Velejar “voando”: de onde vem o entusiasmo com esporte e práticas de lazer?

Pesquisa mostra que a experiência de velejar com embarcações da classe nacra 17 remete a imagens de imensidão, liberdade, iluminação e pureza

 27/10/2023 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 31/10/2023 as 13:33
Velejar “voando”: a classe nacra 17 é uma embarcação de alta velocidade e sua estrutura permite que ela “decole” – Foto: THTACY/Wikimedia Commons

 

Da Assessoria de Comunicação da EEFE*

Na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, uma pesquisa busca entender e localizar de onde vem o entusiasmo com o esporte e com práticas de lazer, em especial a atividade de velejar. O trabalho de mestrado da pesquisadora e velejadora Maria Altimira Hackerott relata sua experiência na navegação, partindo de uma extensa base teórica para analisar suas significações e emoções. O estudo resultou em artigo científico publicado na revista Leisure Studies.

A pesquisa foi conduzido durante os treinos regulares realizados entre 2018 e 2020, na Represa de Guarapiranga, em São Paulo, navegando na classe nacra 17, uma embarcação de alta velocidade que integra os Jogos Olímpicos desde 2021. Sua formatação adota a tecnologia de foils (hidrofólios), um tipo de estrutura fixada na parte inferior das embarcações, que faz o veleiro “decolar” na medida em que os cascos ficam suspensos e apenas os foils tocam na água.

Ao longo dessas práticas, foram realizados registros sobre a experiência corporal de velejar, extraídos das observações diretas da autora e também por meio de diálogos com seu parceiro de treino, com quem compartilhava o barco.

Maria Altimira – Foto: Currículo Lattes

Atualmente, Maria Altimira é doutoranda na EEFE sob orientação da professora Soraia Chung Saura. “Toda minha investigação parte de uma base filosófica na qual não separamos corpo-mente e que entende que ao sentirmos o mundo além de sentirmos toda a sua parte ‘física’, junto sentimos toda a sua carga simbólica”, explica a pesquisadora. “Velejar voando, apoiado somente nos foils, sem tocar o casco na água, nos remete a todo um repertório simbólico e aéreo da humanidade. No artigo, descrevo qual é este repertório simbólico, e em diálogo com as outras autoras do artigo, falamos sobre imensidão, liberdade e ascensão.”

Para além da perspectiva pragmática, o entusiasmo em praticar esporte vai muito além dos benefícios que as atividades físicas trazem ao corpo ou à recompensa de ganhar um campeonato. Ao atribuir significados e emoções às ações físicas e aos lugares onde são realizadas, os praticantes das modalidades esportivas as tornam mais representativas do que se fossem baseadas apenas em objetivos práticos.

Sentidos no corpo ao velejar sob os foils

As reflexões propostas no artigo mostram o que há de fascinante na utilização de foils, que tem se mostrado uma tendência na modalidade. A partir de um referencial teórico que permite analisar a experiência estética, são explorados os sentidos no corpo e seus significados, conforme se navega sob os foils.

De acordo com a pesquisadora, a percepção da vastidão da água e do ar é amplificada ao velejar de foil, o que pode dialogar intimamente com o velejador e despertar seu entusiasmo. “Quando ponderamos a imensidão do mar ou do céu, voltamo-nos para nós mesmos em um movimento que pode ser considerado paradoxal, porque, embora estejamos reagindo ao mundo exterior, essa reflexão revela um estado de presença que nos leva ao nosso interior”, reflete.

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A sensação de “liberdade” também é potencializada. Maria Altimira relata a sensação do vento intenso nos instantes em que o barco deixa de tocar a água à experiência de liberdade no próprio corpo. “Navegar com vela é um voo ativo, liberando a nós mesmos, não o barco, da gravidade e superando uma certa condição humana. Aqui, temos um poder sobre-humano revelado pela materialidade do ar”, conta.

Essa materialidade do ar também é relacionada ao simbolismo de “pureza e iluminação”, que de acordo com a pesquisadora é baseado nos estudos do imaginário, o ar e a verticalidade são atrelados ao conceito de pureza em diversas culturas. “O que sobe é puro, assim como o que é poderoso, é grande e alto. Tudo o que sobe é volátil e está muito próximo do puro e essencial”, aponta. Na medida em que a velocidade do barco pode proporcionar uma sensação de “voo” e proximidade com o céu, o que estimula o aprimoramento da prática para uma maior constância dessa sensação.

O estudo contou com a orientação da professora Soraia Chung Saura, co-autora do texto junto a professora Ana Cristina Zimmermann. As duas coordenam o Grupo de Estudos PULA, que atua há mais de dez anos no campo da Filosofia do Esporte, contribuindo para adensar os debates no campo da atividade física, esporte e lazer. O artigo The phenomenology of image and enthusiasm for the experience of foiling sailboats está disponível aqui. A dissertação de mestrado da doutoranda também pode ser acessada no Banco de Teses da USP neste link.

*Com edição de Júlio Bernardes

Mais informações: e-mail comunicaeefe@usp.br, na Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE


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