Jato do buraco negro M87 desencadeou uma "espetacular" erupção vulcânica de raios gama

Os dados foram coletados pela colaboração Event Horizon Telescope (EHT) durante campanha que contou com mais 24 observatórios pelo mundo

 Publicado: 17/12/2024 às 9:17     Atualizado: 09/01/2025 às 14:11

Texto: Redação*

Apresentação gráfica e simulada do jato da galáxia M87 de surto de raios gama. Na parte superior estão as representações simuladas feitas por algumas colaborações de instalações de observação, enquanto na parte inferior está o gráfico da curva de luz de surto de raios gama identificada na campanha de 2018.

Curva de luz do surto de raios gama (parte inferior) e coleção de imagens quase simuladas do jato de M87 (parte superior) em várias escalas, obtidas em rádio e raios X durante a campanha de 2018. O instrumento, o intervalo de comprimento de onda observado e a escala estão indicados no canto superior esquerdo de cada imagem – Créditos: Colaboração EHT, Colaboração Fermi-LAT, Colaboração H.E.S.S., Colaboração Magic, Colaboração Veritas, Colaboração EAVN.

Em abril de 2019, cientistas da colaboração Event Horizon Telescope (EHT) divulgaram a primeira imagem de um buraco negro na galáxia Messier 87 (M87) e, desde então, têm trabalhado na obtenção de imagens de outros buracos negros. A mesma colaboração EHT coordenou recentemente uma segunda campanha em M87 e detectou uma erupção espetacular do poderoso jato relativístico que emana do centro desta galáxia em múltiplos comprimentos de onda. Jatos relativísticos são formados de radiação e partículas e chamados assim em uma referência à teoria da relatividade, por viajarem a uma velocidade próxima à da luz.

Também conhecida como Virgo A ou NGC 4486, M87 é o objeto mais brilhante do aglomerado de Virgem, o maior tipo de estrutura ligada gravitacionalmente no Universo. Liderado pelo grupo de trabalho EHT-MWL, o estudo apresenta os dados da segunda campanha de observação do EHT realizada em abril de 2018, envolvendo mais de 25 telescópios terrestres e espaciais. O artigo foi publicado na Astronomy & Astrophysics.

Os autores relatam a primeira observação em mais de uma década de uma erupção de raios gama de alta energia (detectando fótons com energias milhares de bilhões de vezes maiores que a luz visível) proveniente do buraco negro supermassivo M87, após obter espectros quase simultâneos da galáxia com a mais ampla cobertura de comprimento de onda já coletada.

“Tivemos sorte ao detectar uma erupção de raios gama em M87 durante a campanha do EHT. Este é o primeiro evento de erupção de raios gama observado nesta fonte em mais de uma década, permitindo-nos restringir com precisão o tamanho da região responsável pela emissão de raios gama observada”, diz Giacomo Principe, coordenador do projeto e pesquisador da Universidade de Trieste, associado ao Inaf (Istituto Nazionale di Astrofisica) e ao INFN (Istituto Nazionale di Fisica Nucleare) na Itália.

Principe afirma que as observações recentes com uma rede EHT mais sensível e as planejadas para os próximos anos fornecerão informações valiosas e uma oportunidade extraordinária para estudar a física ao redor do buraco negro supermassivo de M87. Além disso, os esforços prometem lançar luz sobre a conexão entre o disco e o jato da galáxia e desvendar as origens e mecanismos por trás da emissão de fótons de raios gama.

Colaboração internacional

A erupção energética, que durou aproximadamente três dias e sugere uma região emissora de menos de três dias-luz de tamanho – 170 UA, onde uma Unidade Astronômica é a distância do Sol à Terra –, revelou um intenso surto de emissão de alta energia, muito acima das energias normalmente detectadas por telescópios de rádio na região do buraco negro.

“Juntamente com as observações em submilímetro do EHT, os novos dados de múltiplos comprimentos de onda oferecem uma oportunidade sem precedentes para entender as propriedades da emissão de raios gama, vinculá-las a possíveis mudanças no jato de M87 e permitir testes mais sensíveis da relatividade geral”, enfatiza Principe, destacando o potencial para descobertas revolucionárias.

A segunda campanha do EHT e de múltiplos comprimentos de onda em 2018 contou com mais de duas dúzias de instalações de observação de alta relevância, incluindo os telescópios Fermi-LAT, HST, NuSTAR, Chandra e Swift da Nasa, juntamente com as três maiores redes de Telescópios Cherenkov Atmosféricos de Imagem do mundo (H.E.S.S., Magic e Veritas). 

Estes observatórios são sensíveis a fótons de raios X e raios gama de alta e altíssima energia (VHE), respectivamente. Durante a campanha, o instrumento LAT, a bordo do observatório espacial Fermi, detectou um aumento no fluxo de raios gama de alta energia, com energias bilhões de vezes maiores que a luz visível.

Observatórios utilizados na colaboração EHT

Representação em mapa-múndi da localização de cada uma das instalações de observação utilizadas no trabalho de colaboração EHT, especificando observatórios em solo, satélites e o tipo de onda de luz captada por cada uma

Os observatórios e telescópios que participaram da campanha multibanda de 2018 para detectar o surto de raios gama de alta energia do buraco negro M87 - Créditos: Colaboração EHT, Colaboração Fermi-LAT, Colaboração H.E.S.S., Colaboração Magic, Colaboração Veritas, Colaboração EAVN / Fonte: Créditos: Colaboração EHT, Colaboração Fermi-LAT, Colaboração H.E.S.S., Colaboração Magic, Colaboração Veritas, Colaboração EAVN

“M87 serve como um laboratório, ressaltando a importância crítica das observações coordenadas de múltiplos comprimentos de onda e de uma amostragem detalhada para caracterizar completamente a variabilidade espectral da fonte”, comenta o professor Ciriaco Goddi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, que analisou as observações do Alma e produziu as imagens do jato de rádio de alta frequência relatadas no artigo.

O professor explica que essa variabilidade provavelmente se estende por diferentes escalas de tempo, oferecendo uma visão abrangente em todo o espectro magnético.

“Esses resultados oferecem a primeira oportunidade de identificar o ponto de onde as partículas causadoras da erupção estão sendo aceleradas. Isso pode potencialmente resolver um debate de longa data sobre a origem dos raios cósmicos (partículas de altíssima energia provenientes do espaço) detectados na Terra.”

Ciriaco Goddi - Foto: Currículo Lattes

Ciriaco Goddi - Foto: Currículo Lattes

“Como e onde as partículas são aceleradas nos jatos de buracos negros supermassivos é um mistério de longa data. Pela primeira vez, podemos combinar a imagem direta das regiões próximas ao horizonte de eventos durante erupções de raios gama e testar teorias sobre as origens dessas erupções”, diz Sera Markoff, professora da Universidade de Amsterdã e coautora do estudo.

Assim, a descoberta abre caminho para pesquisas futuras estimulantes e potenciais avanços na compreensão do Universo.

O artigo Broadband multi-wavelength properties of M87 during the 2018 EHT campaign including a very high energy flaring episode pode ser lido aqui.

*Com informações do Istituto Nazionale di Astrofisica, adaptado para o Jornal da USP


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