais participativa.

O Seminário BBM 10 Anos: Uma Biblioteca Viva acontece nos dias 16 (das 14 às 21 horas), 17 (das 10 às 18 horas) e 18 (das 14 às 22 horas) de maio, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Grátis. Inscrições podem ser feitas através deste link. A programação completa do evento está disponível no site da BBM. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0840.

Exposição recupera a história do bibliófilo Rubens Borba de Moraes

Rubens Borba de Moraes: Um Protagonista Invisível é o nome da mostra que será inaugurada no dia 16 de maio, terça-feira, às 14 horas, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. Ela integra o programa em comemoração dos dez anos de inauguração da BBM. Com curadoria de Silvana Arduini e Nicholas Simão Betoni – doutora pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e mestre pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, respectivamente -, a exposição revela a participação de Rubens Borba de Moraes, paulista de Araraquara,  na formação do acervo da Brasiliana da USP e a sua importância na divulgação da literatura brasileira, sendo um dos integrantes da concepção da Semana de Arte Moderna.  Como o amigo José Mindlin, ele sonhava em disseminar o vírus da leitura.

“O título Rubens Borba: Um Protagonista Invisível sugere as várias circunstâncias em que o bibliófilo, apesar de ter atuação marcante, não participou ou ficou ausente dos registros oficiais”, explica Silvana. ” Um exemplo é o evento da Semana de 22, no qual Rubens Borba teve papel importante na concepção do evento, mas do qual não participou por estar doente.”

Cartaz de exposição - Foto: Divulgação/Governo de SP

A presença de Rubens Borba, no entanto, está em documentos exibidos na mostra. “Será possível ver que, além de  munir os outros jovens do grupo da Semana de 22 com livros, revistas e informações sobre o que acontecia em outras partes do mundo, também assumiu o compromisso de convidar intelectuais e artistas de outros Estados brasileiros.”

Rubens Borba também teve uma atuação pontual como diretor da Divisão de Bibliotecas do Departamento de Cultura de São Paulo. “Apesar de ter apresentado o primeiro projeto de lei de profissionalização do bibliotecário, ele, até hoje, não é reconhecido como bibliotecário por parte da classe profissional”, acrescenta Nicholas. “Seu legado ultrapassa o viés particular do bibliófilo e bibliógrafo. Teve um papel marcante no âmbito das bibliotecas para a construção de um país letrado. Para ele, era muito importante transmitir o amor pelos livros, literatura e conhecimento a outras pessoas. Os livros faziam parte da construção de sua própria identidade e foi isso que ele buscou construir por meio dos projetos que realizou na Divisão de Bibliotecas.”

Nicholas Simão Betoni - Foto: Arquivo pessoal

Segundo os curadores, Rubens Borba deixou sua coleção para José Mindlin em forma de comodato. Outra já havia sido vendida a Mindlin nos anos 1960 e 1970. “Ambos os acordos foram feitos sob a prerrogativa de que fosse criado um Instituto de Estudos sobre o Livro e sobre o Brasil, aberto para pesquisadores e interessados na área. A ideia era criar o instituto ainda em vida, mas Rubens faleceu em 2 de setembro de 1986, muito antes de isso acontecer.” 

No entanto, José Mindlin seguiu com o idealismo compartilhado com o amigo, sobre quem dizia: “Rubens é como um irmão mais velho, dono de um amor aos livros e à leitura muito parecido com o meu”.  Em janeiro de 2005, a Biblioteca Brasiliana da USP foi criada, integrando o acervo de Rubens Borba de Moraes doado em testamento. No dia 3 de março de 2013, o prédio projetado por Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin foi aberto ao público.

"Na exposição também aparecem outras figuras destacadas, como as bibliotecárias Lenyra Fraccaroli, Adelpha de Figueiredo e Laura Russo, que acompanharam Rubens Borba de Moraes nas lutas pelas bibliotecas.”

A organização da mostra é da Pró-Reitoria de Extensão Universitária e Cultura e da Coordenadoria Geral de Bibliotecas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).  Foi apresentada pela primeira vez na Oficina Cultural Oswald de Andrade, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, e ficou em exibição do dia 6 de março a 5 de abril deste ano. Já está sendo remontada para ser inaugurada no próximo dia 22 de maio no espaço da BBM.

“A exposição prioriza algumas das facetas do modernista, bibliotecário, bibliógrafo e bibliófilo.  Buscamos ressaltar a pessoa de Rubens Borba de Moraes como um sujeito inquieto e ávido por fazer a diferença no âmbito cultural brasileiro”, conta Silvana Arduini. “Daí sua relação estreita com modernistas, incluindo Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, que nutriam a utopia de construir um Brasil culturalmente reconhecido por suas riquezas e singularidades culturais, lembrando que Rubens também participou da criação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, liderado por Sérgio Buarque de Holanda.”

Silvana Arduini - Foto: Arquivo pessoal

A exposição, segundo os curadores, “foi pensada para que os visitantes encontrassem o seu ponto de interesse e saíssem da visitação ávidos por saber mais sobre esse e outros modernistas que atuaram ativamente no âmbito das políticas culturais no Brasil.”, acrescenta Silvana. “Outro ponto a enfatizar é a abordagem do movimento modernista em outros lugares do Brasil, como no Recife, porque geralmente encontra-se muito material sobre o modernismo paulista, mas não se fala muito do movimento em outros locais do País.”

A exposição Rubens Borba de Moraes: Um Protagonista Invisível será inaugurada no dia 16 de maio, na Sala BNDES da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.


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