O que já era esperado acaba de ser confirmado pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP: a variante P1 do SARS-CoV-2, ou variante de Manaus como ficou mais conhecida, já está circulando na cidade pelo menos desde o início do ano.
Em investigação para detectar possíveis casos de reinfecção de pacientes internados no Hospital das Clínicas da FMRP (HCFMRP), os pesquisadores identificaram a variante P1 numa paciente de 38 anos, moradora da cidade, que apresentou os sintomas no dia 8 de janeiro e realizou a coleta de exame três dias depois. A paciente relatou não ter viajado para Manaus, no Amazonas, nem ter tido contato com pessoas que estiveram naquele Estado. Ela apresentou uma doença de moderada gravidade, mas não precisou ir para a UTI, nem ser entubada. Atualmente, a paciente está em casa e passa bem. O caso já foi notificado à Vigilância Epidemiológica do município.
Segundo o professor Fernando Bellíssimo Rodrigues, da FMRP, que coordena as pesquisas de rastreamento do SARS-CoV-2, essa variante já estava circulando na região, portanto, era esperado que também estivesse em Ribeirão Preto. O sequenciamento genômico solicitado pelo grupo coordenado pelo professor Rodrigues é como analisar a impressão digital do vírus, material que difere de uma cepa para outra. “No caso, essa cepa P1 tem mutações nos genes que codificam a proteína Spike”, explica o professor. Spike é uma proteína multifuncional do SARS-CoV-2 e uma de suas funções é ligar o vírus à célula do hospedeiro e mediar essa entrada no interior da célula-alvo.
Para o pesquisador, a P1 trouxe mais dúvidas do que respostas em termos clínicos e epidemiológicos, pois as informações até agora reunidas são baseadas em relatos de profissionais que estão trabalhando em Manaus, no Amazonas, e em Araraquara, interior do Estado de São Paulo, mas nada ainda com confirmação científica.
“Há indícios de que talvez essa variante seja mais agressiva do que a cepa original mas, por enquanto, é somente especulação, não temos certeza disso.”
Como exemplo de algo que levanta dúvidas e precisa de respostas, segundo Rodrigues, é o fato de Ribeirão Preto ter tido queda dos casos de covid-19 em fevereiro. “Tivemos um pico da segunda onda em janeiro e de lá para cá a covid-19 já demonstrou sinais de arrefecimento, o que não seria de se esperar se essa variante está circulando como imaginamos que esteja, portanto, não sabemos o real impacto dessa nova cepa.”
O professor lembra que as diversas variantes do SARS-CoV-2 apresentam pequenas mutações em relação à cepa original. Por isso, ele acredita que as vacinas disponíveis até o momento são eficazes para essas novas variantes. A expectativa é que as vacinas sejam efetivas na prevenção de infecções por essas novas cepas.
Para o professor, a descoberta da variante de Manaus em Ribeirão Preto mostra que não é o momento de relaxar com as medidas de segurança, como usar máscara, lavar as mãos ou usar álcool em gel e manter o distanciamento social. Tudo isso precisa continuar sendo efetivamente seguido. Inclusive os protocolos de atendimento no HCFMRP e na cidade não mudam, de acordo com o pesquisador. “Não há motivos para pânico, isso não altera significativamente o modo como ele se transmite e se dissemina na população; as recomendações continuam as mesmas, temos que nos cuidar e evitar a propagação do vírus.”
Rodrigues alerta que quanto mais o vírus se multiplica e se dissemina, maior a probabilidade de novas mutações surgirem. “Precisamos de um esforço concentrado agora para controlar efetivamente a replicação viral, suprimir a disseminação da doença e, assim, prevenir também o surgimento de novas mutações, mais virulentas e agressivas.”
A pesquisa de rastreamento do novo coronavírus é uma iniciativa do Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar, em colaboração com o Laboratório de Pediatria, ambos do HCFMRP, Departamento de Medicina Social e Divisão de Moléstias Infecciosas do Departamento de Clínica Médica, ambos da FMRP, e Hemocentro de Ribeirão Preto, e parcialmente financiada pela Rede Vírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Coronavírus em Ribeirão Preto
A primeira vítima do novo coronavírus em Ribeirão Preto foi um paciente de 36 anos, que morreu no dia 26 de março de 2020. O homem tinha histórico de doença grave, segundo a Secretaria da Saúde do município. De lá para cá foram 1,2 mil mortos em decorrência da covid-19 e 50.512 casos da doença.
Nesta segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021, a cidade tem 164 pacientes internados em tratamento intensivo e 116 em enfermaria, 77,73% e 62,03%, dos leitos disponíveis, respectivamente, em hospitais públicos e privados. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, são 10.168.174 casos confirmados, com mais de 246 mil mortos.
O caso da paciente de 38 anos internada no HCFMRP foi o primeiro de morador de Ribeirão Preto identificado com a variante P1 e já notificado às autoridades sanitárias. Entretanto, em entrevista coletiva nesta segunda-feira (22/02), o professor Rodrigo do Tocantins Calado de Saloma Rodrigues, diretor científico do Hemocentro e o prefeito da cidade, Duarte Nogueira, informaram que outros 11 casos foram identificados nas amostras analisadas no Hemocentro, totalizando 12 casos da variante de Manaus em Ribeirão Preto e região.
Segundo o professor Rodrigo Calado, esses achados ainda serão notificados à vigilância epidemiológica e, das 94 amostras analisadas, a maioria veio de moradores da cidade de Serrana, mas têm de várias cidades da região metropolitana de Ribeirão Preto. “Até o final da semana mais análises deverão ser concluídas e teremos novos números”, informa o pesquisador.
Mais informações: e-mail fbellissimo@usp.br, com o professor Fernando Bellíssimo Rodrigues
Ouça no player abaixo entrevista do professor Fernando Bellíssimo Rodrigues ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.