Ao longo dos três dias a história da biblioteca será revisitada, por meio de oito mesas temáticas e uma sessão de encerramento para celebrar a efeméride. Não olhando somente o passado, o evento é uma oportunidade para a biblioteca reforçar os laços com importantes parceiros institucionais e individuais, assim como para refletir sobre seus desafios futuros.
Dentre as temáticas a serem abordadas, chamamos a atenção para as mesas O futuro das brasilianas (17/5 – 14h) e Brasil nos acervos, os acervos no Brasil (18/5 – 16h30), que reunirão diretores e representantes de instituições como o Instituto de Estudos Brasileiros, Biblioteca Nacional, Biblioteca Mário de Andrade, Arquivo do Estado de São Paulo, Instituto Moreira Salles, Itaú Cultural e Sesc para debater sobre o lugar desses acervos bibliográficos e documentais da cultura e da memória brasileira na sociedade contemporânea.
Afinal, numa sociedade em que o conhecimento se dissemina em velocidade cada vez maior, os acervos artísticos, arquivísticos e bibliográficos precisam fomentar sua contínua modernização para se manterem conectados aos usuários. Para coleções de obras raras e sobre o Brasil, como aquelas da BBM, o desafio parte da própria definição do conceito de brasiliana, cujo origem remonta a meados do século 20.
Rubens Borba de Moraes, autor da Bibliographia Brasiliana (1ª ed. 1958, 2ª 1983, ambas em inglês; 1ª edição em português, 2010), foi quem apresentou uma definição mais precisa para o termo “brasiliana” em O bibliófilo aprendiz (1ª ed. 1965): “Todos os livros sobre o Brasil, impressos desde o século 16 até fins do século 19, e os livros de autores brasileiros, impressos no estrangeiro até 1808.”
José Mindlin, ao tratar de sua coleção, qualifica-a reiteradamente como uma coleção “indisciplinada”. Entretanto, nos Destaques da Biblioteca Brasiliana InDisciplinada de Guita e José Mindlin (2ª ed., 2013), há algumas balizas, que Mindlin chama de vertentes: história, literatura, relatos de viagem, periódicos, manuscritos históricos e literários e livros de artista. Essas vertentes variam ligeiramente nos vários depoimentos de Mindlin sobre sua coleção, mas notam-se algumas linhas de força: uma coleção prioritariamente dedicada às ciências humanas e às artes, assim como aos livros raros e às edições preciosas.
À primeira linha de força liga-se o entendimento de Mindlin de que o livro é uma fonte de conhecimento, o que fundamenta tanto sua abertura ao público de pesquisadores, ainda quando era uma coleção privada, como sua doação para a USP. Na integração da coleção à Universidade, é possível identificar, em relação aos campos de estudo que a instituição e seu acervo mobilizam, quatro grandes subgrupos:
1) estudos brasileiros,
2) história do livro e da leitura,
3) tecnologia do conhecimento e humanidades digitais e
4) preservação, conservação e restauração do livro e do papel.
As relações entre a definição tradicional de coleção brasiliana, a história de formação da Coleção Mindlin e a integração desta à USP formam o fundo sobre o qual propomos essa reflexão sobre uma nova definição de Brasiliana. Essa definição deve servir como um parâmetro que oriente a formulação de uma política de aquisição e doação, defina prioridades de digitalização e fundamente o desenvolvimento de programas e projetos voltados para a produção e difusão de conhecimento relativo aos estudos brasileiros, de modo que a Biblioteca cumpra com mais eficiência suas finalidades regimentais, a saber:
I – conservar e divulgar o acervo e facilitar o seu acesso a estudantes e pesquisadores;
II – proporcionar irrestrito acesso de seu acervo digital ao público em geral;
III – promover a disseminação de estudos de assuntos brasileiros por meio de programas e projetos específicos.
Quais as funções de uma brasiliana em uma instituição pública dedicada ao ensino, à pesquisa e à extensão? Como atualizar a definição nesse novo contexto sem apagar seu processo de formação, dado em um contexto bastante diverso deste em que a coleção se encontra? Como conceptualizar o “raro” não mais dentro de uma esfera de colecionismo privado, mas no interior de uma instituição pública? Como lidar de maneira crítica e propositiva com as transformações das noções de Brasil, com as disputas e tensionamentos que atravessam essas noções?
Essas questões não são propriamente novas. Desde a origem da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin na Universidade de São Paulo, em 2013, a reflexão sobre o conceito é uma temática recorrente: as contribuições oferecidas nas duas edições dos seminários Brasiliana, Brasilianas, organizados em 2013 e, mais recentemente, em 2022, ilustram a centralidade do debate como política institucional.
Em 2023, completando um importante marco no ciclo de vida da instituição e dialogando com uma sociedade em rápida transformação, o tema é resgatado na agenda da BBM como pauta prioritária para garantir a conexão da biblioteca com as novas gerações, reiterando o lema de José Mindlin, que nos atravessa nesta comemoração da BBM 10 anos: “A biblioteca tem que ser viva”.
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