Cátedra de Educação Básica visa à formação inicial de professores

Novo titular da cátedra, Naomar de Almeida Filho destaca responsabilidade da universidade pública na formação de educadores

 03/11/2020 - Publicado há 3 anos
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Para o novo titular da Cátedra de Educação Básica, professor Naomar de Almeida Filho, pandemia potencializou problemas já existentes na educação brasileira – Foto: Unsplash

Nós não temos um projeto de educação para o País, para toda a sociedade, e sim uma educação que reforça o conjunto de desigualdades da nossa história.”

A latejante afirmação acima é feita por Naomar de Almeida Filho, novo titular da Cátedra de Educação Básica, mantida pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, em parceria com o Itaú Social. Médico, professor de Epidemiologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Almeida Filho tomou posse, com o novo conselho consultivo da cátedra, em solenidade virtual ocorrida no dia 28 de outubro passado.

“Não temos no Brasil um projeto de nação que prioriza a educação”, continua o catedrático. “Existe um plano nacional de educação que não está sendo seguido, não será seguido, e a chance de atingirmos metas é mínima, até porque elas não foram feitas com uma construção participativa, com o sistema educacional construindo o próprio projeto.”

Nesse cenário, Almeida Filho enxerga um papel fundamental reservado para as universidades públicas. Não só na discussão teórica, mas na formação de profissionais para atuar na educação. “A cátedra tem a intenção de promover reflexão, pensamento, crítica e formulação propositiva para a superação do que for possível. Em especial, explorando a responsabilidade das universidades nessa situação. E a responsabilidade é muito grande.”

O catedrático explica que as universidades públicas possuem licenciaturas excelentes, mas acabam contribuindo pouco para a formação de professores da rede pública. “Isso é um paradoxo”, comenta. “O setor público de educação superior reforça o setor privado de educação básica. E o setor privado de educação superior enfraquece o setor público de educação básica.”

2021: foco na formação inicial de professores

Almeida Filho vinha atuando como professor visitante do IEA desde 2019, mas seu envolvimento com a cátedra é ainda mais antigo. O docente foi um dos convidados do ciclo de seminários organizado em 2017 e 2018 pelo então grupo de estudos do IEA “Educação básica pública brasileira: dificuldades aparentes, desafios reais”.

O professor Naomar de Almeida Filho – Foto: IEA – USP

Reitor da jovem UFSB entre 2013 e 2017, Almeida Filho esteve à frente da implementação de modelos diferenciados de formação testados na universidade, como licenciaturas interdisciplinares. Foi o que despertou a atenção do grupo de estudos coordenado pelo professor Nilson José Machado, docente da Faculdade de Educação (FE) da USP.

Quando a Cátedra de Educação Básica foi criada, no início de 2019, Almeida Filho participou da montagem de seu plano de trabalho e desde então esteve integrado a ela. Por isso, o docente faz questão de ressaltar que sua indicação como catedrático não altera de maneira radical os trabalhos em andamento e descarta qualquer personalização no caráter das atividades.

“Essa cátedra tem uma estrutura diferente das outras”, explica. “Tem um formato mais coletivo, compartilhado, de modo que não é o perfil do catedrático que define o plano de trabalho, e sim o plano de trabalho que define o perfil do catedrático.”

Isso não significa, entretanto, que o docente não some novidades aos trabalhos. De acordo com o próprio, uma nova linha de atuação vem se juntar à dupla que norteou as ações da cátedra até agora: o mapeamento de experiências inovadoras e a realização de cursos e seminários.

“Com a minha chegada estamos implantando um terceiro eixo, que se chama cooperação técnica, destinado ao trabalho em colaboração com instituições universitárias e órgãos de formação de recursos humanos para a educação básica pública”, anuncia Almeida Filho.

Segundo o catedrático, a programação para 2021 já está discutida. Envolve a interface entre educação básica e educação superior, em um projeto de prospecção de soluções interdisciplinares para a formação inicial de professores da educação básica. A busca por alcance nacional e a maior colaboração com outras instituições que atuam nessa mesma perspectiva são prioridades do projeto, postas em prática já em 2020.

Em 2021, os trabalhos da Cátedra de Educação Básica estarão voltados para a identificação de propostas interdisciplinares para a formação inicial de professores da educação básica – Foto: Freepik

“Com a pandemia e essa reconfiguração da equipe – a minha entrada e a da vice-diretora do IEA, Roseli de Deus Lopes, coordenadora geral da cátedra –, nós começamos um trabalho de familiarização da equipe com as novas tecnologias digitais. Com isso, o alcance da cátedra passou de 100, 150, 200 pessoas para milhares”, afirma o docente.

Almeida Filho vê com entusiasmo essa transformação nas atividades da cátedra, que implicou a passagem dos primeiros seminários do grupo de estudos, realizados presencialmente em São Paulo, com um público centrado na região metropolitana, para o formato digital.

“A questão é que esse alcance mínimo não tinha nenhuma intenção de transformar o cenário, pelo fato de ser um projeto muito interno da instituição”, reflete, destacando positivamente a mudança do perfil dos professores e gestores integrantes das atividades da cátedra, tanto em números quanto em distribuição geográfica. “Participam pessoas do Maranhão, Amapá, Rio Grande do Sul, Acre…”

Pandemia e educação

Chamado a refletir sobre as consequências da pandemia para a educação, Almeida Filho pensa que a crise mais aprofundou problemas antigos do que fez novos aparecerem. “A pandemia potencializou o conjunto de problemas que já existiam mas estavam de alguma forma relegados a uma posição secundária ou não eram revelados. Mas se sabia que o sistema brasileiro de educação é extremamente excludente, um mecanismo complexo de produção de exclusão social, racial, de gênero e étnica, funcionando em bases supostamente meritocráticas.”

Para exemplificar, o catedrático indica que o uso das tecnologias digitais para compensar a impossibilidade de aulas presenciais já esbarra na falta de acesso da população mais pobre a esses dispositivos e plataformas. “Quando a pandemia obriga ao que estão chamando de ensino a distância, este tem uma diferença muito grande e aumenta a desigualdade na qualidade que já existia. O que já era desigual agora se torna uma desigualdade abissal”, problematiza.

“Isso traz para a cátedra o desafio de uma compreensão mais profunda desses diferenciais que não são de mérito, são de recursos preexistentes que propiciam essa desigualdade”, pondera Almeida Filho. “No caso da educação, transformam essa desigualdade em algo que podemos chamar iniquidade, porque é realmente vergonhosa”, finaliza.

LEIA MAIS

IEA discute o atual momento da educação básica e as perspectivas para 2021 (matéria publicada pelo Jornal da USP em 26 de outubro de 2020)

 


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